Nota: A carta a seguir foi escrita em setembro de 2013 por Pedro Menezes, um dos editores deste Mercado Popular, sendo originalmente publicada no site da rede Estudantes pela Liberdade. Trata-se de uma carta aberta a Marcell Moraes, vereador de Salvador, que se orgulhava da sua produção em série de projetos de lei. Nesta época de eleições legislativas, com milhares candidatos prometendo mais e mais projetos de lei, julgamos que seria oportuno republicar a carta. Marcell é, novamente, candidato: agora a deputado estadual, também pelo PV da Bahia.
Por Pedro Menezes
Caro vereador Marcell Moraes,
Através desta carta eu gostaria de manifestar meu sincero incômodo com a produtividade de Vossa Excelência na criação de leis. Ainda mais incômodo é o orgulho com que ostentas a inacreditável marca de 300 projetos apresentados em apenas 9 meses de mandato, como se a verdadeira função de um legislador fosse a produção de leis em escala industrial. Absurdo que chega a escalas surrealistas em declarações como a que deste ao Portal Bahia Notícias, quando Vossa Excelência reconhece sua falta de preocupação quanto a qualidade do que propõe: não importa se os projetos são bons ou ruins, apenas que sejam empilhados em grande número.
Na minha modesta opinião, caro vereador, a cidade de Salvador não precisa de mais leis. Na verdade, nenhuma cidade do Brasil precisa disso. Pelo contrário. Seria muito mais honroso ter a marca de 300 leis revogadas, ainda mais se acompanhada de um protesto contra a mentalidade paternalista dos legisladores e funcionários públicos brasileiros, que entre 1988 e 2012, conseguiram alcançar a espantosa soma de 4,6 milhões de normas jurídicas criadas, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário.
Em um país historicamente marcado pelo excesso de regulação e intervenção estatal, uma marca como esta que o senhor propagandeia só pode ser vista como vergonhosa, sendo ela mesma uma evidência da arrogância das nossas autoridades, crentes de que a solução de todos os problemas pode vir através do carimbo estatal.
Enquanto soteropolitano , soa como um alento aos meus ouvidos a sua afirmação de que está “de passagem” pela Câmara de Vereadores de Salvador. Espero que ela demonstre a consciência de Vossa Excelência sobre as mazelas causadas pelo histórico patrimonialismo da classe política baiana e seja também uma evidência dos seus planos de sair da vida pública.
Confesso que o meu desconforto seria menor se alguns dos projetos apresentados pudesse, de alguma forma, melhorar a vida do soteropolitano médio. Infelizmente, este não é o caso.
Tomo como exemplo o Projeto de Lei do Executivo, número 427, de 2013, que pretende impedir a criação de empresas com nomes estrangeiros. Não pretendo comentar o absurdo moral implícito na ideia de que cabe aos políticos soteropolitanos a decisão sobre quais os nomes adequados para as empresas criadas no município, mas peço que ao menos leve em conta a altíssima taxa de desemprego da cidade, que atualmente ronda a escandalosa taxa de 19%.
Com um quinto da nossa população econômica ativa relegada ao desemprego, todo e qualquer projeto que desincentive a criação de empresas (e, consequentemente, de postos de trabalho), deve ser visto como um escárnio, uma piada de mal gosto que serve tão somente ao ego de políticos vaidosos, e não ao desenvolvimento da minha querida cidade natal.
Além do mais, não há mal algum na apropriação de nomes estrangeiros na linguagem local. Este é um fenômeno presente em toda e qualquer sociedade. Como exemplo, poderia citar o fato de que a língua inglesa tem no latim e no francês a origem de 60% de suas palavras.
É verdade que diversas empresas criadas na cidade de Salvador têm seu nome originado em palavras estrangeiras. E este também é o caso de palavras como vatapá, caruru, acarajé, axé, candomblé e carnaval, todas elas originadas em idiomas estrangeiros, e só depois associadas ao português.
