Embora tenha se transformado em um dos economistas mais influentes do mundo falando de macroeconomia e desigualdade no The New York Times, Paul Krugman ganhou um Prêmio Nobel por seu trabalho em outro campo de estudo: o comércio internacional. Graças a suas intervenções apaixonadas no debate público americano, Krugman se transformou no intelectual favorito da esquerda americana e dono de um dos espaços mais lidos da imprensa mundial. Em sua coluna e blog, ele não esconde simpatias progressistas que vão de John Maynard Keynes, frequentemente citado como sua grande referência intelectual, ao partido grego SYRIZA (em português, Coalizão da Esquerda Radical).

Ironicamente, poucos conhecem a posição d0 Krugman-pesquisador, que revolucionou a compreensão dos economistas sobre as trocas de bens e serviços entre países. No assunto em que é especialista, Krugman é favorável ao livre comércio entre países e simpático à globalização. O PT dos anos 90 se esgoelava contra a ALCA e Dilma colocou o pé no acelerador do protecionismo em seu primeiro mandato. Krugman certamente diria que a aproximação comercial entre Brasil e Estados Unidos é uma ótima ideia.

Não se trata apenas de uma política que ele defende como melhor para os Estados Unidos, mas justamente o contrário: ele acha que a abertura econômica seria benéfica para países como o Brasil, especialmente para quem é pobre em países como o Brasil. Na semana passada, em entrevista para a revista EXAME sobre a crise brasileira, Krugman disse que “a saída da crise seria bem mais fácil se o Brasil fosse uma economia mais aberta. O comércio internacional é uma boa coisa. E o Brasil paga um preço por ser tão fechado.”

A posição pró-globalização colocaria Krugman como um ‘neoliberal de extrema-direita’ no espectro político brasileiro. Seu progressismo é claro na defesa de causas como a redistribuição de renda através do Estado, aquecimento global e regulação pesada do mercado financeiro – mas das posições mais progressistas de um intelectual razoavelmente radical da esquerda americana, é difícil lembrar de uma que estivesse ausente do programa de governo de Marina Silva nas eleições do ano passado; e muito fácil de lembrar vários que constavam nos programas e discursos de Aécio Neves.

Quando o assunto é economia, Krugman está à direita de Marina e Aécio em muitos pontos. Com frequência, ele reafirma as inúmeras qualidades da economia de mercado. Mesmo na esquerda americana, não é difícil ver muitos candidatos ainda à direita de . Um exemplo é Bill Clinton, o amigo pessoal de FHC que comandou um período de austeridade fiscal e aproximação comercial com o resto do mundo em níveis que jamais seriam imaginados para o Brasil. Ou Obama, um negro vindo dos movimentos comunitários em Illinois, com um trajetória de progressismo rara na Congresso americano, cujos conselheiros indicaram para o cargo de presidente do Federal Reserve (órgão equivalente ao nosso ‘Banco Central’, conhecido como Fed) o economista Armínio Fraga, um brasileiro com cidadania americana que foi anunciado por Aécio Neves como seu futuro ministro da Fazenda caso ele vencesse as eleições.


 

Piketty ao lado de Pablo Iglesias, político do Podemos, partido de esquerda da Espanha.


 

Ben Bernanke, presidente anterior do Fed, é outro economista identificado com a esquerda americana que, no Brasil, se transformaria em neoliberal radical. Quanto a isso, basta dizer que em um evento público, Bernanke pediu desculpas públicas e reconheceu a razão do icônico Milton Friedman, segundo quem a Crise de 1929 foi causada principalmente por erros de política econômica do governo, mais especificamente do Federal Reserve que Bernanke então presidia. Embora grande parte dos especialistas no assunto também reconheça alguma razão na tese de Friedman, ela jamais ganhou os prestígio dos livros de história brasileiros e é ignorada por quase toda a nossa academia. Parte desta certamente terá espasmos quando ouvir falar sobre análises históricas sérias que não consideram a Grande Depressão dos anos 30 como uma crise de mercado.

