Essa semana, surgiu em toda a blogosfera progressista uma bomba: uma organização chamada Estudantes pela Liberdade (EPL) seria a face oculta dos protestos pelo impeachment da Presidente Dilma, fomentando o golpe com financiamento dos irmãos Charles e David Koch, magnatas norte-americanos que “desrespeitam direitos indígenas, o meio ambiente e tem óbvio interesse na Petrobras”. O artigo “Quem está por trás dos protestos no dia 15” viralizou nas redes sociais, sendo republicado pelas revistas Fórum e Carta Capital.

O problema: os Estudantes pela Liberdade não foram criados por americano nenhum. Foram meia dúzia de estudantes brasileiros, tão duros quanto qualquer estudante brasileiro. Eu estava entre eles. O dinheiro dos irmãos Koch nunca chegou a mim. Não é que eu tenha algo contra a ideia. Receberia uns milhõeszinhos sem reclamar. Foram muitas as vezes em que saí por aí de ônibus, carregando caixas e caixas de livros ou panfletos, justamente porque os magnatas americanos nunca abriram o bolso. Tirei do meu bolso, por diversas vezes, para fazer com que atividades do EPL acontecessem. Alguns membros chegaram a contrair dívidas, como pessoa física, para financiar a organização. Se qualquer um dos meios de comunicação responsáveis pela viralização do texto tivessem cumprido a lição de casa mais básica do jornalismo, e perguntassem a alguém como eu – ou outros tantos aptos a responder – se o EPL realmente recebia dinheiro dos Koch, a dúvida acabaria em 2 minutos. Sabe-se lá por que – e imagina-se bem por que – a Carta Capital não demonstrou o mínimo apego pela seriedade jornalística.

A publicação de uma reportagem apontando ligações subterrâneas entre magnatas do petróleo e os protestos pelo impeachment da presidente tem implicações sérias. Seríssimas. Seria a prova cabal da interferência escusa de estrangeiros com interesse financeiro na política nacional. O que leva as revistas a rasgarem qualquer princípio jornalístico, negando-se a verificar minimamente a veracidade de fatos tão graves, para publicar a notícia?

Mas não há sequer a necessidade de acreditar em mim. Se o EPL realmente fosse financiado por magnatas do petróleo com interesses escusos, talvez eu fosse justamente o maior interessado em esconder. Talvez eu seja um canalha, leitor. Não me parece que um jornalista deva sair por aí presumindo intenções mirabolantes de fontes que nunca ouviu, mas nem isso é necessário. A reportagem divulgada pela Carta Capital e Revista Fórum foi publicada originalmente por um misterioso veículo chamado Outras Palavras, do qual nunca ouvi falar. Com o objetivo declarado de promover o “pós-capitalismo” (hã?), o sagaz jornalista usa o mais ilibado método investigativo para acusar a relação entre EPL e irmãos Koch: vai numa reportagem da Folha de São Paulo, vê que o EPL é afiliado da rede internacional Students for Liberty e descobre que a filial americana da rede é próximo de um tal CATO Institute, financiado pelos irmãos Koch. Repetindo em palavras mais claras: a reportagem tem como principal “prova” uma outra reportagem da Folha que não afirma haver financiamento dos irmãos Koch, nem dá a entender isto. Nem uma ligação seria necessária para checar a informação. Bastaria um pouco de atenção antes de publicar uma notícia de tamanha gravidade.

E há mais problemas: ainda que essa ligação longínqua fizesse algum sentido, ela de forma alguma aponta que o EPL é financiado por magnata algum. No máximo, diz que somos parceiros de um grupo estudantil que é parceiro de um instituto que é financiado pelos irmãos Koch. (Mais ou menos como aquela fofoca cuja fonte é o primo da amiga da cunhada de uma colega de trabalho da avó do porteiro da tia da minha prima.) O problema é que, se o jornalista de fato pesquisasse bem os fatos que noticia, a coisa teria que ser relativizada. Os irmãos Koch de fato doaram algum dinheiro ao Instituto CATO, mas desde 1998 foram “apenas” U$ 3.3 milhões – e digo apenas, caro leitor desconfiado, porque o Instituto CATO tem uma receita anual de U$ 50 milhões de dólares; ou seja, no espaço de 16 anos, os tais irmãos doaram pouco mais de 5% do que o Instituto recebe todo ano. Pode-se dizer com precisão que o Instituto recebeu doações dos irmãos Koch, mas daí a dizer que foi financiado por eles, seria um grande exagero. E há mais: qualquer pesquisa no Google descobre o conflito entre a administração atual do Instituto e os irmãos, conflito este que envolveu troca pública de farpas na imprensa americana.

