Por Fareed Zakaria, traduzido por Vicentte Jalowitzki de Quadros

Se Tony Blair for lembrado somente por seu suporte à Guerra do Iraque, será uma tragédia. O antigo primeiro-ministro britânico foi um dos líderes políticos mais importantes de sua geração, resgatando a esquerda do ostracismo e dando-lhe uma nova cara para o mundo pós-Guerra Fria. Ele continua notadamente cauteloso sobre política. Há mais ou menos uma década, ele começou a explicar que a divisão política mais significativa do futuro não seria entre esquerda e direita, mas entre abertura e fechamento.

Para entender esse conceito, de que David Brooks e Alec Ross já bem trataram, veja o que aconteceu ao Partido Republicano. O GOP não teve uma cisão esquerda/direita, mas, sim, uma divisão abertura/fechamento: entre aqueles que defendem livre comércio, imigração e dinamismo tecnológico e aqueles que temem essas forças. Pesquisas indicam que, atualmente, os republicanos se opõem mais ao livre comércio do que os democratas.

Essa divisão entre abertura e fechamento também criou polarizações em partidos de esquerda. O Partido Trabalhista britânico está severamente dividido entre seguidores de Blair – defensores da abertura – e sua fechada ala old-left. O Partido Democrata, nos Estados Unidos, viu a ascensão do protecionista Bernie Sanders, ainda que tenha se mantido relativamente unido.

Muitos veem as eleições de novembro como uma estranha anomalia, inédita e irrepetível, mas pode ser o prenúncio de um realinhamento político, com os Democratas cada vez mais representando elites tecnocráticas, profissionais com ensino superior, mulheres e minorias trabalhadoras, todos com uma orientação aberta em direção à globalização. Os Republicanos estão se tornando o partido dos distritos rurais, trabalhadores de colarinho azul e, majoritariamente, homens brancos mais velhos de pouca educação formal, que apoiam um sistema fechado de controles no comércio, imigração e, até mesmo, tecnologia.

Para os que acreditam na abertura, parece óbvio que a resposta para os nossos problemas não é criar barreiras ao comércio e ao investimento. Vivemos em uma economia mundial profundamente interconectada com cadeias de fornecimento globais. Essa tendência é irreversível. A maior parte dos produtos “americanos” de hoje é, na realidade, produzida e montada em muitos outros países. Criar tarifas em um ou dois países – México e China – não traria empregos de volta aos Estados Unidos, mas criaria novos postos no Peru ou no Vietnã.

Como, então, devemos responder à objeção razoável de que a livre circulação de capital, bens, serviços e pessoas não trouxe benefícios ao trabalhador americano médio?

As respostas podem ser encontradas em uma pesquisa conduzida por Edward Alden e Rebecca Strauss em conjunto com um time da Harvard Business School. Eles apontam que a posição relativa da economia dos Estados Unidos, na verdade, melhorou nos últimos anos. Mais da metade das 100 maiores empresas do mundo são, hoje, americanas, e as companhias que dominam a era digital – Google, Facebook, Amazon – são quase todas americanas. Mas os EUA não investiram o suficiente em seus trabalhadores – em suas habilidades, educação, infraestrutura e acesso ao capital – de modo que eles pudessem prosperar junto às corporações do País.

Por exemplo, Alden e Strauss mostram que o governo dos EUA investe uma quantia irrisória em treinamento de trabalhadores e medidas relacionadas: 0,1% do PIB, enquanto a Alemanha gasta 0,8% e a Dinamarca despende surpreendentes 2,3%. Os EUA gastam muito em educação, mas de maneira ineficiente e majoritariamente voltada a crianças já afluentes e bem-preparadas. A infraestrutura é ruim e o transporte público é pior ainda, de modo que os trabalhadores não podem se deslocar facilmente para novos empregos. Esse tipo de investimento permitiria que trabalhadores americanos compartilhassem a prosperidade geral da economia.

A política inteligente do futuro priorizará “abertura e preparação”: disposição para competir em uma economia global e preparação por meio de um arsenal de ferramentas e treinamento. Serão necessárias políticas públicas muito mais ambiciosas. Treinamentos profissionais em larga escala, como em programas de reinserção de militares no pós-guerra, disponíveis para todos os trabalhadores e em qualquer ponto de suas carreiras. Todos que trabalham em turno integral devem ter um salário decente, e a implementação mais fácil seria por meio de uma política possivelmente mal vista, mas incrivelmente eficaz, como o crédito fiscal sobre renda auferida, em que o governo complementa os salários de trabalhadores integrais. Talvez, até mesmo um programa de renda básica universal [nota do editor: como a experiência da Finlândia] em substituição ao anacrônico e ineficiente estado de bem-estar social.

Sanders tem frequentemente dito que os EUA deveriam se espelhar em países como a Dinamarca e a Suécia e adotar suas políticas econômicas. É uma boa ideia. O que ele não percebe é que todos os países escandinavos são grandes adeptos do livre comércio – de fato, eles têm uma pontuação maior dos que os EUA no quesito “liberdade de trocas” do Índice de Liberdade Econômica, da Heritage Foundation. Todos recebem muitos imigrantes. A Suécia até mesmo tem um percentual maior de pessoas nascidas no estrangeiro que os EUA. Mas esses países combinam sua abertura econômica com políticas públicas eficientes, que capacitam seus cidadãos com as habilidades, capital, infraestrutura e liberdade de que eles precisam para obter sucesso no mundo. Os países escandinavos são mais abertos que os EUA e, por isso, muito mais bem preparados.

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