Muitos acreditam que Tiradentes rebelou-se contra a monarquia portuguesa por não desejar pagar o ‘quinto’’, imposto que retinha 20% do ouro mineiro para a Coroa. Não foi exatamente o que aconteceu. A verdadeira história de Tiradentes é mais complexa – e, não por acaso, em muito lembra a crise política que vivemos hoje.

A Inconfidência Mineira foi um levante separatista que teve Tiradentes como único integrante condenado à pena de morte. Minas Gerais, à época, era uma das regiões mais ricas do país, graças às minas de ouro que hoje dão nome ao estado. O que motivou a Inconfidência foi a decisão da Coroa Portuguesa em voltar a instaurar um mecanismo de arrecadação chamado de derrama.

A derrama não é exatamente um imposto, embora seu objetivo seja arrecadar dinheiro para o governo. Na prática, trata-se de um ajuste fiscal bizarro, feito ‘nas coxas’, sem qualquer organização. E essa é apenas a primeira semelhança entre a Inconfidência Mineira e a crise atual.

O principal imposto pago pelos mineiros era o já citado quinto. Apesar disso, nem sempre a Coroa Portuguesa conseguia arrecadar o esperado. Num mundo sem tecnologia, confiscar ouro no interior do Brasil e levá-lo até Portugal exigia uma imensa e ineficiente estrutura. Daí surgiu a derrama, ferramenta utilizada pelos portugueses para garantir a arrecadação esperada quando ela não vinha – por isso, trata-se de um ajuste bem parecido com o que o governo federal precisa (mas não consegue) fazer hoje.

O nome da ‘derrama’ não é por acaso. Na prática, tratava-se de uma cobrança ao que se chamava de “homens bons” – como o leitor deve imaginar, eram os homens ricos do estado, grupo que incluía desde grandes mineradores até os próprios coletores de impostos. Se a tributação do ouro não rendia o esperado, a Coroa cobrava uma taxa da nobreza mineira e até conseguir levar de volta à Europa o valor esperado, muitas vezes confiscando joias e bens pessoais para atingir a meta.

Não é difícil imaginar por que a “derrama” gerava revolta. O Marquês de Pombal, um dos políticos mais poderosos da história portuguesa, decidiu suspender a cobrança, com medo de que levasse a revoltas por toda a colônia. A suspensão foi improvisada e, na prática, o imposto deixou de ser cobrado e fingiu-se que ele não existia, mas na prática os valores “esquecidos” se acumulavam como dívida do governo de Minas com a Coroa Portuguesa, que aceitava a arrecadação abaixo do esperado. Mais uma semelhança com a crise atual: desde os tempos de Tiradentes, ninguém se importa em manter sustentáveis as contas do governo, especialmente se isso atrapalha as conveniências políticas.

No fim do século XVIII, o dinheiro voltou a ficar curto em Lisboa e a voltou a cobrar a derrama. O problema é que, à época, estouravam escândalos de corrupção na então Capitania das Minas Gerais – sim, mais uma semelhança com ‘nossa’ crise. Muitos dos tais “homens bons”, dispostos a evitar a volta da derrama, organizaram-se com outros setores da sociedade e decidiram conspirar pela separação de Minas, e assim surgiu a Inconfidência Mineira.

A combinação entre corrupção, improvisos autoritários e fraude fiscal une a Inconfidência ao impeachment de Dilma. A bagunça fiscal, particularmente, por aqui deu as caras ainda nos tempos de Colônia, e por aqui seguirá por longos anos. Nem a mais longa hiperinflação da história humana, ou a maior taxa de juros do mundo, foi suficiente para ensinar a importância da responsabilidade fiscal.

Ivan Lessa dizia que, a cada 15 anos, os brasileiros esquecem tudo o que aconteceu por aqui. Sem aprender com a história, os problemas serão sempre os mesmos. A lição dos inconfidente, mais de 200 anos atrás, segue útil aos dias de hoje: sempre que o dinheiro do governo fica curto, políticos tentarão dizer que tudo pode ser resolvido de forma fácil, simples, rápida e indolor; o discurso sempre é tentador, mas a conta invariavelmente chega sob a forma de tragédia.

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