Será que a Carta Capital não tem o mínimo interesse em praticar bom jornalismo, tendo como único objetivo a publicação de notícias agradáveis à narrativa que a esquerda nacional tenta criar? Não sei, mas o fato de ter publicado esta notícia – e ignorado e-mails em tom muito mais gentil do que este texto – é sintomático. Será que a Revista Fórum tem algum interesse além do esclarecimento dos fatos que envolvem o protesto do dia 15? Aliás, já que o tema parece gerar interesses em seus jornalistas: quem financia a Revista Fórum? No site, há ampla publicidade da Prefeitura de São Paulo, comandada pelo petista Fernando Haddad.

Ainda assim, amigo leitor, podemos dar uma colher de chá ao misterioso jornalista. Ainda que houvesse qualquer relação entre magnatas malvados e o EPL, seria necessária alguma relação entre o EPL e os protestos no dia 15. Um breve acesso ao site da rede esclareceria a posição institucional: antes da publicação da reportagem, havia uma nota afirmando que o EPL não participou, organizou e pedia expressamente que seus integrantes não utilizassem a marca da organização nos protestos, além de negar quaisquer recursos para estes fins. Mas um jornalista obstinado a criar histórias malucas vai além: afirma que a relação entre o EPL e o Movimento Brasil Livre, organizador de facto das manifestações, se dá através de Luan Sperandio, colunista do site do Movimento Brasil Livre que atua no EPL como coordenador local.

Esta é a íntima relação entre as partes: um coordenador local do EPL – ou seja, alguém que coordena atividades locais, sem qualquer participação no âmbito estadual, regional ou muito menos nacional nacional, o que seria necessário para liga-lo a qualquer uso de recursos financeiros – participa do Movimento Brasil Livre na condição de colunista do site. Seria como dizer que a Carta Capital é financiada pela Universidade de São Paulo ou pelo Palmeiras, dado que existem colunistas da revista ligados às duas instituições. Eis a fina flor do jornalismo brasileiro.

Os protestos do próximo dia 15 são, sem dúvida alguma, o acontecimento político mais importante desta semana, talvez o mais importante do ano até o momento. A publicação de uma reportagem apontando ligações subterrâneas entre magnatas do petróleo e os protestos pelo impeachment da presidente tem implicações sérias. Seríssimas. No caso, seria a prova cabal da interferência escusa de estrangeiros com interesse financeiro na política nacional. O que leva as revistas a rasgarem qualquer princípio jornalístico, negando-se a verificar minimamente a veracidade de fatos tão graves, para publicar a notícia? Não se trata de falta de recursos, pois todos os veículos envolvidos tem um orçamento consideravelmente maior que o do EPL, e a verificação dos fatos não custaria mais do que dois minutinhos. Nem se trata de falta de acesso às informações que descrevi aqui, dado que eu (e alguns tantos amigos) enviamos à Carta Capital alguns e-mails esclarecendo os fatos – e, até agora, fomos ignorados.

A elasticidade jornalística me intriga. Será que a Carta Capital não tem o mínimo interesse em praticar bom jornalismo, tendo como único objetivo a publicação de notícias agradáveis à narrativa que a esquerda nacional tenta criar? Não sei, mas o fato de ter publicado esta notícia – e ignorado e-mails em tom muito mais gentil do que este texto – é sintomático. Será que a Revista Fórum tem algum interesse além do esclarecimento dos fatos que envolvem o protesto do dia 15? Aliás, já que o tema parece gerar interesses em seus jornalistas: quem financia a Revista Fórum? No site, há ampla publicidade da Prefeitura de São Paulo, comandada pelo petista Fernando Haddad.

Faço uso da mesma linguagem empregada pela Revista para perguntar, com algum espanto: Será que o Partido dos Trabalhadores, o PT, está “por trás” do mau jornalismo praticado pela Revista Fórum? A relação entre ambos certamente é muito mais íntima do que a apontada na reportagem sobre o EPL. Mas eu, que nem jornalista sou, prefiro ficar apenas com a pergunta. Deixo que os leitores imaginem a resposta.

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