Ao ler o noticiário econômico, muitos economistas se sentem como climatologistas em blogs de direita. Assim como estes não tem qualquer respeito pela boa análise de dados ao tratar sobre mudanças climáticas, a grande imprensa parece disposta a publicar qualquer coisa que renda cliques. Ontem, mais um exemplo do péssimo jornalismo econômico brasileiro ganhou as redes sociais.
Veja esta chamada de O Globo, por exemplo:
Os dados divulgados são do CAGED, um cadastro do Ministério do Trabalho que reúne todos os empregos com carteira assinada do país. Na Folha de São Paulo, a manchete foi “Brasil fecha 12,3 mil vagas formais no mês de entrada em vigor da reforma”.
O uso do “urgente” é bastante curioso. A divulgação dos dados do CAGED ocorre mensalmente, há anos. Se os critérios forem simplesmente jornalísticos, não há motivos para tratar como excepcional o que estava num cronograma. Afinal, alguém lembra de outra divulgação de indicadores econômicos com tamanho destaque?
Antes de me alongar numa explicação sobre a relevância dos números em si, vale a pena cogitar alguns motivos extra-jornalísticos para que O Globo faça isso. A tradicional falta de notícias ao fim do ano, por exemplo. Ou a capacidade da notícia de gerar ansiedade por razões políticas, um dos principais fatores que influenciam a viralização de conteúdo na internet, segundo quem estuda o tema.
Indo direto ao assunto: afinal, por que a divulgação da notícia desta forma desinformou a população? Por que é um exemplo de jornalismo caça-cliques?
Em São Paulo, janeiro é mais quente do que julho. Todos sabem o motivo: o verão é mais quente do que o inverno. De maneira análoga, vendas de espumante são maiores em dezembro, vendas de material escolar são maiores no início do ano e o mês de novembro tem resultado pior na geração de empregos. Sim, o mesmo motivo que faz janeiro ser mais quente que julho também leva o desempenho do mercado de trabalho em novembro a resultados piores.
Desde o início da série coletada pelo CAGED, novembro sempre foi um dos 4 piores meses na geração de empregos formais. Em 2017 – assim como em 2013 e 2014, por exemplo – foi o terceiro pior mês, com os 12 mil empregos formais a menos que aparecem na manchete.
Existem vários motivos que levam a este resultado, que variam de acordo com o setor da economia. Para a indústria, por exemplo, novembro é o mês no qual a produção adicional para o natal termina, e por isso os trabalhadores contratados para este fim são demitidos.
Sendo assim, usar o número para qualquer fim analítico se assemelha a relacionar a diferença de temperatura entre janeiro e julho com aquecimento global. Ou a decidir se abrir uma livraria é bom investimento com base no aumento das vendas entre setembro e janeiro. Tudo isso faz tanto sentido quanto associar, numa manchete, os números do CAGED num mês isolado à reforma trabalhista.
Em qualquer curso de graduação, economistas aprendem métodos estatísticos para analisar dados controlando esse problema, conhecido como sazonalidade.
O mais simples consiste em analisar o indicador acumulado em 12 meses. Nesse caso, podemos comparar a criação de empregos entre novembro de 2016 e outubro de 2017 com os mesmos dados entre dezembro de 2016 e novembro de 2017. Cada mês do ano estaria nos dois períodos analisados. A única diferença é que um inclui novembro de 2016, e o outro inclui novembro de 2017. Assim, é possível retirar a parte sazonal da variação.
Outro método seria através de uma dessazonalização, procedimento também conhecido como ajuste sazonal. Se existirem dados suficientes, é possível criar um modelo estatístico que isola o componente sazonal da série – aquele que depende das particularidades do mês e é negativo em novembro. Retirando a sazonalidade, é possível identificar para onde aponta a tendência do mês em questão.
De acordo com o primeiro método, o resultado divulgado em novembro representou uma melhora. O valor acumulado em 12 meses aumentou em mais de 100 mil empregos, principalmente pelo péssimo desempenho em novembro de 2016.
De acordo com o segundo método, o resultado de novembro também representou uma melhora. Conforme o ajuste sazonal realizado pelo economista Gesner Oliveira, da FGV-SP, a melhora foi de 10,8 mil empregos quando retiramos da conta o componente sazonal.
As estimativas da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda chegam a um resultado similar. Feito o ajuste sazonal, resultado do CAGED de novembro foi um dos melhores do ano.
Ou seja, a piora no mercado de trabalho anunciado pela grande imprensa foi, na prática, uma melhora. Para essa conclusão, não é necessária qualquer opinião ou ideologia, apenas métodos simples que qualquer economista aprende na graduação.
A divulgação de 12 mil empregos formais a menos gerou, por indução de quem escreveu as manchetes na grande imprensa, uma chuva de críticas à reforma trabalhista. Agora, sabendo que o resultado dessazonalizado foi positivo, podemos comemorar o sucesso da reforma? Certamente não.
Em economia, identificar relações de causa e efeito é dificílimo. Certamente não é possível fazer isso com um dado mensal isolado, ainda mais sendo o primeiro após a reforma. Para que isso acontecesse, seria necessária uma máquina do tempo para voltar à data de votação no Congresso, além da simulação de centenas de universos paralelos – alguns com reforma, outros sem. Como isso é obviamente impossível, resta ao economista alguns métodos estatísticos que só poderão ser utilizados no longo prazo.
A dificuldade não é só metodológica. Interações entre o texto da reforma e as instituições brasileiras também contam na hora de analisar o resultado.
Imagine uma reforma que você considera muito boa – pode não ser a trabalhista, mas qualquer outra. Seu impacto no mundo real só vai se dar no longo prazo, seja qual for a medida aprovada.
Talvez os tribunais julguem os primeiros casos de forma contraditória e isso gere incerteza jurídica, pois ninguém sabe como interpretar as novas leis. Talvez alguns juízes criem jurisprudências que interpretam o texto da reforma de modo contrário ao original. São muitas as interações institucionais que podem mudar esse resultado no curto prazo.
Isso não significa que é impossível avaliar os resultados da reforma trabalhista. No futuro, pesquisadores certamente reunirão uma grande quantidade de dados e, com boas ferramentas estatísticas, chegarão a conclusões razoáveis. Eles submeterão a análise a um periódico, que vai revisar e publicar o trabalho se julgarem adequado. É exatamente esse processo que diferencia pesquisa séria e palpite ideológico.
Até lá, temos duas opções.
A primeira é aguardar e entender que dados como o do CAGED em novembro, num prazo tão curto, não permitem qualquer conclusão sobre a reforma.
A segunda opção foi praticada incessantemente nas redes sociais desde a divulgação: ignorar qualquer cautela e partir para discursos inflamados. Certamente não é a melhor para quem leva a sério o bem estar do trabalhador brasileiro. Por outro lado, é a melhor para quem quer apenas alimentar a própria vaidade e gritar ao mundo que está certo quando o assunto é política, especialmente para quem não se importa em ser manipulado por manchetes caça-cliques da grande imprensa..
Cabe ao leitor escolher qual postura adotar.