Nenhuma liderança da esquerda brasileira – e, via de regra, nem da direita – tem uma posição minimamente próxima a Krugman, Bernanke, Clinton ou Obama quando o assunto é economia. Talvez se diga que são todos uns vendidos para a CIA ou interessados na manutenção da dominação americana. Ou que errados estão eles, os americanos, por serem direitistas demais.

Mas e o caso do francês Thomas Piketty? Este dificilmente pode ser classificado como um moderado. Recentemente, foi anunciado até mesmo como o assessor econômico do Podemos, partido de esquerda espanhol, aliado ao PSOL e simpatizante do finado Hugo Chávez, quando este era vivo. Piketty é também o autor do polêmico livro ‘O Capital no Século XXI’. Seus pais eram líderes do movimento estudantil em maio de 1968 e ele escreveu para diversas publicações da esquerda francesa. Piketty é, sem dúvida alguma, um economista de esquerda, e razoavelmente radical. Ainda assim, muitas de suas visões seriam estranhas a quase todos os políticos do nosso país.

Quantos políticos de direita teriam coragem para defender que o Brasil ‘precisa de mercado e também de poder público que tome decisões que permitam a cada um de se beneficiar da globalização e dos mercados’, como fez Piketty em entrevista para a Folha? Ao Financial Times, ele foi além e disse que acredita ‘no capitalismo, na propriedade privada e no mercado’. Se uma figura pública uma disser algo assim no Brasil, quanto tempo demoraria até que ficasse eternamente marcado como um radical defensor do ‘neoliberalismo’?

Qual presidente brasileiro dos últimos 100 anos seria capaz de concordar com os economistas de esquerda mais influentes do mundo? À direita, é difícil achar. Os generais do regime militar, por exemplo, eram notavelmente intervencionistas, protecionistas e contrários à economia de mercado. O papel indutor do Estado sempre foi visto por nossos políticos como peça central para o desenvolvimento brasileiro.

Roberto Campos, o solitário congressista pró-mercado no Brasil dos anos 90, passou a carreira inteira conhecido como Bob Fields justamente por defender a mesma globalização e a mesma economia de mercado. Campos logo ganhou um apelido em inglês, para que ficasse claro que ali estava um defensor de causas anti-patrióticas, amplamente condenado pela esquerda, pelos militares, pela FIESP e por todos os outros grupos que já tiveram qualquer poder político até então.

Não à toa, o Brasil segue como um dos países mais fechados ao comércio internacional e com menor liberdade econômica do mundo. Ainda assim, pasmem, vivemos hoje um dos períodos históricos mais pró-mercado das últimas muitas décadas de história nacional, graças às reformas que se seguiram do início do Governo FHC ao início do governo Lula.

O debate econômico é atrasado no Brasil, muito por conta de uma esquerda que não se desgarra de ideias que já foram descartadas por quase todas as vozes respeitadas no debate econômico em todas as democracias saudáveis e estáveis ao redor mundo, inclusive por serem prejudiciais aos mais pobres. Tanto nos Estados Unidos quanto na França, grupos de esquerda tem voz no debate público, mas as ideias que defendem não são muito parecidas com as que se ouve no Brasil. A rejeição apriorística da economia de mercado, quase sempre tratada como ferramenta de enriquecimentos dos ricos, segue como parte integrante do discurso da esquerda brasileira – e, de certa forma, da direita também.

Pouquíssima coisa faz sentido num ambiente como esse, mas a completa confusão pode, ao menos, ter um efeito cômico. Ao rejeitar qualquer perspectiva moderna sobre as velhas ideias, a esquerda acaba se unindo a uma larga tradição reacionária do Brasil. Quando converso sobre o assunto com amigos que simpatizam com o PSOL, dificilmente resisto em lembrar a difícil verdade que muitos deles ignoram: quase todas as bandeiras econômicas do partido mais à esquerda do Congresso Nacional (como planificação da economia e calote na dívida externa) já foram adotadas por um mesmo presidente brasileiro; o nome dele é José Sarney.

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