Escrevo este (curto) texto como um desagravo aos brasileiros lavam privadas nos Estados Unidos, vilipendiados por alguns militantes em manifestações a favor do governo nessa última semana. O texto é uma mistura de relatos pessoais (que considero quase antropológicos) e informações que conheço de leituras acadêmicas.
Faz mais ou menos três anos que eu me tornei mais um imigrante latino que vem tentar a sorte na América do Norte. Claro, caro leitor, eu sou um imigrante privilegiado. Não pulei a absurda cerca que segrega o México dos EUA, mas pude mudar para cá porque tive a sorte de conseguir uma bolsa de estudos – e acabei ficando. Contudo, tive a oportunidade de conhecer muita gente que está aqui “ilegalmente” [1] há 10, 20, 30 anos. Muitos deles (muitos mesmos!) tem como sua ocupação exatamente fazer faxinas – o que inclui lavar privadas.
São pessoas que chegaram aqui sem falar a língua, sem nenhum dinheiro no bolso e sem conhecer quase ninguém e que com base em seu trabalho e perseverança conseguiram atingir um bom nível de bem estar para eles mesmos e suas famílias. Por fruto de muito trabalho (muito mesmo!). Esses brasileiros são tão determinados a conseguir dar uma vida melhor para suas famílias que por vezes trabalham 72 horas por semana – ou mais! Eu conheci muitas pessoas que limpam privada nos EUA (muitos dos quais mal terminaram o segundo grau) que vivem em casas de 500 m2 e dirigem uma Toyota Hilux [2]. Acabam, portanto, tendo um nível de vida que nunca teriam se ficassem em sua terra natal, tendo só um diploma secundário (ou nem isso).
A obsessão deles é trabalhar e prosperar. Ao contrário do que a direita americana faz parecer em seu discurso político, imigrantes com baixa qualificação não são pessoas que exploram o sistema de bem estar social, evitando trabalhar. Eles usam menos o sistema de saúde pública (66% menos que nativos) e também são menos suscetíveis a precisar do bolsa família americano (37% menos que nativos). Querendo trabalhar e limpando privada nos EUA, esses imigrantes ganham mais ou menos de 80 a 120 dólares (cerca de 260 a 340 reais) por limpeza, que em geral duram menos de três horas. Quantos empregos você conhece no Brasil que pagam de 87 a 113 reais por hora para alguém que não tem ensino superior?
Emigrar de sua terra de origem é sempre uma decisão muito difícil. Você tem que ter a determinação de abandonar tudo que lhe é familiar (seus amigos, sua culinária, sua cultura, sua língua) e se aventurar em algo que é novo e desconhecido em busca de um objetivo. Seria muito mais fácil e cômodo se quem emigra pudesse ter tudo que pode em seu local de origem.
Quem vai lavar privada em Miami (ou Nova Iorque, Atlanta, Boston, etc.), o faz porque não poderia alcançar seus sonhos onde nasceu e por isso prefere correr o altíssimo risco de fracassar no estrangeiro e o altíssimo preço de ter que trabalhar em profissões denegridas por seus compatriotas. Eles foram, de certa forma, repelidos pela ausência de oportunidades que não encontraram no Brasil, seja por causa de sua falta de dinamismo econômico, por sua organização social estamental ou pelo modelo de privilégios políticos que favorece os amigos do rei ao invés dos pequenos empreendedores. Melhor seria se eles pudessem alcançar seus sonhos em sua terra, onde há palmeiras e onde canta o sabiá.
O fazem porque não tem os privilégios nativos de quem deles zomba e critica. Porque quem zomba de quem vai lavar privada em Miami provavelmente nunca teve que lavar a própria privada.
Notas de pé de página:
[1] Escrevo “ilegalmente” entre aspas porque considero o direito de cruzar as linhas imaginárias que chamamos de países como mais um direito humano constantemente desrespeitado pelo uso da violência política.
[2] Uma boa parte dos que conheço mora em Marietta, Geórgia – uma das maiores colônias de brasileiros nos EUA – e é originária de Goiás, o que explica a preferência por uma Hilux como sonho de consumo 🙂