O francês Thomas Piketty se tornou um popstar da economia. Em seu livro “Capital no Século XXI”, o economista francês propõe uma teoria geral sobre as consequências distributivas da economia de mercado.

O argumento, de forma bem simplificada, é: como os rendimentos [r] do capital (imóveis, ações, máquinas, títulos de dívida, etc.) tendem a ser maiores do que o crescimento da produtividade da economia [g], os donos dos bens de capital vão ver sua riqueza aumentar mais rapidamente que o resto da população. Se r > g, a consequência é um aumento da desigualdade. Nas palavras do autor:

“o fato de a taxa de retorno ao capital ser distintivamente e persistentemente maior do que a taxa de crescimento [da produtividade da economia] é uma poderosa força para a distribuição desigual da riqueza”. (“Capital in the 21st Century”, p. 361)

Tomemos esse argumento como verdadeiro. Quais as melhores políticas para reverter essa força tendência secular de desigualdade? Numa palestra no FMI, Piketty (veja os slides da apresentação dele aqui) propôs como solução ideal um imposto global sobre a riqueza que deveria chegar a até 80%. Mas ele não parece ter notado uma outra possibilidade: se ele estiver certo, o que precisamos é aumentar a propriedade de capital dos mais pobres. E a forma mais viável para fazê-lo seria reformar a previdência, de modo a aumentar os investimentos (em capital) dos trabalhadores.

Como a previdência funciona hoje

Talvez você não saiba exatamente como funciona a maioria dos sistemas previdenciários atuais. Ao contrário do que muita gente pensa, quando você contribui para a previdência social, o dinheiro não vai para uma conta em seu nome que vai financiar sua merecida aposentadoria futura. Na verdade, a contribuição dos trabalhadores de hoje é usada para financiar os aposentados de hoje. Não existe poupança.

À medida que o número de nascimentos diminui e a expectativa de vida aumenta, chega-se a uma situação insustentável: a conta das aposentadorias supera a da arrecadação. Não é exagero dizer que esse modelo é um esquema de pirâmide: só funciona para quem chegar primeiro ao sistema e enquanto a base estiver aumentando. Ou seja, os jovens que estão entrando como contribuintes agora dificilmente vão se beneficiar do esquema.

O sistema só funcionaria bem se a população crescesse infinitamente e o número de trabalhadores fosse sempre maior que o número de aposentados. No Brasil, como em outros países, a proporção de idosos deve aumentar mais que a de pessoas em idade de trabalho, o que significa que inexoravelmente teremos que reformar a previdência num futuro próximo.

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Como uma reforma da previdência pode aumentar o capital dos trabalhadores

Existe um modelo alternativo de previdência social que é sustentável e oferece o benefício de aumentar o capital dos trabalhadores. Esse modelo seria adotar um sistema em que as contribuições de cada trabalhador são controladas por ele, em uma conta de investimentos. Desmontado o esquema de pirâmide, o sistema se torna sustentável no futuro, já que não existe mais necessidade de alinhamento entre o número de contribuintes e aposentados.

Ao mesmo tempo, aumenta-se a liberdade dos trabalhadores em decidir o que fazer com algo que é deles. Na Suécia, que adotou esse modelo na década de 1990, cada pessoa pode escolher dentre cerca de 700 fundos de investimento distintos. Os trabalhadores podem decidir se querem tomar mais riscos e ter possibilidade de mais retornos ou a segurança da renda fixa. É uma decisão soberana deles. Modelos similares são adotados na Austrália e em Hong Kong.

O exemplo mais interessante para o Brasil é latinoamericano. O Chile – como parte de sua revolução econômica –  privatizou seu sistema previdenciário, adotando o modelo mencionado acima: cada trabalhador tem uma conta individual para sua aposentadoria e suas contribuições são alocadas nessa conta. Com esses fundos, os trabalhadores passam a ter uma carteira de investimentos com ações e títulos de rendimento fixo – exatamente o “capital” a que Piketty se refere.

Entre 1981 e 2014, a rentabilidade média do fundo intermediário (nem tão arriscado, nem tão conservador) do sistema chileno foi de 8,5% ao ano, já descontada a inflação. O sucesso é tamanho que a maior parte do total de dinheiro no sistema de pensões do país não vem de contribuições dos trabalhadores em si, mas da renda das contribuições originais. No sistema brasileiro atual, isso é impossível, pois não há poupança. No Chile, todos os trabalhadores são, também, capitalistas – e, com isso, tornam-se mais ricos.

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Se Piketty estiver certo, precisamos garantir que os trabalhadores também tenham acesso à renda do capital. Sem querer, ao dizer que r > g, o raciocínio do economista francês aponta para uma conclusão: a solução é aburguesar o proletariado. Transformar a previdência social em um sistema de fundos individuais de investimento faria isso – e, se Piketty estiver certo, ajudaria a reduzir a desigualdade.

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