Hillary Clinton recebeu mais votos populares que Donald J. Trump nas eleições presidenciais de 2016. Entretanto, a regra do Colégio Eleitoral fez com que Trump fosse o vencedor da noite. Ele será o 45º Presidente dos Estados Unidos da América em 2017. Ele ganhou pelas regras do jogo. Entretanto, muitos são aqueles que se põe a criticar esse mesmo conjunto de regras — principalmente após a derrota eleitoral. Os apoiadores de Hillary Clinton dizem que o resultado não foi justo, já que ela foi a vencedora no quesito voto popular. Eles afirmam, ainda, que os EUA não serão uma democracia de fato, a menos que adotem o voto popular direto como a nova regra para a eleição presidencial.

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Se o argumento contra o Colégio Eleitoral é claro e direto – a suposta injustiça da possibilidade de não eleição do candidato com o maior número de votos -, qual seria o argumento a favor de tal sistema? De maneira geral, apenas um lado (o das críticas) tem espaço na mídia; o outro é majoritariamente ignorado.

Por que o Colégio Eleitoral?

A República Americana foi fundada com profundas preocupações: todo o poder deveria vir do povo; os estados deveriam manter sua autonomia; os cidadãos deveriam ser tratados igualmente; todo poder deveria ser limitado. James Madison, um dos pais fundadores, explica como a Constituição visa respeitar tais princípios no Federalist Paper número 39.

Para respeitar o direito dos estados e limitar o poder, há o federalismo e a divisão dos poderes em três. Para garantir que a América seja uma República, isto é, com o poder advindo do povo, todos os três poderes seriam formados diretamente ou indiretamente da participação popular.

No que se refere ao Congresso, a Casa dos Representantes, equivalente à Câmara dos Deputados, tem seus membros eleitos a cada dois anos diretamente pelo povo. Como a Casa representa o povo, cada estado tem um número de representantes proporcional a sua população. Por outro lado, o Senado representa os estados. Como os estados são tratados de forma igual pela Constituição, todos têm direito a dois representantes. É por isso que a Califórnia e o Texas, os estados com a maior população, têm o mesmo número de senadores que Vermont e Wyoming, os dois estados de menor população. Por representar os estados, e não o povo, os senadores não eram eleitos, mas nomeados pelos governos estaduais (algo que foi alterado pela 17ª emenda).

O presidente é eleito pelo Colégio Eleitoral, o qual é um modelo híbrido entre a vontade do povo e a vontade dos estados. Todo cidadão pode votar pelo candidato de sua escolha, mas a eleição não se da de forma única nacional, mas sim de 50 formas diferentes nos estados, mais uma no Distrito de Colúmbia. Os vencedores das eleições populares de cada estado podem escolher delegados para o colégio eleitoral, sendo que cada estado tem direito a um número de delegados igual à soma do número de representantes (deputados) com o número de senadores. Isso significa que, por um lado, o sistema é proporcional à população de cada estado visto que considera o número de representantes na Casa (Câmara). Por outro lado, como ao número total se soma o numero de senadores, igual para todos os estados, essa proporcionalidade é aliviada — ressaltando-se o aspecto federalista do sistema.

Por fim, a Constituição determina que os Juízes da Suprema Corte devem ser apontados pelo Presidente, com o aconselhamento e consentimento do Senado. Mesmo não havendo eleição para o Poder Judiciário, o princípio republicano se mantém pelo fato do Presidente ter sido eleito e o federalismo é protegido por haver necessidade da aprovação do nome pelo Senado.  

Assim, os três poderes formam um tênue equilíbrio entre a vontade popular representada pela Casa dos Representantes, a autonomia dos estados na figura do Senado, o Executivo que é eleito por um sistema misto, e a proteção da Constituição pelo Judiciário, representado por uma corte formada pela ponderação dos outros dois poderes (Legislativo e Executivo). A “democracia” americana nunca foi simplesmente sobre a vontade da maioria – como Madison explica no Federalist Paper numero 10.

Para entender a relevância do colégio eleitoral americano basta analisar as agendas dos candidatos a presidente no Brasil, que geralmente ficam poucas horas em estados com menos eleitores. Diferentemente, nos Estados Unidos cada estado importa, haja vista que uma diferença mínima de votos em alguns estados pode significa a perda de todos os delegados daquela unidade federativa para o adversário. Portanto, o sistema americano protege estados menores, fazendo com que todos importem.

A relação da eleição direta e da democracia

Alguns acusam o Colégio Eleitoral de não ser democrático o suficiente, ou até mesmo de ser antidemocrático, já que o presidente não é necessariamente aquele que recebe a maior quantidade de votos populares. Muitos desses críticos parecem se esquecer da forma com que a maior parte dos países europeus escolhem seus respectivos líderes. O Reino Unido, a Alemanha e a Suécia, para dar alguns exemplos, todos escolhem seus líderes sem se utilizar do método de eleição popular direta, isto é, eles não votam para escolher seus respectivos Primeiros Ministros. Esses países são menos democráticos? Por outro lado, a Venezuela tem um sistema de voto popular direto. Seria ela um exemplo de democracia a ser seguido?

Deve estar sempre claro o fato de haver muitos princípios tão ou mais importantes que simplesmente adotar a vontade da maioria como método de decisão para a escolha do Presidente. Ter fé na vontade da maioria não é uma boa estratégia para preservar as liberdades e direitos individuais, visto que aumenta significativamente as chances de se desbancar numa tirania, pois dá ao eleito a impressão de representar a “voz do povo” e a “voz do povo é a voz de Deus”, como acreditam alguns.

Ao buscar a proteção dos direitos individuais e dos estados, os pais fundadores criaram um sistema de freios e contrapesos (checks and balances) da Constituição. O Colégio Eleitoral não é mera coincidência. Ele é mais uma peça nesse quebra-cabeça constitucional que tem como principal objetivo a proteção da liberdade.

Democracia como a mera vontade da maioria tem sido amplamente superestimada. Não pela Constituição Americana, tampouco pelos fundadores dos Estados Unidos da América, mas pela elite de grandes cidades que agora busca motivos para explicar sua derrota e defende transformar os EUA em algo que ele foi criado para não ser, fazendo, nesse processo, do Colégio Eleitoral seu bode expiatório.

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