Por Pedro Menezes

“Embora não seja verdadeiro dizer que todos os conservadores sejam imbecis, é verdade que a maior parte dos imbecis são conservadores”

– John Stuart Mill

Em tempos de Copa do Mundo, com o nacionalismo justamente exacerbado por uma disputa internacional do esporte mais divertido já inventado pelo homem, artigos idiotas surgem, repletos de ideias idiotas que idiotas escrevem para obter algum ganho político a partir da atenção que bilhões de pessoas devotam ao futebol.

Agora, quando chegamos mais ou menos à metade da Copa, a colunista conservadora Ann Coulter publica um dos piores artigos já escritos por mãos humanas. Num texto cheio dos traços ultracionacionalistas e xenofóbicos que caracterizam a retórica Tea Party, Ann escreve uma coluna que coloca o futebol como símbolo da decadência cultural da América.

O mote geral do artigo deixa claro o tipo de psicopata que o subscreve: Ann diz, claramente, que “nenhum Americano cujo avô tenha nascido no país está assistindo a Copa, e só me resta esperar que estes novos Americanos larguem o esporte assim que aprenderem a falar inglês”. O que o preconceito de Ann a impede de perceber é que não há sequer um marco cultural que não tenha nascido da interação entre a cultura local e os imigrantes.

Não haveria jazz ou blues ou mesmo o rock’n roll sem a riqueza melódica dos Afro-americanos. E o cinema Americano, justamente celebrado por todo o mundo, não seria o que é sem ítalo-americanos como Coppola e Capra ou sem o judeu Woody Allen. Joseph Pullitzer, o jornalista mais famoso da história dos Estados Unidos, era um imigrante. Albert Einstein era um imigrante. Ayn Rand, escritora que provavelmente inspira grande admiração em Ann Coulter, era uma imigrante. Sergey Brin, fundador do Google, é um imigrante. Liz Claiborne, a mais famosa das estilistas americanas, era uma imigrante. E mesmo no esporte, o que seria dos Estados Unidos sem a imigração italiana, que levou Mario Andretti ao país? Ou sem os geniais Magic Johnson e Michael Jordan, de óbvia ascendência Africana? E se não há nada mais Americano do que o poeta bardo Bob Dylan, não me custa nada informar a Ann que os avós dele eram judeus vindos da Odessa e Lituânia. Não há nada errado em assimilar a cultura dos imigrantes e os Estados Unidos são o mais belo exemplo do que o intercâmbio cultural pode gerar.

Mas Ann, é claro, tenta criar uma lista com outros motivos mais “racionais” que justificariam seu ódio ao futebol. Nela, Ann discorre sobre cada um dos motivos pelos quais os Americanos deveriam ignorar o esporte. O primeiro deles é que “não há individualidade no futebol. No futebol, a culpa é dispersa. Não há herois ou vilões. Será que eles tem MVPs (prêmios ao melhor jogador) no futebol?”

A um brasileiro, um “argumento” desse tipo dá um tom ainda mais ridículo ao texto. Nós crescemos acostumados com louvores ao estilo único de Pelé, arquétipo da perfeição; de Garrincha, o jogador-humorista; de Romário, o homem que acabava com o jogo em um ou dois toques; ou de Zidane, o vilão que destruiu a seleção por duas vezes com sua elegância estilística. Aqui nós tivemos a “Era Dunga”, do futebol feio e pragmatico, e os vilões do quadrado mágico de 2006, craques preguiçosos e arrogantes que fizeram uma das Copas mais ridículas da história da Seleção. Tudo isso faz parte do imaginário do brasileiro. A individualidade, para nós, não é apenas um traço do futebol, mas a característica mais marcante dele. Heróis e vilões existem e continuarão existindo a cada Copa. Felipe Melo não me deixa mentir.

Claro, soa ridículo ter de explicar tudo isso, que é culturalmente óbvio para quem nasceu no Brasil. Mas o modo como Ann Coulter fala sobre futebol nos permite entender o maior problema dos conservadores Tea Party dos Estados Unidos: presos em uma arrogância excepcionalista e incapazes de imaginar como um cidadão de outro país enxerga a si mesmo numa Copa do Mundo. Ann Coulter é incapaz de considerar toda a complexidade humana de brasileiros, franceses, argentinos e outros apaixonados pelo esporte. Ela, que tanto fala em individualidade, não nos enxerga como individuos, mas como os invasores do seu quintal. Não é a toa que, ao tratar das intervenções americanas no Oriente Médio, Ann Coulter tenha dito sem muito pudor uma das frases mais desumanas da história do debate publico: “Nós devemos invadir os países deles, matar seus líderes e convertê-los ao cristianismo”.

Ann Coulter representa, em essência, o momento em que o conservadorismo se transforma em protecionismo cultural. O que assusta é ver que o discurso tea party que ela representa ainda tenha tanta voz entre liberais brasileiros. A nós resta lembrar von Mises e Karl Popper, que recomendavam a intolerância com os intolerantes. E depois, se argumentos não derem jeito na coisa, lembramos da velha frase de John Stuart Mill que abre este artigo. 

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Pedro Menezes

Pedro Menezes é estudante, editor deste site e um dos co-fundadores da rede Estudantes Pela Liberdade no Brasil. Nascido na Bahia e radicado em São Paulo, ele diz que se interessa por teoria política, história, economia e cinema, mas divide o seu tempo livre entre o Vasco e literatura de qualidade duvidosa.

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