“Isso não passa de mimimi”. “As feministas exageram, o Brasil não é machista”. “O feminismo não busca igualdade, mas privilégios”. “A desigualdade entre homem e mulher ficou no passado, hoje as coisas estão praticamente iguais.”
É provável que você já tenha se deparado com alguns desses clichês, ainda que escritos de maneira mais sutil. O único problema é que eles estão factualmente errados.
O movimento feminista não está sempre correto, dado que não se trata de um grupo homogêneo. Algumas de suas ações de fato merecem ser questionadas, como as recentes pixações na Catedral da Sé, marco histórico e arquitetônico de São Paulo. Isto não diminui em nada, por outro lado, a importância da causa defendida. Ainda mais no Brasil.
Quando olhamos os dados disponíveis sobre a desigualdade entre homens e mulheres, a conclusão é inevitável: elas têm menos oportunidades, são socialmente tratadas como seres naturalmente submissos e enfrentam mais dificuldades do que homens em praticamente todos os campos de convivência social. No Brasil, todos esses problemas aparecem em escala ainda mais preocupante do que no resto do “mundo ocidental”.
Nem todo mundo concorda com as afirmações acima, e é justamente por isso que os clichês sempre surgem. Foi pensando nisso que decidi reunir dados sobre três temas sempre presentes no discurso feminista: representação política, oportunidades profissionais e violência.
Embora alguns países de maioria cristã adotem práticas igualmente condenáveis, sociedades islâmicas geralmente são associadas ao machismo em sua forma mais pura e crua. E é justo que assim seja. Infelizmente, a prática religiosa da esmagadora maioria dos muçulmanos defende abertamente a submissão das mulheres, e isso se traduz em leis absurdas.
Na Arábia Saudita, por exemplo, mulheres são proibidas de dirigir e uma lei exige que elas tenham um homem como responsável legal, seja qual for sua idade. Quem trai o marido é condenada por adultério e até mesmo quem convive com um homem sem autorização do responsável legal pode ser condenada. As mulheres eram proibidas de disputar eleições até 2013, e ainda hoje as deputadas sauditas não podem sentar nas mesmas cadeiras que os homens, nem rezar no mesmo espaço e utilizam sistemas de comunicação igualmente segregados.
Atualmente, 20% dos assentos no parlamento saudita são ocupados por mulheres. Como esperado, o número está abaixo da média mundial, mas o espaço feminino no parlamento saudita é duas vezes maior que o do parlamento brasileiro, onde as mulheres ocupam apenas 9,9% do Congresso. O Brasil também está atrás do Iraque e Síria, países onde o Estado Islâmico ocupa território com aval de parte da população local, que simpatiza com o radicalismo mais abjeto. Também estamos atrás do Afeganistão, onde as mulheres até recentemente eram obrigadas a usar burqa. E isso para não falar da Jordânia, Líbia, Marrocos, Tunísia e Emirados Árabes.
Praticamente qualquer comparação internacional coloca o Brasil numa péssima situação. Em praticamente todos os outros países da América Latina, as mulheres ocupam mais espaço no parlamento. Aí estão inclusos países como Venezuela, Peru, Paraguai e Colômbia, que certamente não são bons exemplos para comparação nenhuma.
O fato é que o Brasil está entre os piores países do mundo quando falamos sobre o espaço político ocupado por mulheres.
As mulheres brasileiras não estão na política, como deve ter ficado claro acima. Dentre as 24 empresas brasileiras que aparecem entre as maiores do mundo segundo a revista Forbes, zero são presididas por mulheres. Dentre as maiores meios de comunicação do país, nenhum tem mulheres no comando da redação.
Mesmo quando olhamos para setores onde as mulheres costumam ter mais força, como a educação, a situação é desoladora. A principal universidade pública do país, a USP, já teve quase 30 reitores em sua história, mas apenas uma mulher. Na UFRJ, o número de reitores é parecido e o cargo nunca foi ocupado por uma mulher. Na UFMG, foram duas.
Há um lugar, porém, onde as mulheres estão no centro das decisões: a cozinha. Uma pesquisa de 2013 aponta que 98% das brasileiras afirmam que, além de trabalhar fora de casa, precisam realizar tarefas domésticas, como lavar roupa e cozinhar. Dentre elas, apenas 26% relata que tem alguma ajuda do marido. A pesquisa ainda desconsidera o grande, embora cada vez menor, grupo de mulheres que não trabalham fora e se dedicam apenas à atividade de “dona de casa”.
No grupo dos homens casados, a parcela dos que assumem limpar móveis, varrer a casa, cozinhar, lavar louça ou lavar/passar roupa não chega a 5% em nenhum dos casos. Apesar de praticamente não ajudarem nas tarefas domésticas, 89% dos homens consideram inaceitável que a mulher não cuide da casa. Os dados do IBGE apontam na mesma direção: mulheres gastam até quatro vezes mais tempo cuidando da casa, sem contar as horas destinadas aos filhos.
Sob o ponto de vista metodológico, o levantamento mais sério sobre a violência contra a mulher brasileira foi feito em 2001, sob coordenação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar dos 14 anos que se passaram desde então, a maioria das pesquisas recentes não é tão sólida quanto a da OMS.
Os resultados infelizmente são tão ruins quanto possível. Em 2001, 25 milhões de mulheres admitiram já terem sofrido agressões de seu parceiro. Esse era o caso de 1 dentre 4 brasileiras de zonas urbanas e 1 dentre 3 brasileiras de zonas rurais.
A pesquisa não pára por aí. De acordo com o levantamento da OMS, quase 10 milhões de brasileiras já foram sexualmente abusadas por um parceiro, o que era mais de 15% da população feminina na época.
Ressaltando: todos os dados acima referem-se apenas às agressões físicas ou sexuais de homens que já eram parceiros amorosos (namorado ou marido) antes do ato; e todos os percentuais tomam como base a quantidade total de mulheres no país e seriam maiores se desconsiderássemos crianças, por exemplo.
A mais brutal de todas as estatísticas provavelmente é a seguinte: na mesma pesquisa, 3,3 milhões de mulheres brasileiras declararam que perderam a virgindade num estupro. Uma agressão como essa, geralmente durante a infância ou adolescência, tem um impacto considerável na saúde mental de cada uma dessas mulheres.
Infelizmente, é provável que todos esses números sejam ainda maiores na realidade. A população brasileira cresceu quase 20% desde 2001 e esses crimes costumam ser subestimados, dado que muitas mulheres tem vergonha de admitir o que sofreram.
A pesquisa considera apenas as agressões cometidas um parceiro amoroso e, no caso do estupro durante a infância/adolescência, o criminoso quase sempre é um familiar. E aí mora o perigo: por conta dessas circunstâncias, é provável que as pesquisas sempre encontrem números ainda menores do que a realidade.
Se até os números subestimados são revoltantes, pouco nos resta além de lamentar. Há algo de errado – muito errado – com a situação das mulheres em nosso país.