Alunos de universidades públicas federais estão acostumados a conviver com movimentos grevistas. Para se concluir uma graduação de 5 anos, é comum deparar-se com ao menos uma ou duas paralisações. As motivações do movimento dos professores e servidores técnicos não variam significativamente, e costumam focar em melhorias salariais e/ou de condições laborais. Quando as paralisações se tornam insustentáveis, são firmados acordos entre as universidades e o governo, que se arrastam por tempo indeterminado e muitas vezes nem chegam perto de serem cumpridos. Quando isso acontece, não raramente, novas greves são deflagradas para que os acordos anteriores sejam cumpridos, propondo ainda novas mudanças e reivindicações. Um ciclo vicioso assim se forma, e a qualidade do ensino superior público brasileiro permanece deixando muito a desejar.
Desde 1980, quando foi deflagrada a primeira greve nas IFES (Instituições Federais de Ensino Superior), já ocorreram outras 19. Sua média de duração é de 50,5 dias, tendo sido a maior realizada em 2015, com duração de 139 dias. As universidades têm autonomia para decidir se ingressarão ou não no movimento e, assim, nem todas participaram das 20 greves realizadas, vale salientar. Todavia, se somarmos a duração das greves em todas as suas ocorrências, notaremos que houve paralisações em aproximadamente 1297 dias, o equivalente a 3,55 anos, como mostrado no levantamento abaixo.
Ano | Teve Greve? | Período | Duração (dias) |
1980 | sim | 16/11 a 11/12 | 26 |
1981 | sim | 11/11 a 01/12 | 20 |
1982 | sim | 18/11 a 20/12 | 32 |
1983 | não | ||
1984 | sim | 15/05 a 07/08 | 84 |
1985 | sim | 10/08 a 23/09 | 45 |
1986 | não | ||
1987 | sim | 25/03 a 07/05 | 44 |
1988 | não | ||
1989 | sim | 08/05 a 13/07 | 66 |
1990 | não | ||
1991 | sim | 05/06 a 20/09 | 107 |
1992 | não | ||
1993 | sim | 13/05 a 11/06 | 28 |
1994 | sim | 23/03 a 27/04 | 34 |
1995 | sim | 09/05 a 31/05 | 23 |
1996 | sim | 16/04 a 20/06 | 56 |
1997 | não | ||
1998 | sim | 02/04 a 13/07 | 103 |
1999 | não | ||
2000 | sim | 24/05 a 17/07 | 87 |
2001 | sim | 21/08 a 07/12 | 110 |
2002 | não | ||
2003 | sim | 08/07 a 13/08 | 36 |
2004 | não | ||
2005 | sim | 05/09 a 19/12 | 106 |
2006 | não | ||
2007 | não | ||
2008 | não | ||
2009 | não | ||
2010 | não | ||
2011 | não | ||
2012 | sim | 17/05 a 17/09 | 125 |
2013 | não | ||
2014 | não | ||
2015 | sim | 16/05 a 13/10 | 139 |
2016 | sim | 24/11 a 19/12 | 26 |
Total de dias paralisados | 1297 | ||
Total de anos paralisados | 3,55 | ||
Média (greve/ano) | 0,56 | ||
ou aproximadamente | 1 greve a cada 2 anos | ||
Média de duração das greves (dias) |
50,5 |
De lá para cá, já se passaram quase 40 anos, mas a qualidade das IFES não melhorou significativamente. Se greves são criadas com o intuito de resolver os problemas diversos que enfrentamos na educação pública, por que o inverso ocorre? O que se constata é que, apesar de ter apresentado melhoras sensíveis nas últimas duas décadas, as universidades públicas brasileiras mostram ainda resultados comparativamente baixos em relação aos seus pares latino-americanos. Ademais, se a intenção das greves é elevar o padrão de qualidade do nível educacional público brasileiro aos internacionais, elas não só não cumprem com o papel que propõem, mas são também uma das causas deste problema.
Na greve de 2005, uma das reivindicações foi: “(…) a valorização do trabalho docente e em defesa da Universidade Pública, Gratuita, Autônoma, Democrática, Laica e de Qualidade Socialmente Referenciada contra a mercantilização da educação e pelo aumento da dotação orçamentária para as IFES”.
Primeiramente, no que se refere à valorização do trabalho docente, vale destacar que, de acordo com a OCDE, professores universitários das IFES brasileiras recebem altos salários, comparáveis aos dos países nórdicos, como Finlândia, Noruega e Suécia.
Além disso, especialmente no tocante à educação superior pública federal, como já levantado em texto anterior aqui deste mercado, a despesa por aluno das IFES é de aproximadamente 4 estudantes do ensino médio ou fundamental.
Assim, se por um lado o ensino público brasileiro “está na UTI”, por outro o problema não é falta de verba. Ainda de acordo com a OCDE, no relatório Education at a Glance 2016, o Brasil é o terceiro país que mais investe em educação considerando as despesas públicas integrais. Da sua totalidade, aproximadamente 16,1% são direcionados para a educação, enquanto a média dos países membros da OCDE é de 11,3%.
Os dados mostram, portanto, que os professores das IFES não são pouco valorizados em questões salariais; também não faltam recursos para estas instituições, nem é necessário aumentar seus orçamentos. No entanto, não cansamos de ouvir por aqui que falta investir na educação, pois as universidades apresentam estruturas precárias, falta de professores, entre outras reivindicações… Seria falta de dinheiro ou uma gestão absolutamente incompetente dos recursos?
Além disso, seus déficits com a União são crescentes. A UFRJ, por exemplo, possui uma dívida acumulada de R$ 125 milhões, seguida pela UTFPR, que deve R$85,5 milhões, e pela UNB, que deve R$ 60 milhões. Ou seja, além de já serem instituições naturalmente dispendiosas ao bolso do contribuinte e aos cofres públicos, ainda somam a isso dívidas astronômicas.
Em segundo lugar, e diferente daquilo que tanto vocalizam os defensores das greves, as universidades públicas são um forte vetor de desigualdade e perpetuação de injustiças sociais no Brasil, remando contra o discurso da defesa de seu perfil “democrático”. Já demonstramos evidências disso, dentre as quais cumpre destacar:
De acordo com a Seção Sindical dos Docentes da UFSM, que traz o histórico das greves realizadas até 2005, a palavra “reajuste” tem 20 ocorrências. Ora, todas elas, claro, figuram na seção “reivindicações” de quase a totalidade das greves realizadas no período. Também constata-se que “reposição salarial” figura dez vezes; “adicional”, duas vezes; “isonomia salarial”, três vezes; “equiparação”, duas vezes; e “incorporação”, quatro vezes. Em nenhum momento, entretanto, encontramos alguma alusão ou preocupação real em relação ao resultado pífio do Brasil nos indicadores internacionais da área, ou mesmo alguma fala sobre a qualidade ruim da produção acadêmica brasileira.
A conclusão é que as greves deflagradas nas universidades públicas brasileiras não visam realmente defender uma melhor educação ou reduzir as despesas públicas no setor; são estratégias dos profissionais dessas instituições para manterem seus salários altos e baixa produtividade sem o risco de serem demitidos.