Por Daniel Duque e Luan Sperandio

Passados mais de 6 meses desde que Michel Temer assumiu interinamente a Presidência da República, já há material suficiente para analisar sua atuação presidencial. Já destacamos a proposta da PEC do Teto dos Gastos e a essencialidade da reforma da previdência, defendidas pela presidência da república, mas há também erros que foram cometidos em sua gestão que devem ser apontados.

Vale salientar que há certa resistência por parte dos maiores defensores do impeachment de Dilma Rousseff em criticar Temer. Isso porque as críticas podem enfraquecer o governo e favorecer a oposição que foi extirpada do Executivo há não muito tempo. Mas análises criticando pontos de governos são fundamentais. Democracia vai muito além do ato de votar: sendo seu candidato eleito, o fato de você apoiá-lo não deveria impedir-lhe de fazer críticas abertas a ele em busca de pontos de melhoria, tampouco de elogiar boas medidas de políticos que seu voto não elegeu na corrida eleitoral. Assim, vamos apontar os principais erros do Governo Temer até aqui, como faríamos em qualquer outro governo.

Um governo dúbio

Em um panorama de déficit nas contas públicas brasileiras, espera-se austeridade no orçamento. E o discurso da equipe econômica de Temer é justamente esse, defendendo corte de gastos, “doa a quem doer”. No entanto, apesar do discurso afinado, a prática tem sido bastante destoante, marcada pelo aumento de despesas na máquina pública, por intermédio de um “pacote de bondades“. Entre as várias medidas irresponsáveis, destacamos as duas de maior impacto:

  1. Temer sancionou aumentou salarial para o funcionalismo público federal, a elite dos servidores, que já possui remuneração média próxima aos 1% mais ricos do país. A conta disso é R$ 68 bilhões de reais, a ser paga, obviamente, pela iniciativa privada, que, diferentemente dos servidores, não tem estabilidade e já conta com 12 milhões de desempregados;
  2. renegociação da dívida dos estados por meio da renúncia fiscal, com um impacto de mais R$ 50 bilhões de reais.

É bem verdade que essas medidas foram tomadas quando se tratava de um governo interino, que precisava do apoio do Congresso, mas a ambiguidade do governo que ascendeu e sua busca por governabilidade nos custará muito caro.

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Não diminuiu os Gastos do BNDES

Já demonstramos que Dilma tinha uma política elitista por intermédio das alegadas boas intenções do BNDES. Muita gente defende a existência do Estado para garantir o mínimo existencial para a população mais vulnerável. Todavia, analisando o caso brasileiro, não é bem isso que acontece. Um levantamento realizado por Marcos Lisboa demonstrou que apenas 16,4% do orçamento brasileiro são destinados aos 45% mais pobres, ao passo que 83,6% das despesas são voltadas para os 55% mais ricos.

E o Governo Temer não mudou nada disso em sua proposta orçamentária para 2017: o montante disponibilizado para custear o chamado Bolsa-Empresário custará R$ 224 bilhões no próximo ano, um valor quase 8 vezes maior que o Bolsa Família, o dobro dos valores destinados à saúde, quase 7 vezes maior que a pasta educacional. Uma completa inversão de valores.

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O Governo falha na comunicação com a sociedade

Pesquisa apontou que apenas 4 em cada 10 brasileiros admitem ter ouvido falar sobre a PEC do Teto dos Gastos, a principal medida apontada pelo governo no ano para iniciar a retomada do crescimento. Considerando que ela determinará o orçamento brasileiro pelos próximos 10 anos, deveria ser melhor difundida e compreendida pela sociedade.

Ao mesmo tempo, a reforma do Ensino Médio foi proposta por meio de uma Medida Provisória, e não por Lei Federal, dificultando uma aprofundada discussão entre os educadores e estudantes, principais afetados com a medida. Desse modo, 46% – quase metade – dos jovens desconhecem essa proposta, que terá grande impacto sobre suas vidas.

Graças a esses problemas de comunicação, parte significativa da juventude que conhece tanto a PEC do Teto quanto a reforma do Ensino Médio as rejeita. Apesar de esta última representar mais liberdade para os estudantes, 35% dos jovens de 16 a 24 anos a desaprovam, mostrando claro descompasso entre o governo Temer e essa parcela da população.

Toda essa dificuldade de comunicação do governo é um empecilho a mais para a aprovação de pautas emergenciais, como a reforma previdenciária, pois o governo não consegue transmitir seu discurso de forma simples. Por exemplo: que ela é essencial para garantir a aposentadoria da próxima geração. Assim, não consegue superar o discurso da oposição de que se trata de “supressão de direitos” e não obtém aprovação da maioria da opinião pública, dificultando a aprovação no congresso.

