Por Javier Corrales, traduzido para o Instituto Mercado Popular.

Já era de se esperar o fim da democracia na Venezuela, mas, mesmo assim, ela foi surpreendente por diversas razões.

No mês passado, a Venezuela provou que ainda pode ir contra as tendências regionais. Ao suspender o processo de revogação do mandato do presidente Nicolás Maduro por meio de um referendo, o país tornou-se o primeiro da América Latina – desde o final dos anos 1970 – a caminhar em direção a uma verdadeira ditadura.

Quando eu comecei a estudar a Venezuela no início nos anos 1990, o país já estava sacudindo as tendências do continente. O país inaugurou a democracia nos anos 1960, quando a maioria dos países estavam se tornando autoritários. Então, nos anos 1990, a Venezuela tornou-se um enigma, ao falhar em estabilizar a economia num tempo em que a maioria dos outros países da região, com crises econômicas ainda piores, conseguiram controlar sua inflação e endividamento. Entretanto, desde os anos 2000, a Venezuela tem sido peculiar por uma razão bem específica: transformou-se, sob o comando do presidente anterior Hugo Chávez, em um regime cada vez mais autoritário, apoiado sobretudo pela esquerda.

Como Chávez não coibiu completamente todas as instituições democráticas, nós começamos a chamar seu regime de “híbrido”. Sem dúvida, havia outros regimes que também se tornaram híbridos durante esse período (Equador, Bolívia, Nicarágua, Honduras), mas foi a Venezuela que conduziu o movimento. Ela foi também o país mais militarista, intolerante com os opositores, desrespeitoso com a propriedade privada, manipulador da lei, e com a menor transparência fiscal de todos.

Ainda assim, a Venezuela de Chávez nunca se tornou uma nova Cuba – isto é, uma ditadura completa – porque sempre preservou um padrão mínimo de democracia, o qual não encontramos na ilha dos irmãos Castro: eleições. As campanhas eleitorais durante o governo Chávez nunca foram livres e justas, mas pelo menos eram competitivas e geralmente realizadas dentro do cronograma. E, em algumas delas, Chávez até aceitou a derrota.

No entanto, em 2016, particularmente no dia 20 de outubro, a Venezuela passou dos limites. Ela eliminou esses padrões mínimos de democracia.

O ano começou com Maduro basicamente desrespeitando toda decisão feita pelo poder legislativo – democraticamente eleito – que agora está sob controle da oposição. Oito leis foram declaradas nulas, um recorde na história da Venezuela. Maduro também subordinou a maior parte de seu gabinete a um general militar, administração esta que criou um número cada vez maior de barreiras aos esforços da oposição em realizar um recall político (eu contei pelo menos nove). Em agosto, o governo declarou a Assembleia Nacional como desprovida de legalidade porque os legisladores escolheram deputados que não haviam sido autorizados pelos tribunais. Então, no início de outubro, Maduro violou a Constituição ao apelar para o adiamento das eleições para governador, dizendo que o governo não teria dinheiro para custeá-las. No dia 20 de outubro, o governo tomou a decisão de suspender de vez o processo de coleta de assinaturas para a realização do recall político, tirando efetivamente o poder de voto de toda a oposição. O governo também proibiu vários líderes da oposição de sair do país, consolidando uma política iniciada por Chávez e aprimorada por Maduro de restringir as liberdades dos líderes da oposição.

Em suma, os mais rudimentares elementos para termos minimamente uma democracia – eleições, respeito ao poder legislativo e liberdade aos líderes de oposição e eleitores – desapareceram completamente em 2016 e, juntamente com eles, quaisquer vestígios de democracia. Desde os anos 1980, nenhum outro presidente democraticamente eleito na América Latina cruzou essa linha. Alberto Fujimori, no Peru em 1992, e Jorge Serrano, na Guatemala em 1993, chegaram perto, mas acabaram não indo tão longe. Ambos fecharam o Congresso e aboliram muitos direitos políticos, mas o primeiro imediatamente convocou eleições, enquanto o segundo foi repudiado pelos tribunais e aliados dentro de seu próprio partido, sendo forçado a renunciar em uma semana. Até agora, nem sequer um único membro do Supremo Tribunal Federal ou qualquer funcionário do partido governista na Venezuela desafiou quaisquer das ações de Maduro.

É claro, a democracia na Venezuela não morreu de repente. Ela morreu lentamente – como o pôr do sol. Tudo começou com Chávez e avançou gradualmente e, muitas vezes, de forma imperceptível. Mas em 2016, tudo mudou. Particularmente no dia 20 de outubro, o pequeno sol democrático que ainda se encontrava no céu desapareceu completamente. O pôr do sol fez anoitecer.

