Parece persistir uma pós-verdade no debate sobre educação no Brasil: a de que precisamos aumentar o gasto em educação para haver melhoria da qualidade. Se cristalizou em uma porção sensível dos envolvidos na área a ideia, de certa forma intuitiva, de que existe uma relação direta e forte entre gasto em educação e resultados dos alunos. Embora essa relação pareça ser clara, os achados em estudos empíricos apontam que, pelo contrário, não existe relação direta entre gasto por aluno e resultados. Para mostrar isso, vamos analisar o que os dados dizem, a começar pelo Brasil, usando o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Vale o aviso: notas são métodos válidos de auferir a qualidade da educação em nível agregado. Embora possam não ser a medida ideal ou mais precisa para medir a performance individual de um aluno, ao agregar as notas dos milhares de alunos que participam das avaliações padronizadas, os erros tendem a se anular. Dessa forma, os indicadores retirados de avaliações padronizadas nos fornecem um retrato com confortável grau de precisão do sistema educacional que estão avaliando.
Criado em 2007 para ser a ferramenta avaliativa da educação básica brasileira, o Ideb é calculado a partir das notas de alunos na Prova Brasil, uma avaliação padronizada e ponderada pela taxa de aprovação. Ele reflete, de maneira simples e objetiva, o quanto estamos retendo alunos na escola e em que medida sua presença lhes confere aprendizados novos.
Como podemos ver, apesar da diminuição de gastos com o ensino fundamental, a qualidade tem apresentado melhoras. Enquanto isso, a qualidade do Ensino Médio se mantém estagnada apesar dos aumentos dos gastos nesse nível educacional. Portanto, o tamanho do financiamento não parece ser determinante para a qualidade.
Para confirmar que isto não se deu devido a alguma peculiaridade brasileira, podemos conferir os resultados de vários países em avaliações padronizadas, como o Programa Internacional para Avaliação de Alunos (PISA). Aplicado desde 2000 em vários países pela OCDE, o PISA é uma ferramenta valiosa para avaliar que tipo de políticas realmente rendem melhoras educacionais.
O Brasil é um dos países com as piores notas no PISA, apesar de ser um dos que mais gasta com educação do mundo. Para tanto, um argumento sensato que daí se tira é de que é preciso ponderar a despesa por aluno. Daremos uma resposta de maneira mais ampla para o que se questiona, a fim de não deixar dúvidas. Além de avaliar o gasto por aluno, vamos também ponderar essa variável pela renda per capita dos países avaliados e diferenciar por nível de ensino básico: alunos de nível primário (equivalente aos do Ensino Fundamental no Brasil) e alunos de nível secundário (equivalente aos do Ensino Médio). Os resultados das regressões estarão nos cantos direitos inferiores dos gráficos seguintes.
Ponderando o gasto por aluno pela renda per capita, temos qual fatia da renda média de uma pessoa de cada país é gasta com um aluno. Isso é importante para mostrar qual é o esforço fiscal que se faz para financiar o sistema público de educação. É obviamente preferível minimizar o gasto e maximizar os resultados.
Em questão de despesa por aluno, os resultados são consistentes, não importando o nível de ensino avaliado. As regressões apontam que apenas cerca de 30% e 25% da qualidade educacional dos países participantes, respectivamente, pode ser explicada pelos seus gastos por aluno ou pelo seu esforço fiscal para financiar a educação pública. Vale notar, no entanto, que devido ao caráter logarítmico encontrado na relação gasto por aluno e qualidade, pode-se inferir que em patamares muito baixos de gasto por aluno, ganhos de qualidade podem ser alcançados facilmente via aumento de gasto por aluno. Se uma escola mal tem carteiras e material didático para seus alunos, por exemplo, a principal limitação da qualidade não está no desenho institucional ou na gerência do estabelecimento de ensino, obviamente, mas sim na falta de infraestrutura mínima. Porém, como nos mostra o primeiro gráfico, a baixa qualidade do ensino brasileiro não parece estar na falta de financiamento.
Em 2014, os economistas da Escola de Educação da Universidade de Harvard, Ganimian e Murnane publicaram um trabalho avaliando mais de 200 estudos rigorosos sobre o tema e chegaram a duas conclusões interessantes sobre a qualidade da educação:
Educação é um tema seríssimo e o componente qualidade tem consequências enormes para o crescimento de um país, como mostraram Hanushek e Kimko. Com essa responsabilidade, devemos sempre pautar o debate em argumentação embasada, e não em narrativas. Como disse o engenheiro americano Edwards Deming: “Em Deus confiamos; todos os outros devem trazer dados”.