[Nota: Este texto foi originalmente publicado na Slate, por Zach Howe e traduzido para o português pela equipe do site. Apesar de ter sido escrito para o público americano, ele é amplamente válido para os brasileiros.]
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Ser homofóbico em 2014 é, cada vez mais, condenar a si mesmo ao desprezo social. Em um ambiente de aceitação crescente, condenamos os impulsos homofóbicos porque acreditamos que eles partem apenas do individuo e, sendo assim, são de sua exclusiva responsabilidade. Um homem que diga coisas odiosas sobre gays é “retrógrado”. Ele está protegendo seu status social privilegiado, talvez ele mesmo seja um gay reprimido. Ele precisa amadurecer ou sair logo do armário.
O fato de a homofobia seguir existindo – apesar dos óbvios prejuízos que traz a quem não a esconde – levanta questões sobre a sua natureza: Será que teorias psicológicas como estas acima realmente explicam porque a homossexualidade inspira tanto medo e tanto ódio? Será que elas explicam o motivo de a homossexualidade ser o primeiro alvo que homens escolhem para descarregar suas inseguranças? Por que sair do armário é tão difícil para alguns homens? Essas perguntas só podem ser respondidas se nós pararmos de encarar a homofobia como um fenômeno pessoal e passarmos a entendê-la como o resultado inevitável do ambiente no qual a imensa maioria dos homens cresceram.
Os homens aprendem desde cedo a se assustarem com a homossexualidade. Mas isso não acontece apenas pelos motivos que geralmente discutimos – eles não se assustam apenas por conta da religião, insegurança sexual ou aversão visceral ao pênis de outros homens. A verdade é que eles tem medo porque a heterossexualidade é dessas coisas muito frágeis.
O poder da heterossexualidade se baseia na percepção de terceiros, e não em traços físicos objetivos – enquanto as pessoas acharem que você só sente atração sexual pelo gênero oposto, você está do lado “certo”. Mas a percepção é precária e frágil; uma cultura de “tolerância” ensina ao homem que o modo como todos o enxergam pode mudar inteiramente com um escorregão, um beijo rápido ou uma amizade considerada íntima demais. E assim que assim que alguém para de lhe perceber como heterossexual é quase impossível desfazer a mudança.
Colocando de outra forma, essa “regra da tolerância zero” faz com que se o homem que dê um passo em falso – beija outro em um momento de diversão embriagada, por exemplo – seja imediatamente declarado como gay por todos ao seu redor, e então será difícil mudar essa imagem. Mulheres, por outro lado, tem mais liberdade para “brincar” com sua sexualidade – provavelmente porque a maioria das pessoas não consegue acreditar que essa coisa de sexo lésbico seja pra valer. A sexualidade masculina, por outro lado, é entendida como unidirecional. No momento que um adolescente diz a alguém que é gay, ele se transforma em Uma Pessoa Gay. Nós não ouvimos sobre homens que redescobrem seu interesse em mulheres depois de muitos anos, e raramente acreditamos em um cara quando ele diz que é bissexual – o senso comum, ainda que errado, costuma apontar que o sujeito que se declara bi deve ser um gay que ainda não conseguiu abandonar seus últimos traços heterossexuais.
Como resultado disso, aos homens não é permitida uma sexualidade “complexa”; assim que a presunção da sua heterossexualidade é levemente abalada, o sujeito vira automaticamente gay. Essa narrativa não permite muita liberdade para explorar pequenos impulsos homossexuais sem assumir um compromisso por toda a vida. Tive um colega que, depois de cultivar a imagem de hetero todo o colegial, teve algumas experiências homossexuais durante o primeiro semestre de faculdade e, então, passou a namorar uma mulher com quem seguiu até a formatura; nas semanas anteriores à colação de grau, não eram raros os colegas que se diziam confusos com a existência e duração do namoro.
A “regra da tolerância zero” é legitimamente assustadora, e não apenas porque ela prende os homens a um rótulo eterno, mas também por permitir que pequenos detalhes alterem toda uma vida de heterossexualidade. Ao meu colega, um semestre de experiências homossexuais foi mais relevante na percepção dos outros sobre ele do que todos os namoros e “rolos” de sua vida – tanto antes como depois.
Esse radicalismo seria assustador mesmo que ninguém tivesse o menor problema com a homossexualidade em si. Mesmo se as igrejas e revistas masculinas não ensinassem os homens a terem medo do corpo dos outros, eles ainda teriam o receio dos pequenos detalhes capazes de apagar todo o resto das suas sexualidades. Por terem tanto a perder, chega a ser natural que os homens assumam o papel de policiar pessoalmente e impor limites às fronteiras da heterossexualidade.
Vale notar que os homens enfrentam este medo com uma criatividade brilhante. Estudantes de primeiro e segundo grau acusam os colegas, suas atividades e até seus objetivos de “serem gays”, exatamente com a postura de “tolerância zero” que todos tem de enfrentar no cotidiano. E tudo isso reflete a cultura em que vivemos: um passo em falso e todos os homens podem ser marcados com um rótulo irreversível. A homofobia, por isso, é apenas uma reflexão de um medo – e não se trata de um medo que héteros considerem, de forma alguma, bobo ou encorajador. O comportamento homofóbico não é uma doença, mas o resultado da cultura doentia que envolve a relação dos homens com sua sexualidade. É por isso que eu não reajo contra os meus ex-colegas que me chamavam de “bichinha” ou com os bartenders que fazem piadas quando chego a um restaurante acompanhado – eles têm mais razões para sentir medo de mim do que o contrário.