E esse anoitecer não levará a uma noite calma. As coisas ficarão escuras na Venezuela, mas dificilmente tranquilas. A oposição está forte demais para ficar inerte. Interromper eleições é algo extremamente frustrante. É provável, no mínimo, que a Assembleia Nacional entre em confronto com o poder executivo. No final de semana, a Assembleia Nacional declarou as ações do presidente como sendo “uma ruptura constitucional“. Quando uma legislatura que foi declarada ilegal pelo presidente avança no sentido de declarar o próprio presidente como ilegal, é notório que vem aí uma crise grande.

Independentemente do que venha a acontecer, é válido lembrar que o colapso democrático da Venezuela vai contra a corrente não apenas porque isso é incomum na história recente da América Latina, mas também em razão do contexto econômico. A transição gradual da Venezuela rumo a uma ditadura ocorreu principalmente em um cenário de rápido crescimento econômico e redução da pobreza, pelo menos até 2013. A expansão econômica venezuelana (2003-2013) constituiu o melhor desempenho do país em décadas. Ainda assim, esse foi também o período de pior representação política – ao menos no que se refere à evolução de direitos políticos e cívicos. Tudo isso vai de encontro às diversas teorias sobre os possíveis ganhos políticos que viriam juntos com o crescimento econômico.

Por outro lado, a transição da Venezuela para uma ditadura confirma os argumentos sobre como o crescimento econômico pode andar junto a movimentos populistas anti-pluraristas e como crises econômicas (desde 2013 até o presente) ajudam a fortalecer pretensos ditadores. Chávez usou o boom de consumo proveniente da produção de petróleo para direcionar recursos aos seus apoiadores, os quais, por sua vez, deram-no um cheque em branco para acumular mais poder e tratar a oposição de forma injusta. Uma vez que o crescimento econômico entrou em colapso, bem na época da morte de Chávez, em 2013, o regime entrou em choque. Com o fim do crescimento veio o fim da competitividade eleitoral do regime.

Maduro respondeu a essa crise política direcionando os poucos recursos econômicos disponíveis a um círculo eleitoral mais estreito do que aquele da era Chávez. Apenas os militares, os extremistas e os seus companheiros receberam suporte. Ao proteger essa tríade – em detrimento de quase todos os outros setores da sociedade –, Maduro aborreceu quase todos os venezuelanos. Mas, ainda assim, ele conseguiu proteger o regime. A miséria econômica, paradoxalmente, incentivou e permitiu a consolidação dos pilares autoritários.

Uma crise econômica em uma democracia convencional produziria uma enorme derrota ao governo e, dessa forma, daria uma chance para a renovação do sistema político. Em um regime híbrido, como o que Maduro herdou em 2013, a crise econômica ajudou, em grande parte, a fortalecer o lado coercitivo e corrupto do estado.

Então, qual o próximo passo a ser dado? Essa é uma pergunta difícil de ser respondida, porque nós não conseguimos mais tirar lições tão facilmente sobre a América Latina. Como eu disse, não há caso semelhante desde o fim dos anos 1970. Os dois mecanismos existentes mais importantes para derrubar autocracias durante a Guerra Fria – golpe e luta armada – parecem estar fora de alcance no presente momento político, pois são rejeitados tanto pelos atores internacionais quanto pela oposição venezuelana.

Meu palpite é que a única esperança seria redobrar os esforços diplomáticos para ajudar a convencer o Chavismo de que é normal perder eleições. Porém, isso é mais fácil dizer do que fazer. Parte do problema na Venezuela é que o Chavismo não se conforma em ser oposição. Ele já está muito acostumado a governar de forma irresponsável e incompetente. Como resultado, ele tem um medo excepcional de estar fora do poder, receoso de que suas irregularidades sejam documentadas e julgadas.

A Venezuela, desse modo, lembra-nos que a democracia exige que os partidos no poder estejam dispostos a perder. Isso é o que lhes dá a coragem para realizar eleições. Por toda sua bravata e conversa beligerante, as elites dominantes venezuelanas, como as que vemos em Cuba, são apenas exemplos extremos de covardia política.
Houve um tempo em que o problema do Chavismo com a democracia era não tolerar a oposição. Hoje, o problema do Chavismo é não tolerar ser a oposição.

Portanto, um maior esforço diplomático é necessário para ajudar a oposição a pressionar o governo, mas mais fundamentalmente, para convencer o governo de que é normal estar na oposição. Isso, por sua vez, exigirá convencer a oposição a pensar em alguma forma de ordenamento jurídico de transição. O problema se dá quando o partido no poder já cometeu tantos abusos a ponto de deixar a oposição sentindo-se lesada. Pensar em termos de transição e justiça é dolorosamente difícil para ambos os lados.

Javier Corrales é Professor de Ciência Política no Amherst College, em Amherst, MA, e membro do Americas Quarterly Editorial Board.

Compartilhar