Por Pedro Menezes
Já conversei com defensores de ideias absurdas, bizarras, que fariam o leitor ter nojo, mas não lembro de um brasileiro sequer que tenha defendido abertamente a inferioridade genética dos negros e pardos. Da mesma forma, conto nos dedos quem negue que o Brasil seja um país racista. Nenhum brasileiro se reconhece como racista, mas todos sabem que a discriminação racial existe. Quando colocado dessa forma, o racismo soa como um espécie de espirito do tempo, uma ideia que ronda o ar e a todos afeta com sua metafísica, mas que não parte de ninguém. Este é mesmo um país diferente, o primeiro país racista sem racistas.
No jogo entre Grêmio e Santos, em Porto Alegre, uma torcedora gremista foi flagrada pelas câmeras chamando o goleiro adversário de macaco. Não se trata apenas de uma ofensa aleatória. O macaco traz a simbologia do primata atrasado, rude, fruto de defeito evolutivo, etc. Na época da banana jogada contra o brasileiro Daniel Alves, na Espanha, todo mundo sabia disso e a comparação entre um jogador negro e um macaco simbolizava o racismo incontestável do torcedor espanhol. #somostodosmacacos. Por aqui, ainda há quem ache exagerado dizer que a torcedora gremista foi racista, afinal, ela até tem amigos negros.
O Grêmio foi eliminado da Copa do Brasil por causa das ofensas dirigidas ao goleiro Aranha, do Santos. Alguns viram na decisão o fim do futebol brasileiro. “O futebol perdeu a graça quando se tornou politicamente correto”, é o que dizem. Sempre fui dos mais fanáticos pelo esporte, sou um tarado que acompanha uns 10 campeonatos simultaneamente, e talvez por isso não entendo que “a graça do futebol” esteja em chamar negros de macaco. E também não entendo por que insistem em enquadrar o xingamento como expressão do “politicamente incorreto”. Racismo não é politicamente incorreto. Racismo é só incorreto.
A torcedora do Grêmio talvez não seja uma pessoa ruim, e digo isso com sinceridade e até algum afeto, dado o drama vivido nestes dias de exposição nacional constante. Tudo o que ela fez foi ir ao estádio, assistir ao seu time e xingar – ao lado de milhares de pessoas – o goleiro adversário. Nada mais comum. Acho até que ela não se considera racista e seria incapaz, por exemplo, de comandar um grupo de extermínio como a Ku Klux Kan.
Mas o racismo não está apenas na criação de grupos de extermínio. O racismo está, principalmente, na naturalização de absurdos. Comparar negros e macacos, dado o histórico tenso das relações raciais no país, é cruel. Durante o jogo entre Grêmio e Santos, 20 mil pessoas assistiram a alguns torcedores racistas e nada fizeram contra eles. A torcedora do Grêmio apenas deu o azar de ter sido flagrada em close pela câmera da ESPN Brasil, numa cena de leitura labial incontestável. “Não é nada demais, é só um jogo e eu não sou racista”, ela deve ter pensado enquanto gritava. Mas os problemas decorrentes do racismo não estão apenas nos gritos de “macaco”. Eles estão na desculpa coletiva de que “não é nada demais”.
Nem todos os habitantes do Sul dos Estados Unidos participavam da Ku Klux Klan durante os anos 1920. É bastante provável que a maior parte deles tenha nascido e morrido sem jamais matar um negro. A KKK só foi um problema porque seus integrantes jamais foram reprimidos pelo que faziam. Pregar a expulsão de todos os negros dos EUA era visto como atividade política legítima, ocupação de alguns pais de família respeitáveis. Quando se diz que o Sul dos EUA é racista, a culpa não é apenas dos ex-integrantes da KKK, mas também da maioria passiva que nada fez para mudar a situação.
Em um mundo ideal, após meia dúzia de torcedores do Grêmio começarem os gritos de macaco, vinte mil torcedores ao seu redor começariam as vaias e em pouco tempo o silêncio envergonhado tomaria o estádio. Foi exatamente o que aconteceu no jogo seguinte do Grêmio. Agora que o clube foi eliminado da Copa do Brasil pelo racismo de seus torcedores, coisas do tipo não acontecerão tão cedo e manifestações racistas não serão mais acompanhadas por silêncio, mas por xingamentos – e detsa vez, os alvos serão os racistas.
Amigos, anotem o que aconteceu durante este ultimo mês. A eliminação do Grêmio é um evento digno de nota: pela primeira vez na sua história, a CBF agiu de forma exemplar.
Pedro Menezes é estudante, editor deste site e um dos co-fundadores da rede Estudantes Pela Liberdade no Brasil. Nascido na Bahia e radicado em São Paulo, ele diz que se interessa por teoria política, história, economia e cinema, mas divide o seu tempo livre entre o Vasco e literatura de qualidade duvidosa.