Políticos gozam de muitos privilégios. Esta percepção já se tornou senso comum dos brasileiros, sendo o primeiro passo em direção à melhoria deste quadro de injustiça. Entretanto, outros passos precisam ser dados. Conhecer detalhadamente, apurar e então propor as alterações práticas que viabilizem a solução do problema é a obrigação de todos que desejam não apenas criticar, mas construir uma sociedade melhor. É dessa forma que a sociedade civil influencia e constrói políticas públicas externas ao Estado, para moderar os agentes públicos, e demanda suas execuções, num processo de input e output, que testa tanto a habilidade e organização da sociedade civil, como a capacidade responsiva do sistema político.
Um Deputado Federal recebe subsídio mensal de R$ 33.763,00. No entanto, os parlamentares ainda gozam de verba indenizatória de valor semelhante: a Cota para Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP). Essas verbas possuem grande protagonismo na concessão de privilégios a todos os agentes públicos brasileiros, uma vez que não estão sujeitas ao teto constitucional (atualmente em R$33.763,00).
Até 2009, os membros do Congresso Nacional recebiam: “verba indenizatória”, “cota de passagens aéreas” e “cota postal-telefônica”. Entretanto, com a instituição do Ato da Mesa 43/2009, elas foram substituídas pela CEAP. São 18 despesas atendidas, separadas em “subcotas”, sendo possível a classificação destas em dois grandes grupos: o primeiro de caráter logístico, e o segundo, informacional. Enquanto o primeiro “representa a disposição organizacional do parlamentar no desempenho de suas atividades”, o segundo “reflete a necessidade do parlamentar produzir informações a respeito do seu mandato”. A CEAP é limitada mensalmente e de acordo com a localidade do Deputado, isto é, um Deputado de Roraima terá um limite mensal diferente de outro do Rio de Janeiro.
Desde 2015 até o início de 2017 a CEAP já foi responsável por mais de 422 milhões de reais. Das dezoito subcotas, a campeã, “divulgação da atividade parlamentar”, foi responsável por quase 100 milhões. Em geral, as despesas nesta categoria de despesa são feitas na contratação de gráficas para impressão de folhetos, jornais, informativos do mandato parlamentar, além do aluguel de outdoors, produção de DVS’s, espaço em rádio e televisão, gestão de redes sociais, produção de vídeos, dentre outros serviços.
No gráfico abaixo comparamos os gastos na CEAP relativos ao ano de 2015 (em azul) e 2016 (em vermelho); e, nos gráficos seguintes, a concentração de despesas, por subcotas, nos mesmos anos.
Em ambos os gráficos percebemos uma predominância de despesas com “manutenção de escritório de apoio à atividade parlamentar” (1) – R$ 47.179.419,41 (11,17%) -, “consultorias, pesquisas e trabalhos técnicos” (4) – R$ 44.567.088,78 (10,55%) -, “divulgação da atividade parlamentar” (5) e “telefonia” (10) – R$ 23.971.360,61 (5,67%) -, despesas com transporte do parlamentar(TP) respondem por 44,32% da CEAP, e, juntas, correspondem a R$ 187.183.652,83. Além disso, é notável que, de um ano para outro, na maior parte dos gastos houve uma estagnação, enquanto que, em transportes, uma expansão de cerca de 13,5%.
São oito subcotas relacionadas ao transporte, a saber: Emissão de Bilhete Aéreo(999) – R$ 86.419.468,37 (46,17%); Locação ou Fretamento de Veículo Automotor (120) – R$ 51.092.519,19 (27,30%); Combustíveis e Lubrificantes(3) – R$ 36.107.753,18 (19,29%); Locação ou Fretamento de Aeronaves (119) – R$ 6.172.956,95 (3,30%); Passagens Aéreas (9) – R$ 5.398.835,38 (2,88%); Serviço de Táxi, Pedágio e Estacionamento (122) – R$ 1.743.209,87 (0,93%); Passagens Terrestres, Marítimas ou Fluviais (123) – R$ 183.983,26 (0,10%); e, Locação ou Fretamento de Embarcações (121) – R$ 64.926,63 (0,03%). Os gráficos 3.1 e 3.2 deixam evidente que os parlamentares se deslocam bastante pelo ar, tendo em vista que o dispêndio com transporte aéreo ultrapassa a metade do total, porém, também é alarmante o gasto com deslocamento terrestre, sobretudo com a locação de veículos automotores.
Em 2014, a CEAP alcançou o valor de R$ 195.548.976,05; em 2015, R$ 204.052.952,26 (crescimento de 4,35%); e, em 2016, R$ 218.272.737,15 (crescimento de 6,97%). Em 2015, o índice IPCA acumulou 10,67%, e, em 2016, 6,29%. Em 2015, a CEAP expandiu abaixo da inflação, porém superou-a no ano seguinte, mantendo uma média de crescimento no biênio de 5,65%. A diferença entre o valor gasto de fato, e o que teria sido gasto caso este houvesse sido corrigido pela inflação desde 2015, é de quase R$ 12.000.000,00, o que já indica, que os deputados podem sim economizar nessas despesas. As projeções do IPCA em 2017 e em 2018 estão, respectivamente, em 4,45% e 4,50%; em 2019 e 2020, a expectativa é de 4,50%. Como visto no gráfico 4.1, se apenas seguirmos a tendência de crescimento, a CEAP alcançará a espantosa quantia de R$ 262.292.710,62; ainda que apenas corrija-se pela inflação no período, a cota apenas será reduzida para cerca de R$ 2.000.000,00. Por outro lado, se congelássemos o gasto, impedindo inclusive crescimentos nominais, a diferença acumulada, sustentada pelo contribuinte, seria de mais de R$ 40.000.000,00.
