Uma das principais pautas deste Mercado, presente em nosso motto, é o vergonhoso nível de desigualdade de renda no Brasil. Muitos tratam o assunto como desimportante, pois apenas o nível de pobreza importaria. Não é o caso deste instituto.

A desigualdade brasileira é causada por políticas públicas do presente e passado. Pesquisa de Marcelo Medeiros e Pedro Souza, publicada pelo IPEA, descobriu que o impacto do setor público na desigualdade é proporcionalmente maior que o do setor privado. Mesmo na parte da culpa que o estudo atribui ao setor privado, quase tudo é causado indiretamente por políticas estatais.

2017 foi um ano de debates importantes sobre algumas dessas políticas públicas. Com isso, alguns grandes amigos da desigualdade se revelaram. Parte em benefício próprio, outros em nome de uma ideologia que se desvirtua ao lidar com a prática.

Por todos esses motivos, reunimos nossa equipe ao fim de 2017 e fizemos a seguinte pergunta: quais foram os maiores promotores da desigualdade social no ano que passou? Os três primeiros colocados seguem abaixo, com as devidas justificativas para a premiação.

Terceiro colocado: PSOL

Motivo: pela defesa reiterada de privilégios para a elite do funcionalismo, incluindo um processo no STF para tornar inconstitucional a tributação maior de quem ganha mais

Segundo o já citado estudo do IPEA, o sistema de previdência dos servidores é responsável por 21% da desigualdade no Brasil. Em 2017, o PSOL se aliou às associações de servidores para evitar mudanças nesta máquina de injustiça social.

No debate sobre reforma da previdência, o partido focou seu combate na idade mínima de aposentadoria, justamente um dos pontos mais igualitários do projeto. Hoje, é notório entre os especialistas que a população mais pobre não se aposenta por tempo de contribuição. Para quem mais precisa, a regra de idade já vale. Mas o partido – e seus associados, como Guilherme Boulos – focou seus argumentos em combater a idade mínima.

Para este “prêmio”, o mais relevante foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade que o PSOL ajuizou no STF, contra uma tributação maior para servidores que ganham mais. O argumento foi curiosamente semelhante aos do Partido Republicano dos EUA, ao defender menos impostos para os mais ricos: seria um “imposto confiscatório”. O projeto aumentaria de 11% para 14% a alíquota de contribuição dos servidores mais ricos à previdência. O ministro Ricardo Lewandowski concordou com o pedido do PSOL – que, afinal, beneficiava o próprio Lewandowski.

Adicionando insulto à injúria, o deputado Jean Wyllys se justificou dizendo que quem ganha 27 mil reais – salário que garante a presença entre o 1% mais rico do país – não é “realmente rico”. O foco, para ele, deveria estar nos ricos de verdade, como grandes empresários.

O problema é que se trata de uma conta impossível de fechar. Se estes não são “realmente ricos”, não há ricos suficientes para bancar políticas redistributivas no Brasil. Caso 100% da renda dos 0.01% mais ricos (os “realmente ricos” no mundo de Jean) fosse confiscada, mal daria para cobrir o déficit da previdência. E isso na improvável hipótese dos super-ricos continuarem produzindo o mesmo sem ficar com nada para si.

Não é surpreendente para observadores atentos.

O PSOL tem em sua base boa parte das associações de servidores que se beneficiam com a medida. O discurso do partido jura combater a desigualdade, assim como o discurso de todos os partidos brasileiros. 

Como frequentemente acontece com quem defende interesses privilegiados, a retórica do PSOL não pára em pé caso façamos as contas subjacentes. Mas o moralismo e a defesa dos interesses está lá, travestido de interesse público. Qualquer semelhança com práticas da FIESP não é mera coincidência.

A política, assim como a vida, não é feita de intenções. E, na prática, o PSOL liderou a promoção da desigualdade social em 2017.

Segundo colocado: Paulo Rabello de Castro, presidente do BNDES

Motivo: Por reverter parte das reformas do BNDES, iniciadas por Maria Silvia Bastos

Antes de ser indicado por Temer à presidência do BNDES, Paulo Rabello de Castro ganhou notoriedade na sociedade civil pelo Projeto Atlântico. Atuando em favelas do Rio de Janeiro, o projeto buscava dar títulos de propriedade às casas não reconhecidas pelo Estado. Com um histórico de empoderamento dos mais pobres, sua chegada ao BNDES causou otimismo em alguns. Durou pouco.

O BNDES é uma jabuticaba. Regras recentes permitiam que o banco se financiasse furando a fila do orçamento. O Bolsa Família era discutido no Congresso, disputando espaço na luta política, mas os empréstimos ao BNDES tinham passe livre.

Como resultado, a expansão do banco em anos recentes custou ao contribuinte brasileiro entre 300 e 400 bilhões de reais em valor presente. É mais do que o Plano Marshall, ajuda americana que reconstruiu a Europa após a II Guerra Mundial. Também é mais do que o plano de infra-estrutura de Donald Trump, uma das principais promessas de campanha. Nem o todo-poderoso Estados Unidos era tão generoso ao dar empréstimos baratos a empresário.