O seu nome, caro vereador Marcell Moraes, vem do francês. Dada a minha sincera fé na sua real preocupação quanta à deturpação da nossa língua por palavras estrangeiras, sugiro que Vossa Excelência concorra nas próximas eleições com algum apelido vindo do português ou, dependendo de como esteja a sua afeição à origem do nosso idioma, do Tupi-Guarani.
Outro projeto que chamou a minha atenção foi a proibição do consumo de carne em restaurantes e bares durante as segundas-feiras. Não pretendo duvidar das suas boas intenções na tentativa de melhorar os hábitos alimentícios da população soteropolitana, mas temo que o efeito prático do seu projeto seja justamente o oposto.
Como Vossa Excelência deveria saber, Salvador é uma das capitais mais pobres do país, e a proibição do consumo de carne dificilmente levará os seus moradores a uma rotina de alimentação saudável, sendo muito mais provável que estes adotem uma dieta ainda mais danosa, repleta de gorduras e carboidratos simples, de alto índice glicêmico. Alimentos com essas características – como a farinha e massas – são mais baratos e, ao mesmo tempo, causam mais danos à saúde.
Além do mais, é importante lembrar que não cabe a Vossa Excelência, e nem a qualquer outro político, a decisão sobre quais devem ser os alimentos consumidos por adultos conscientes e responsáveis pelos seus atos. A tentativa de melhorar os hábitos alimentares e a qualidade de vida dos nossos conterrâneos é louvável, desde que a política não seja o meio escolhido para empreender essa cruzada. A ideia de que um político pode impor determinados hábitos a milhões de pessoas é, por si mesma, autoritária.
Caso a sua intenção seja de fato ajudar as pessoas a aprimorarem seus hábitos, sugiro que Vossa Excelência abandone o cargo de Vereador e monte uma ONG, atuando na sociedade civil para conscientizar as pessoas da importância de uma alimentação balanceada e, caso queira, livre do consumo de carnes. Não tenho dúvidas de que os grandes beneficiados com essa atitude seriam os nossos concidadãos soteropolitanos.
A sua notável produtividade na criação de leis me impede de comentar sobre cada um dos projetos, mas peço que Vossa Excelência leve a série o espírito desta carta aberta: os eleitores de Salvador não precisam de alguém que cuide deles como se fossem crianças, mas justamente do contrário.
A estabilidade jurídica e a simplificação das leis existentes são essenciais para o desenvolvimento da nossa cidade. Não cabe aos políticos decidir o que nós devemos comer, quais os nomes adequados para empresas criadas na cidade e nem qual a maneira adequada de comer sushi, para citar um outro projeto de sua autoria.
Como soteropolitano, gostaria de lembrar que o senhor não foi eleito para ser a babá da cidade, e nem para atrasar o desenvolvimento dela. E não digo isso por duvidar de suas boas intenções – muito pelo contrário. Pois ainda que as suas intenções sejam angelicais, caro vereador, lhe lembro que os grandes marcos do atraso e do autoritarismo sempre vieram de homens bem intencionados e que, cegos em sua missão de reformar o mundo de acordo com os seus planos, não viram quão absurdas e imorais eram as suas decisões.
Com respeito, envio esta carta para que perceba que não são os carimbos de uma autoridade que vão melhorar a situação calamitosa da cidade. Salvador precisa de menos carimbos, menos autoridades com vocação de babá. Salvador precisa de mais escolha. Salvador precisa de mais liberdade.
Pedro Menezes é estudante, editor deste site e um dos co-fundadores da rede Estudantes Pela Liberdade no Brasil. Nascido na Bahia e radicado em São Paulo, ele diz que se interessa por teoria política, história, economia e cinema, mas divide o seu tempo livre entre o Vasco e literatura de qualidade duvidosa. Ainda não tem candidato para deputado – estadual ou federal – em 2014, mas promete votar naquele que revogar a maior quantidade possível de projetos de lei.