Atualmente, a responsabilidade por atestar a legitimidade, a legalidade e o recebimento do material ou serviço é transferida ao próprio parlamentar por meio de requerimento padrão onde assume tais responsabilidades. O Congresso acaba se limitando à mera conferência contábil, sem análise do mérito dos gastos e da prestação de contas.
Este cenário leva, evidentemente, a todo tipo de irresponsabilidade, como a do deputado Benjamin Maranhão (SD-PB) que, em um único almoço, desembolsou R$ 1.500,00, isto é, um gasto em desacordo com a própria norma, uma vez que fica notório o uso para alimentação de terceiros e não apenas do próprio deputado. Felizmente a transparência e o acesso à informação, estabelecidos no Ato de Mesa, permitem um maior controle social da CEAP, e é nesse momento que nós, cidadãos, precisamos entrar em jogo.
Ter acesso a informações sobre o governo, principalmente sobre seus gastos, é essencial para participação democrática, confiança no próprio governo, prevenção à corrupção, entre outras vantagens sociais inalienáveis; inclusive, países que empregam maior transparência tendem a produzir e compartilhar ainda mais informações, o que gera um “ciclo virtuoso” com ganhos imensos para a sociedade.
Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU)[1]: “o controle social pode ser entendido como a participação na gestão pública, na fiscalização, no monitoramento e no controle das ações da Administração Pública. Trata-se de importante mecanismo de prevenção da corrupção e de fortalecimento da cidadania”. De acordo com o artigo acadêmico Using ICTs to create a culture of transparency: E-government and social media as openness and anti-corruption tools for societies, a transparência do governo geralmente ocorre: por iniciativa do próprio governo; entrega de informações quando requisitadas; comícios públicos e denúncias. Entretanto, todos os esforços para promover uma real abertura podem ser severamente danificados ou reduzidos pelo meio cultural do país.
É possível combater a corrupção por três meios: reforma administrativa; garantia do cumprimento das previsões legais; e, transformação social, “empoderando” os cidadãos permitindo a participação em reformas institucionais e cultivando uma sociedade civil baseada nas normas e na lei. Outros fatores também são importantes para redução da corrupção e da ineficiência como a desburocratização e a diminuição da participação pessoal do governo na alocação de recursos.
De fato, a internet diminuiu absurdamente os custos sobre transparência do governo; há poucos anos, ter qualquer dado que fosse, ainda que existente, requeria um certo custo material e, de qualquer modo, muito mais tempo do que atualmente. No Portal da Câmara dos Deputados é possível encontrar todas as informações detalhadas sobre os gastos dos Deputados. Ainda assim, navegar pelo portal fiscalizando as notas dos congressistas é, muitas vezes, um trabalho moroso e desagradável, o que certamente contribui para diminuir o interesse do cidadão em atuar na fiscalização. São ações voluntárias, como a “robô Rosie”, a rede “Observatório Social do Brasil”, a ONG “Contas Abertas”, dentre outras páginas e sites de mídias alternativas, que acabam colaborando para um avanço nessa área.
Desse modo, as redes sociais acabam cumprindo um excelente papel na comunicação governo-sociedade. Se a internet reduziu os custos, as redes sociais ampliaram as possibilidades: “em termos de anticorrupção, mídias sociais tem quatro forças potenciais: colaboração, participação, empoderamento e tempo”.
As Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC) têm grande potencial no combate à corrupção e diferentes pesquisas (citadas aqui e aqui) podem atestar que a transição de várias funções do governo para o meio eletrônico, bem como as diferentes iniciativas de transparência por parte do próprio governo, sobretudo online, reduzem significativamente a corrupção e a ineficiência. Não obstante, o sucesso de medidas dessa espécie e doutras estratégias de combate a corrupção e a ineficiência dependem de questões culturais, educacionais, etc., além da própria aceitação e interação das NTIC e políticas do gênero pelos cidadãos.
Seja como for, cidadãos e cidadãs do país estão se movimentando para aumentar a fiscalização sobre a atividade parlamentar, seja por meio de pesquisas acadêmicas ou redes sociais, pelas mídias alternativas ou pelas tradicionais, o controle social está cada vez mais ativo e protagonista em nossa sociedade. E é justamente esse tipo de movimentação que permitirá a continuação da construção de uma cidadania mais participativa e de uma sociedade mais livre. O trabalho, tão necessário, é árduo e ainda está começando, sendo essa uma batalha de todos e para todos.
[1] CGU. Controle Social: Orientações aos cidadãos para participação na gestão pública e exercício do controle social. Brasília: Controladoria-Geral da União: Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas, 2012, p. 16.