Por Jopa Velozo e Pedro Valadares

1. A eleição terminou, Dilma conseguiu mais um mandato e impulsionou uma horda de pessoas, clamando pela secessão, deixando somente as regiões Nordeste/Norte sob comando do PT. Contudo, é importante lembrar alguns fatos antes de analisarmos essa proposta dos separatistas. Primeiro, o PT teve mais votos no Sul e no Sudeste do que no Nordeste, foram mais de 2 milhões de eleitores de frente. Segundo, dois estados do Sudeste deram mais votos a Dilma que a Aécio – Rio de Janeiro e Minas.

Como destacou o cientista político Fábio Ostermann em seu texto “Não culpem o Nordeste” – publicado pelo mais antigo Instituto Liberal brasileiro, fundado no Rio de Janeiro em 1983:

Além disso, a região é dividida em 1.794 municípios e sua população é de mais de 54 milhões de pessoas. Destas, “apenas” 19.867.894 votaram em Dilma, dentro de um colégio eleitoral de 38.269.533 eleitores aptos a votar. Ou seja, praticamente a metade dos eleitores nordestinos não votou em Dilma.

Vale lembrar ainda que a política empresarial do Sudeste foi em grande parte financiada pelo Estado. Em outras palavras, dinheiro foi retirado do bolso dos pagadores de impostos para fortalecer o parque industrial da região, principalmente de São Paulo. Isso continua até hoje. De cada R$3 que o BNDES empresta a juros subsidiados, R$1 fica no Sudeste. Em outras palavras, o dinheiro sai do bolso dos cidadãos das outras regiões, em especial a Nordeste, e vai parar no bolso de capitalistas compadres do poder, como o “classe média” Eike Batista.

2. Adam Kokesh explica em seu livro “Freedom”, que, tendo em vista nossa vocação natural para viver em uma sociedade livre, só há duas formas de acabar com o estatismo: um colapso violento ou uma transição pacífica. A segunda opção consistiria em fortalecer os governos locais em detrimento do governo central e depois exercer o direito de secessão, dando origem a uma miríade de sociedades voluntárias, baseadas no autogoverno.

Mises defendia a secessão, porque acreditava que “o liberalismo não obriga ninguém a se manter contra a sua vontade dentro da estrutura do estado”. Para ele, a separação do estado deveria ser motivado pelo desejo de valorização de autonomia dos indivíduos:

O direito à autodeterminação de que falamos não é o direito à autodeterminação das nações, mas, antes, o direito à autodeterminação dos habitantes de todo o território que tenha tamanho suficiente para formar uma unidade administrativa independente.  Se, de algum modo, fosse possível conceder esse direito de autodeterminação a toda pessoa individualmente, isso teria de ser feito (…)

A circunstância de se ver obrigado a pertencer a um estado, contra a própria vontade, por meio de uma votação, não é menos penosa do que a circunstância de se ver obrigado a pertencer a esse estado em razão de uma conquista militar.

É importante notar que o liberalismo defende a secessão como uma medida para preservar e ampliar a liberdade individual. Nenhum pensador liberal pregou que a separação deve ser motivada pelo ódio, pela xenofobia e pelo racismo, como acontece no atual “levante dos magoados”. Afinal de contas, não é demais lembrar que uma das premissas liberais é o princípio de não agressão.

3. Dados todos os fatos anteriores, muitos indivíduos e grupos liberais ficaram desapontados com o posicionamento tomado pelo Instituto Liberal de São Paulo (ILISP) apos as eleições. O principal fator que denuncia a característica mais xenófoba do que político-filosófica nesses movimentos separatistas brasileiros é sua maneira argumentativa que privilegia análises genéricas. No caso de uma das imagens divulgadas pelo ILISP e que se parece com muitas das que circulam na internet, apresentava-se o mapa brasileiro dividido em regiões e dizia “Dilma: A presidente do Norte/Nordeste”. No mapa, pintava-se de vermelho as duas regiões, enquanto o Sudeste, Sul e Centro-Oeste apareciam pintados de azul.

O nível de arbitrariedade ao tirar conclusões através desse tipo de mapas deve ser observado. Quem está acompanhando algumas das imagens que circularam nas redes sociais nos últimos dias, deve ter visto que existem outros, que trazem um colorido municipal, que colorem cada estado de uma cor, que colorem regiões e que colorem as porcentagens de cada estado. Quanto menor e mais individualizado for o colorido, mais próximo chegamos da complexidade do fenômeno.

Porém, a falta de cuidado ou má-fé com esse tipo de análise é o que chama a atenção e expõe o preconceito envolvido na questão: a presidente Dilma foi eleita no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, mas, para os neo-separatistas, o Rio e Minas parecem ser parte do Clube dos Bons e Superiores e, por isso, podem continuar unificados aos estados do Sul sem problema algum.

Aliás, arriscamos dizer que alguns pensem que o Rio de Janeiro não só pode fazer parte, como talvez deva ser forçado a manter-se unido. Parece-nos que alguém que pretenda defender a secessão como um princípio não deveria se permitir esse tipo de deslize, pois assim é perceptível a clara má-vontade com o povo do Norte e Nordeste. Se a motivação separatista é somente política, que se usasse critérios puramente políticos e não regionais.

O discurso “sua” presidente e “nosso” presidente também nos é estranho. Ao invés de apresentar princípios que defendem a importância da “sua autonomia”, da “nossa autonomia”, em nome de uma descentralização, diversidade política e de maior possibilidade das pessoas poderem votar até mesmo com os pés em casos extremos, o que vemos é um projeto vulgar, baseado em análises grosseiras, colocadas somente sob o prisma da separação social, enquanto o prisma liberal é ignorado.

Não dá para levar a sério um discurso separatista que só dá as caras de quatro em quatro anos e sempre depois de uma derrota eleitoral. Se o desejo fosse legítimo, ele deveria aparecer antes do pleito e apresentar princípios substanciais. O que não dá é querer dar um golpe depois que a derrota vem. Esta postura do ILISP e de muitos destes neo-separatistas nos parece anti-liberal, na medida em que apresenta uma leitura dos fatos recentes, vazia de valores liberais e recheada de generalizações coletivas. Para os que se dedicam e zelam pela boa imagem e divulgação das idéias liberais é uma decepção que um Instituto que carrega o nome “Liberal” se manche com um discurso tão ruim e nada educativo. A posição liberal precisa ser inteligente e diferenciada, evitando deixar brecha aos que incentivam o crescente preconceito contra o Norte e Nordeste brasileiros. Sem isto, corremos o risco de, mesmo sem perceber, estarmos lado a lado com os grupos que pretendem tão somente criar mais barreiras que à livre circulação de pessoas e de troca de bens entre todos os brasileiros.

Jopa Velozo é músico, liberal e artista visual ao final de cada ano bissexto. Desde 2011 vive em Boston, onde se  graduou pela Berklee College of Music. Ainda no Brasil, foi guitarrista e arranjador do Bolaoito Octeto. No momento atua na costa leste americana. Dentro do movimento liberal fundou a quase finada página Leis Burras, é  coordenador do site LiberdadeBR e integrante da banda Acadêmicos de Milton Friedman.

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