Os subsídios do BNDES e análogos também estão entre as principais causas da desigualdade, segundo o já citado estudo de Medeiros e Souza. Nada disso foi suficiente para que Rabello de Castro seguisse com as reformas de sua antecessora, Maria Sílvia Bastos.

Tudo ocorreu de modo conveniente ao presidente. Com a denúncia de Joesley Batista e a diminuição do capital político de Temer, começou a fritura de Maria Sílvia no cargo. Parte do empresariado brasileiro, especialmente aquela acostumada a viver sob as asas do poder, passou a pressionar por mudanças no banco. Temer, cada vez mais fraco, cedeu.

O primeiro ato de Paulo Rabello de Castro foi manifestar-se contra a TLP, que retirou do BNDES o passe livre no orçamento. Nesse combate, teve aliados como José Serra e a FIESP. Como consequência, dois diretores de perfil técnico renunciaram ao cargo. Por pressão do Ministério da Fazenda, a medida foi aprovada.

Rabello de Castro não parou por aí. Durante o mandato, se recusou a devolver 130 bilhões de reais ao Tesouro Nacional – ou seja, o contribuinte -, ignorando a vontade do controlador do banco. Esse processo foi facilitado novamente pela leniência de Temer, que aceitou a medida. Se a medida poderia ser justificada por empréstimos com alto retorno social, o fato é que Rabello de Castro não parece interessado em usar o dinheiro do BNDES do modo mais eficiente possível. A notícia abaixo, da revista Veja, deixa poucas dúvidas.

Em 2018, Paulo Rabello de Castro será candidato à presidência pelo PSC. Sua campanha, aparentemente, começou entre os funcionários do banco. Ele tentará se vender como um candidato liberal, mas seu histórico no BNDES depõe contra o discurso. Assim como no caso do PSOL, a retórica se enfraquece diante da prática.

Na hora de diminuir as transferências do Estado para empresários bem relacionados, o liberalismo de Rabello sumiu. Por isso, nossa equipe o elegeu como segundo melhor amigo da desigualdade em 2017.

Primeiro colocado: ANFIP, associação de auditores da Receita Federal

Motivo: Inventar que “não existe déficit na previdência” para manter os próprios privilégios, dentre outras campanhas de desinformação

Foram 27 mil compartilhamentos no facebook em um vídeo na semana passada. Um estúdio bem decorado, com ares globais, apresentava “uma das maiores especialista em dívida pública do mundo”.

A especialista em questão jamais publicou nos melhores periódicos da área. Nas melhores universidades do mundo, sua obra não é citada em bibliografias. Ainda assim, o discurso aterrorizante e a apresentação cheia de pompa fazem de Maria Lucia Fattorelli um viral instantâneo.

Como liderança da ANFIP, a auditora aposentada lidera há anos diversas campanhas de desinformação.

Antes de 2017, a mais famosa apontava que quase metade do orçamento ia para o pagamento de juros. Se você buscar por “orçamento federal” no Google Imagens, quase todos os resultados vieram da matemágica de Fattorelli e sua ANFIP. A afirmação é injustificável do ponto de vista técnico, mas serve aos objetivos da associação: defender o interesse dos auditores da Receita, cujos privilégios garantem um espaço entre o 1% mais rico do país.

O ano de 2017 representou o auge desta estratégia. Nenhuma outra informação produzida pela ANFIP teve tanto destaque quanto a suposta inexistência de um déficit na previdência. Outros textos, inclusive deste Mercado, já explicaram como a ANFIP distorce os números em interesse próprio.

O resultado da previdência é historicamente calculado – no Brasil, no exterior e em publicações acadêmicas nos melhores periódicos – de modo simples: as contribuições à previdência entram somando; os pagamentos da previdência entram subtraindo. O significado do número é claro: trata-se de uma medida da sustentabilidade financeira da previdência.

A ANFIP, então, utilizou conceitos que nada tem a ver com a sustentabilidade da previdência para criar um número sem significado prático. Assim, vende a ideia de que a insustentabilidade da previdência é matéria de opinião, ou de política, ao invés de uma gritante conclusão técnica.

Novamente, não é surpreendente. Os filiados à ANFIP são beneficiários diretos do atual sistema de previdência. A insustentabilidade, em grande se parte, se deve ao fato deles receberem mais do que contribuíram. Um dos fatores que a associação retira do cálculo é justamente a aposentadoria de funcionários públicos, responsável por metade do déficit.

A imagem abaixo explica o cálculo da ANFIP.

Com o debate público brasileiro jogado às traças, poucos órgãos de imprensa se incomodaram em informar o óbvio ao leitor: o cálculo da ANFIP deriva do seu interesse em manter privilégios e continuar no topo da pirâmide social brasileira, financiado pelos mais pobres. O apoio de partidos como PSOL e PT, supostamente interessados na justiça social, agravou o problema. Não se informou, por exemplo, que a conta não incluía os benefícios que vão para os filiados da ANFIP, servidores públicos federais.

Com essa eficiente máquina de desinformação, era difícil eleger outro grupo como campeão da desigualdade social em 2017.

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