Classificado pela ONU como o país menos democrático das Américas, Cuba segue sem uma democracia funcional desde os anos 40, quando o presidente Fulgencio Batista instalou uma ditadura no país.

Em 1959, o regime político cubano passou a ser dominada pela mesma família, mais especificamente pelos irmãos Fidel e Raul Castro, que pouco depois se alinharam à União Soviética para formar um governo socialista no país.

Desde os tempos de Fulgencio, Cuba desponta com alguns indicadores sociais superiores ao resto da América Latina. No último relatório da ONU antes da Revolução, no final dos anos 50, Cuba foi descrita como um país de renda média, e alguns dos indicadores já eram – desde aquela época – superiores aos de países como a Itália, Espanha e Suécia. E, desde o início do século passado, a música cubana já era conhecida em todo o mundo por sua originalidade melódica e pelo lirismo de algumas letras.

O que poucos sabem, porém, é que muitos dos músicos que fizeram a fama da música cubana durante a segunda metade do século XX são desconhecidos em Cuba. Na lista abaixo, estão alguns dos músicos censurados, difamados ou simplesmente ignorados pelos meios de comunicação oficiais. Eles ganharam Grammys, encheram palcos de todo o mundo e venderam discos como poucos. Em Cuba, porém, você precisa pensar duas vezes antes de andar com o último disco deles por aí.

Você deve se lembrar da voz de Célia Cruz cantando ‘Guantanamera’, mas a imensa maioria dos cubanos jamais a ouviu

A Baía de Guantanamo, em Cuba, geralmente é lembrada fora do país por dois motivos: pela prisão militar dos Estados Unidos, de onde surgiram inúmeros relatos de violações aos direitos humanos, e por ‘Guantanamera’, uma das mais conhecidas canções cubanas.

‘Guantanamera’, no caso, é um gentílico utilizado como referência às mulheres nascidas em Guantanamo – tal como ‘baiana’ ou ‘pernambucana’. Ainda hoje, é a principal canção patriótica de Cuba. Durante os anos 60 e 70, músicos americanos – como Joan Baez – utilizaram a música como protesto simbólico contra o governo dos Estados Unidos e seu embargo comercial a Cuba.

Sua letra é uma adaptação dos versos de um poema de José Marti, escritor cubano, alçado ao posto de herói nacional por sua luta pela independência do país. Apesar de seu nome ser frequentemente lembrado em eventos oficiais, Martí não podia ser politicamente mais distante dos irmãos Castro. Apesar dos tons patrióticos e progressistas em seu discurso, Martí foi um típico liberal do século XIX, e seus escritos sobre os Estados Unidos incluem elogios à liberdade de expressão e imprensa dos americanos, assim como críticas às atividades dos “políticos profissionais”.

É improvável que o leitor tenha passado toda a sua vida sem ouvir, ao menos uma vez, a versão de Célia Cruz para a clássica ‘Guantanamera’. Trata-se de uma das gravações mais famosas da música, e certamente a mais famosa já gravada por uma mulher cubana. Vídeos no YouTube permitiram que milhões de pessoas ouvissem ‘Guantanamera’ na marcante voz de Célia.

Poucos sabem, porém, que Célia Cruz morreu nos Estados Unidos, em 2003, quando já não visitava Cuba há quase 45 anos, de onde fugiu desde que os irmãos Fidel e Raul Castro tomaram o poder. E embora os versos de ‘Guantanamera’ tenham se tornado mundialmente conhecidos na sua voz, a imensa maioria dos cubanos jamais ouviu a gravação, proibidapela ditadura – assim como todas as músicas de Célia – desde então.

Desde que se exilou de Cuba em 1959, Célia seguiu com sua carreira nos Estados Unidos com um sucesso estrondoso. Conhecida como ‘La Reina de Salsa’ (“A Rainha da Salsa”) em Cuba, transformou-se em “The Queen of Salsa” e formou uma grande base de fãs em todo o mundo. Durante o seu funeral, 150 mil pessoas se reuniram pelas ruas de Nova Iorque e Miami para celebrar sua carreira.

Existem dois “Hall da Fama da Música Latina”, um criado pela revista Billboard e outro por críticos independentes. Célia está nos dois, e não como uma integrante comum: quando as duas honrarias foram criadas, ela foi a primeira ter seu nome incluso. Durante sua carreira, também recebeu a “Medalha Nacional de Artes”, dada pelo presidente Bill Clinton a Célia anos antes de figuras como Bob Dylan, George Lucas, Al Pacino e Meryl Streep receberem a mesmo homenagem.

Também foram muitas as edições do ‘Grammy’ vencidas por Célia, queainda receberá este ano a mais importante estatueta do maior prêmio de música popular do mundo. Na edição de 2016, Célia ganhará o Grammy de “Lifetime Award”, dado apenas a músicos que deixaram um legado importante às futuras gerações.

