Talvez você já tenha lido na Internet que o governo federal gasta metade do que arrecada com juros da dívida. Isso é uma distorção deliberada da verdade. Há aí uma confusão deliberada entre o refinanciamento da dívida (“rolagem”) – isto é, emitir dívida nova para pagar dívida antiga – com o pagamento efetivo de juros e amortização.
Embora seja contabilmente parte do orçamento, quando o governo rola dívida ele não está alocando recursos públicos pra dívida, já que ele esta tomando recursos emprestados (ou seja, que não foram arrecadados por meio de tributos) para saldar obrigações passadas.
A anedota abaixo ajuda a mostrar porque essa lógica é errada.
Vamos dizer que esse ano você tome um empréstimo de R$100, a juros de 10% ao ano, de mim. Quando chega ao fim do ano, você me deve R$110. Só que você não guardou dinheiro. Então você toma R$110 emprestados com o Deco, também por 10% ao ano, e me paga. Quando chega no fim do ano que vem você também não guardou dinheiro e agora você deve R$121 pro Deco. Aí você pede esse dinheiro emprestado com o Nicolas e paga o Deco. No fim do outro ano, você deve R$133,10 pro Nicolas. Você toma outro empréstimo, dessa vez do Davi, e paga o Nicolas. Depois de um ano você vai dever R$146,41 pro Davi.
Quanto você gastou pagando sua dívida? Nada, já que você não guardou nenhum dinheiro pra saldar a dívida. Se você misturar rolagem com amortização, você teria “gastado” R$364,1. Aí alguém pode falar: “mas a gente já pagou essa dívida mais de três vezes, como é possível que a gente deva R$146,41?”
Misturar rolagem com serviço e amortização significaria contar o dinheiro que você tomou emprestado do Davi para pagar o Nicolas como parte do seu salário e denotar a renovação da dívida como um gasto enorme, como se fosse uma nova dívida! É isso que a Auditoria Cidadã faz.
A melhor forma para ver qual parte dos seus tributos vai para o pagamento de juros da dívida é ver quanto o governo economizou, após realizar todas as suas despesas, para pagar esses juros. A esse montante, economistas dão o nome de “superávit primário”. E, ao ver os dados do último ano em que o governo teve um superávit primário, em 2013, observa-se que o governo gastou uma parte significante dos recursos arrecadados com os juros da dívida, cerca de 6% do orçamento – mas está longe de ser 50%.
Ao se discutir como fazer uma reforma nos gastos públicos, uma observação se torna clara: possíveis cortes nos gastos chamados de “discricionários” (como saúde, educação e desenvolvimento social) têm efeito muito reduzido sobre os gastos totais. Não vai ser possível conseguir alcançar um equilíbrio das contas do governo sem a participação da sociedade e do congresso, por meio de reformas nos dois maiores gastos do governo federal: (1) a previdência social e (2) os gastos com servidores públicos federais. Veja abaixo.
Uma outra coisa importante é entender que o governo, atualmente, não economiza sequer o suficiente para pagar todos os juros da dívida. Se ele assim o fizesse, a dívida sempre cairia em relação ao tamanho da economia brasileira. Foi a política de economia dos gastos públicos que ajudou a reduzir a dívida pública durante os anos 2000. Mas, recentemente, essa política foi revertida e todos os juros da dívida passaram a ser financiados com emissão de nova dívida. Isso é uma garantia de que a dívida vai aumentar – e não diminuir – no futuro.