Por Felipe Melo França
Em meu primeiro texto para o coletivo Mercado Popular, pude expor como a defesa radical dos direitos de propriedade favorece justamente a parcela da sociedade que não detém o poder político ou econômico. Meu propósito foi demonstrar que a relativização da propriedade – como a sua suposta “função social” – são em regra conceitos abertos ao abuso dos mais poderosos, sempre dispostos a demonstrar como os seus interesses beneficiam toda a sociedade. Ou seja, a função social será em regra usada para desapropriar cidadãos pobres em favor dos poderosos e não o contrário. Foi o caso do loteamento São Francisco de Camaragibe. Foi o caso dos cariocas em 1808, com a chegada da Família Real portuguesa.
O texto recebeu críticas que merecem ser respondidas. A primeira veio de alguns liberais que estranharam a minha alfinetada aos “liberais de oportunidade”; isto é, aqueles liberais que utilizam seus argumentos para defender a propriedade dos mais ricos (como nas invasões de Fazendas pelo MST), mas não dos mais pobres (como nas desapropriações de imóveis nas favelas e periferias do Brasil). A segunda crítica veio de amigos socialistas e social-democratas. Argumentaram que o que se deve proteger é o direito à moradia e não o direito à propriedade.
Aos colegas liberais, devo explicações. Na realidade, irei simplesmente replicar o que muito bem respondeu Pedro Menezes:
Era exatamente isso que quis dizer. Espero que os liberais atuem como atuou o Instituto Atlântico no Projeto Cantagalo. Espero que aprendam com movimentos de outras cores, como o grupo de extensão NAJUP – Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (Direito – UFPE) – o qual entre outras coisas prepara defesas jurídicas em casos concretos a favor dos excluídos. Também como o Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito do Recife, que mobilizou seus estudantes para protestar com cartazes e gritos. Nesta nova fase do movimento liberal precisamos tanto de braços para executar quanto outrora precisamos de bocas para reverberar.
Quanto aos colegas de outros matizes ideológicos, respondo agora à divergência entre direito de moradia e direito de propriedade. Para os liberais existe uma distinção entre direitos positivos (benefícios) e negativos (liberdades). Direitos positivos requerem que outros provenham um bem ou serviço a você. Um direito negativo, por outro lado, somente requer que os outros se abstenham de interferir nas suas ações.
Garantir a todos o direito a uma moradia – isto é, definir como dever estatal fornecer casa para toda e qualquer pessoa – implica em retirar a riqueza do restante da sociedade para entregar a um determinado beneficiado em específico. Há, portanto, um benefício e uma definição estatal quanto a quem deve ser beneficiado em contraposição ao restante da sociedade. Esta questão vale inclusive ser analisada sobre a perspectiva da Teoria da Escolha Púbica, que o vídeo abaixo muito bem simplifica:
Enfim, como o direito de moradia implica em custos a terceiros, para defendê-lo devo assumir que é justo subtrair coercitivamente de uns (escolhidos pelos burocratas) em favor de outros (também escolhido pelo mais poderosos). Isto é, para defender o direito de moradia devo relativizar o direito de propriedade de um terceiro. Pior, esta relação “perde-ganha” do benefício gera um incentivo ao favorecimento político de uma classe sobre outras em troca de votos.
Ora, por tudo descrito neste texto e no anterior, creio ter indicado como a relativização do direito de propriedade é de toda desvantajosa aos pobres. O cobertor é pequeno e ao cobrir a cabeça se descobre os pés. Se o estado tiver que tirar de alguém para garantir o direito de moradia, tenha certeza que ele não irá arrancar dos ricos e poderosos, não irá sangrar da própria carne. De fato, provavelmente irá paradoxalmente prejudicar o próprio “beneficiado” e tantos outros dos que estão na mesma situação e não foram agraciados com a escolha dos políticos. É como tem ocorrido com a altíssima tributação brasileira que recai, sobretudo, nos mais pobres. Mas isto é assunto para um outro texto.
P.S: Se não consegui ser mais claro neste ensaio, evoco a didática musical de Gilberto Gil:
Nos barracos da cidade
Ninguém mais tem ilusão
No poder da autoridade
De tomar a decisão
E o poder da autoridade, se pode, não faz questão
Mas se faz questão, não
Consegue
Enfrentar o tubarãoÔôô , ôô
Gente estúpida
Ôôô , ôô
Gente hipócrita