Hoje, os moradores de Union City, no estado americano de Nova Jersey, onde a cantora morreu, podem passear pelo Parque Célia Cruz, batizado em sua homenagem. Já os moradores de Havana, capital cubana, onde a cantora nasceu, foram proibidos de escutar suas músicas nas rádios durante cinco décadas, com uma censura que seguiu até 2012, dez anos depois da morte de Célia.

Patriota, Célia Cruz guardou durante quase toda a sua vida um punhado de terra da Baía de Guantanamo e pediu para que a lembrança fosse guardada em seu caixão, ao lado do seu corpo.

Gloria Estefan, uma das mulheres que mais vendeu discos na história da música, nunca pôde realizar um show na ilha

O que Bob Dylan, Chitãozinho e Xororó, Nirvana, Green Day, Eminem, Avril Lavigne, Amy Winehouse, Iron Maiden, The Cranberries, Oasis, Tupac Shakur, R.E.M, Rita Lee, Alice Cooper, Pearl Jam, A-Ha, Spice Girls, Christina Aguilera, Robbie Williams, Black Sabbath, Village People e Nirvana têm em comum?

Todos eles alcançaram absoluto sucesso na carreira artística e estão na lista de artistas que mais venderam discos na história da música popular. E todos eles venderam menos discos do que a cubana Gloria Estefan.

A influência de Gloria Estefan é difícil de ser subestimada. Em 2010, Gloria convocou um protesto em Miami contra a ditadura cubana. Dois dias depois, 200 mil pessoas foram às ruas em defesa do prisioneiro político Orlando Zapata e do movimento das ‘damas de branco’, formado por mães e esposas de prisioneiros políticos do regime. O protesto convocado por Gloria superou em muito, por exemplo, a maior manifestação brasileira em junho de 2013, que recebeu 100 mil pessoas no Rio de Janeiro.

Gloria nasceu em Cuba, em 1957, e poucos anos depois sua família se exilou nos Estados Unidos. O sucesso como cantora pop veio depois, especialmente nos anos 80, e incluiu diversas gravações com músicos cubanos exilados nos Estados Unidos. Dentre todos os músicos desta lista, Gloria é a única a cantar em inglês, com um estilo mais pop. Suas músicas costumam lembrar o típico pop romântico-meloso que dominou a música dos anos 80, do qual Gloria foi uma das maiores expoentes, dando um distintivo toque latino ao estilo.

Recentemente, Gloria revelou a vontade de tocar em sua terra natal. As chances são mínimas, por diversos motivos. Além do exílio e das críticas ao governo, Gloria é especialmente repudiada pelo fato de seu pai ter sido segurança do ditador Fulgencio Batista, presidente de Cuba até o início da nova ditadura, em 1959. Quando o sucesso internacional se tornou grande demais, a ponto de o governo já não conseguir censurar sua história, Gloria passou a ser retratada em Cuba como uma ‘traidora’, ‘terrorista’ e ‘financiada pela máfia’.

Há pelo menos dez anos, Gloria expressa reiteradamente sua vontade de voltar a Cuba para um show. Em sua carreira, ela já tocou para presidentes de ao menos 6 países diferentes. Mas ainda hoje, todo o seu repertório segue na ‘lista negra’ do regime.

Cachao López, um dos criadores do Mambo

O contrabaixista Israel ‘Cachao’ López nasceu em 1918, curiosamente na mesma casa onde, anos antes, nascera o já citado José Martí, outro histórico filho da ilha. Desde muito cedo, já na década de 1930, se estabeleceu como um dos maiores músicos de Cuba. Ao lado do seu irmão Orestes López, Cachao foi um dos inventores do ‘mambo’, tendo sido o responsável pela primeira gravação do gênero. E com um show deles, em 1948, foi aberto um dos principais teatros de Havana – o Teatro Blanquita, que hoje se chama Teatro Karl Marx.

Foi apenas em 1958, anos depois, que o ritmo criado pelos irmãos López ganhou popularidade em todo o mundo, com o lançamento do clássico álbum “Dance Mania”, de Tito Puente. Um ano depois, outros dois irmãos, os Castro, tomaram o poder em Cuba, fechando o país e tolhendo qualquer possibilidade de sucesso internacional ou liberdade artística. Assim, no início dos anos 60, Cachao López aproveitou um convite para tocar numa orquestra em Madri e fugiu de Cuba através de uma arriscada viagem marítima pelo Oceano Atlântico.

