Você talvez já tenha escutado por aí que o Bolsa Família e incentiva pobres a serem preguiçosos, incentivando-os a ficar em casa fazendo filhos. É um discurso que quase sempre vem acompanhado de dois argumentos que parecem fazer sentido teórico: o primeiro reconhece que quando damos dinheiro de graça a alguém, as pessoas passam a ter menos incentivos para aceitar ofertas de trabalho; e que, por ser vinculado ao tamanho da família, o benefício incentivaria os inscritos a terem mais e mais filhos para aumentar o valor da transferência.

Muitos críticos esquecem que o Bolsa Família tem caráter emergencial e transfere um valor que é muito baixo para regiões rurais e quase irrelevante para quem mora em centros urbanos. As famílias que tem renda compatível com o acesso ao programa vivem em condições miseráveis, com parco conforto material, e já tem todos os motivos possíveis e imagináveis para buscar uma renda maior através de um emprego. A bolsa – que muitas vezes é inferior a um quarto de salário mínimo por família –  provavelmente afeta menos o incentivo ao trabalho do que a extrema pobreza que rodeia os inscritos no programa.

Um estudo econométrico realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas indica que o programa também deve ser absolvido da acusação de incentivar o aumento do número de dependentes por beneficiário. Utilizando como base uma adaptação do modelo desenvolvido por Gary Becker, vencedor do Prêmio Nobel e símbolo da geração de economistas da Universidade de Chicago que revolucionou o debate econômico na segunda metade o século XX, o artigo conclui que o Bolsa Família não estimula em escala significativa um aumento na fertilidade das famílias inscritas. 

Publicada na Revista Brasileira de Economia, a pesquisa indica que esta conclusão contraria os dados disponíveis mesmo quando as famílias beneficiárias são separadas por idade do casal, renda ou região.

Por faixa de renda

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Por região

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Por faixa etária

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O sucesso do Bolsa Família é notável. Trata-se de uma rara política social barata, eficiente e bem desenhada no país que ainda insiste em inventar o ‘gasto social’ que concentra renda. É também uma política que quebra a longa tradição patrimonialista do Brasil, que por tanto tempo produziu programas como ‘vale leite’ e aberrações do tipo. Ao invés de dar coisas de graça para famílias pobres, o Bolsa Família dá dinheiro – e acredita que elas sabem melhor o que fazer com o dinheiro do que um burocrata em Brasília.

O programa ecoa as propostas de Milton Friedman, que defendia a transferência direta de renda como a melhor política social possível. O argumento chega a ser óbvio: se o maior problema de quem é pobre é a falta de dinheiro, a melhor forma de ajuda-lo a sair desta situação é dando algum dinheiro e liberdade para que o gaste no que quiser. O economista John Kenneth Galbraith, dono de inquestionáveis credenciais de esquerda, considerava o pensamento de Friedman como “a proposta previdenciária mais radical apresentada do pós-Guerra”, e que “poucos economistas de esquerda podem ostentar a proposição de uma inovação tão impressionante”.

A ideia era defendida também por Friedrich Hayek, segundo quem não haveria método mais efetivo para garantir efetivamente as liberdades individuais numa economia de mercado do que garantindo alguma propriedade privada a todos. Com uma renda básica, o próprio funcionamento do mercado ficaria mais saudável ao diminuir a marginalização social sistemática.

Isto não significa que o programa esteja imune a erros. Toda decisão de política pública tem suas consequências, e é provável que o Bolsa Família também tenha falhas que merecem revisões, mas será que essa deve ser a prioridade de um país marcado por tantos problemas sociais muito mais caros e danosos?


 

Nota: Muitos leitores acessaram o artigo original, linkado por nós no texto, e ao notar que os pesquisadores encontraram valores positivos em alguns estratos da sociedade, deduziram a partir daí que o artigo original contradiz o que está escrito aqui, neste resumo que publicamos no Mercado Popular.

A questão central que substancia o que afirmamos neste texto é que, embora os incentivos existam em alguns casos pontuais (e sua existência, desde que tudo o mais esteja constante, já era esperada por um do raciocínio teórico abstrato) eles são estatisticamente insignificantes, dado que o valor encontrado é muito próximo de zero. Além disso, ressalte-se, em diversos casos os coeficientes são negativos.

O artigo que citamos é, principalmente, uma análise de dados. De fato, seria irresponsável dizer que nenhum dos milhões de beneficiários do Bolsa Família foi incentivado a ter filhos. Mas, como fica claro a quem de fato leu o conteúdo da publicação original até o fim, este incentivo é estatisticamente insignificante. A pesquisa nos permite concluir que, na esmagadora maioria dos casos, o Bolsa Família não impacta o número de filhos por casal em escala relevante para o mundo real.

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