Um governo que não dá o exemplo

Em que pese Temer afirmar querer “cortar na própria carne” do governo para promover o necessário ajuste fiscal, suas atitudes pessoais dizem o contrário. Os gastos corporativos sigilosos do governo federal, por exemplo, passaram de 9,4 milhões nos cinco primeiros meses do ano (com Dilma na Presidência) para 13 milhões nos cinco meses seguintes, um aumento de 40%. Salienta-se que essas despesas não possuem nenhum controle ou transparência.

Ainda que as cifras não sejam expressivas o suficiente para impactar as contas públicas, Temer transmite uma péssima mensagem para os brasileiros, que, por sua vez, estão tendo que gastar cada vez menos diante da recessão.

O polêmico veto nas empresas aéreas

O presidente declarou ser favorável à possibilidade de capitalização integral de estrangeiros no setor aéreo. A despeito disso, vetou a proposta quando poderia sancioná-la. As razões que o levaram a impedir que investidores estrangeiros tenham 100% do capital das companhias aéreas brasileiras gerou enorme estranhamento por parte de seus apoiadores. Sobre o caso, recomendamos nossa análise já publicada.

Ao final, ficou claro que o veto foi utilizado como barganha política com o Senado Federal em prol de maior governabilidade, favorecendo grupos notadamente envolvidos com interesses típicos de capitalismo de compadres.

A Política Externa

A área de política externa é sempre difícil de analisar a curto prazo, como pondera o cientista político e colunista deste Instituto, Raduan Meira. Mas o principal problema que se verifica até aqui acontece com todos os países que vivem crise econômica e institucional: o foco passa a ser interno, e ignora-se o ambiente internacional. Exemplo disso foi a ausência de Temer na assinatura do acordo de paz entre o governo de Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), um grande fracasso para a maior potência sul-americana.

Além disso, foram tomadas decisões que vão de encontro com a consolidação democrática e a inserção internacional do Brasil buscada desde os anos 90, como a decisão de não se candidatar à reeleição no Conselho de Direitos Humanos da ONU; (ii) a previsão de deixar 34 organizações internacionais; e (iii) a suspensão da negociação com UE sobre o recebimento de refugiados sírios, conforme já abordamos.

Ademais, José Serra, Chanceler escolhido por Temer, deu algumas declarações lamentáveis e cometeu erros banais, como dizer que chamar o Brasil de um país fechado economicamente era “folclore”, confundir-se ao incluir a Argentina nos Brics e afirmar que “a vitória de Trump seria um pesadelo“, deixando-o em saia-justa quando o empresário venceu as eleições americanas.

A nomeação de investigados da Lava-Jato

Com menos de 40 dias de governo interino, três ministros de Temer deixaram suas respectivas pastas por escândalos políticos: Henrique Eduardo Alves (Turismo), Romero Jucá (Planejamento) e Fabiano Silveira (Transparência). Os três foram substituídos de prontidão, mas trata-se da reflexão que todo torcedor faz quando um técnico escala mal o time e substitui o jogador no segundo tempo: ele deve ser vaiado por se equivocar na nomeação ou aplaudido por retificá-la?

Quando Dilma Rousseff demitiu quatro ministros envolvidos em casos de corrupção em seu primeiro mandato, ela tinha apoio de quase 60% da população e, em nosso entender, foi vergonhosamente elogiada por sua “faxina ética”, algo bem diferente da repercussão da opinião pública em relação a Temer, que tem seus índices de popularidade próximos ao recorde de desaprovação histórica. Certamente isso faz com que as más indicações de Temer repercutam mais negativamente entre a população. Em nosso entender, nomear como ministros políticos investigados, inclusive na Lava-Jato, foi um enorme equívoco político (e moral) de Michel Temer.

Conclusão:

Fica claro que o aumento dos níveis de confiança do empresariado e dos consumidores deve-se mais ao afastamento de Dilma Rousseff que às medidas tomadas por Temer. Por outro lado, sua enorme impopularidade está associada ao desemprego de dois dígitos que herdou de Dilma; com uma eventual recuperação econômica e a geração de empregos, ela tende a aumentar, mas, até lá, a governabilidade e a aprovação de pautas será bastante prejudicada.

Vale dizer que o estilo de Temer é mais pragmático que combativo, basta ver os vários casos em que o governo recuou após críticas de grupo de pressão, como no caso da extinção do Ministério da Cultura. O presidente tem se mostrado fraco, cedendo diante desses grupos de interesse, o que vai na contramão do ajuste e de seu discurso de sacrifícios.

Portanto, podemos afirmar que, assim como as medidas liberalizantes de FHC, as do governo Temer tomam forma e vigor muito mais por necessidade que por convicção ideológica. A despeito de uma equipe econômica formada por excelentes nomes, o governo tem patinado junto à opinião pública, em parte pela ‘herança maldita’, em parte por seus próprios equívocos e contradições.

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