Pouco depois, Cachao mudou-se para os Estados Unidos. Sua especialidade era o baixo, especialmente durante as ‘jam sessions’ (‘descargas’, sessões de improvisação) de música cubana que comandou por décadas em todo o mundo. O último disco de Cachao antes do exílio, lançado em 1958, alcançou grande sucesso local e algum sucesso internacional ainda na primeira edição, apesar do cenário político turbulento no país. Mas apenas nos anos 80, quando foi lançado nos Estados Unidos com o nome “Cuban Jam Sessions in Miniature”, a gravação de fato se tornou conhecida mundialmente, consolidando Cachao como um nome reverenciado pelos críticos.

 

Apesar da fama internacional, muitas das canções de Cachao López foram censuradas em sua Cuba natal. A censura é especialmente forte com relação a notícias relacionadas ao seu nome. Suas inúmeras vitórias no Grammy, por exemplo, não foram noticiadas nos principais jornais cubanos, que em algumas edições chegaram a dar destaque para músicos porto-riquenhos que venceram o mesmo prêmio. No fim de sua vida, Cachao recebeu ainda uma homenagem inusitada: suas músicas fizeram a trilha sonora do jogo GTA Vice City, cujo cenário é inspirado na cidade de Miami, onde ele viveu durante anos.

Cachao morreu em 2008, nos Estados Unidos. Para a surpresa geral, seu falecimento foi noticiado no Granma, o jornal oficial de Cuba, o que foi visto por exilados como um sinal da lenta abertura política que se arrasta há anos na ilha.

Paquito D’Rivera quis misturar a música cubana ao jazz americano – e precisou se exilar nos Estados Unidos para conseguir

Em bares de São Paulo, Buenos Aires ou Miami, não é difícil encontrar, em qualquer dia da semana, um grupo de músicos tocando o ‘latin jazz’, a mistura entre o jazz americano e ritmos latinos. E não há um músico do gênero que seja tão lembrado e reverenciado quanto Paquito D’Rivera.

Em sua carreira, transitou como poucos entre a música popular e a clássica, alcançando o reconhecimento de público e crítica nas duas áreas. Paquito tem um típico talento natural. Aos 10 anos, ele tocou pela primeira vez com a Orquestra Nacional de Cuba e aos 17 já era um dos solistas de destaque na Sinfonia Nacional.

Em entrevistas disponíveis na internet, Paquito relata um encontro marcante com ninguém menos do que Ernesto ‘Che’ Guevara. À época, ‘Che’ chefiava a prisão política de ‘La Cabaña’, sendo conhecido informalmente como ‘O carniceiro de ‘La Cabaña”.

“Desde o encontro com Che, percebi que tinha que fugir de Cuba, porque eu estava no lugar errado, na época errada”, diz ele. O motivo era o desprezo de Che, assim como de outras autoridades cubanas, pela música americana, especialmente pelo jazz e o nascente rock’n’roll. Durante um tour pela Espanha, em 1981, Paquito conseguiu fugir de Cuba. Desde então, exilado nos Estados Unidos, o seu jazz latino lhe alçou a 14 prêmios Grammy.

“(O que queria tocar) era o que eles chamavam de música imperialista. Nos anos 60 e 70, a cultura estrangeira era proibida em Cuba”, diz Paquito. Naqueles tempos, os fãs de rock e jazz eram obrigados a jogar fora a capa dos seus discos, guardando-os como se fossem álbuns de artistas aprovados pelo governo. “Ninguém queria ser visto nas ruas com um disco dos Beatles, ou de Santana, ou com qualquer outro disco de rock”, completa.

Quando o ator Benício del Toro foi aplaudido por citar Che Guevara ao receber um prêmio pela sua atuação em “Diários de Motocicleta”, Paquito replicou “é como alguém receber aplausos enquanto entra numa sinagoga vestido com uma suástica”. De fato, a cultura pop dos Estados Unidos foi duramente reprimida na ilha, e existem inúmeros relatos quanto a isso.

Ainda mais simbólica foi a crítica de Paquito ao guitarrista Carlos Santana, que tocou num show com o rosto de Che em sua guitarra. “É um insulto”, disse ele, numa carta pública endereçada a Santana. Nela, Paquito lembra os tempos em que precisava esconder discos do próprio Santana para não sofrer represálias da ditadura.

Paquito está vivo e ainda hoje mora nos Estados Unidos. É um dos músicos exilados com críticas mais abertas ao regime, dado que em muitos permanece o medo de prejudicarem os familiares que moram na ilha. Durante sua carreira, ele tocou com orquestras sinfônicas de todo o mundo e, dentre suas composições, há diversas versões de chorinho, um ritmo essencialmente brasileiro. No vídeo abaixo, Paquito toca no Lincoln Center, em Nova Iorque, a sua versão do ‘Tico Tico’, sucesso na voz de Carmen Miranda.

 

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