Por Bill Watkins. Tradução por Pedro Galvão de França Pupo, original aqui.
Qual é a mudança crucial em políticas energéticas mais necessária para incentivar o desenvolvimento de micro-redes?
Desregulamentar o mercado – e deixar que pessoas e empresas grandes e pequenas compitam entre si para vender eletricidade e outros serviços diretamente para os consumidores.
Na maior parte do mundo, empresas de fornecimento de energia operam sob monopólios legais. Elas precisam fornecer acesso ao serviço para todos em seus territórios, e seus preços e taxas de lucro são fixos.
Como consequência, elas não tem muito incentivo para criar novos serviços. E qualquer mudança ou programa que elas quiserem introduzir terá que ser devidamente aprovado em audiências públicas antes de poder ser implementado. A inovação não vale a pena.
Já podemos ver os resultados que vem com a abertura do mercado. Vendedores no Reino Unido e no Texas estão experimentando com diversos métodos de venda de energia e estratégias de incentivo.
A empresa de telecomunicações americana Comcast está vendendo TV a cabo e outros serviços junto com energia. A Alemanha virou uma potência mundial em energia solar graças à desregulamentação: a tarifa feed-in (N.T.: tarifa paga pelo governo a produtores de energia pela produção excedente que retorna para a rede) do país possibilitou que todos com um telhado ou algum terreno vazio pudessem virar produtores comerciais de energia.
Cada vez mais, você vai ver novos produtores oferecendo serviços que respondem mais rápido a mudanças na demanda e com tabelas de preços mais flexíveis.
Micro-redes vão ser um dos resultados da desregulamentação porque elas combinam naturalmente com tecnologias como painéis solares e maior responsividade a mudanças na demanda. Um esquema menor e descentralizado também combina melhor com o método de operação dos novos produtores.
Soluções conjuntas que combinam energia solar, softwares que aumentam a eficiência e armazenamento de energia ligados por uma micro-rede, e que podem ser distribuídas de maneira modular, serão capazes de competir economicamente com redes tradicionais que dependem de uma infraestrutura extensa e muitas vezes mal utilizada.
Por exemplo, micro-redes estão crescendo em popularidade em Nova York porque prédios que estavam ligados a suas próprias micro-redes se deram melhor durante a supertempestade Sandy.
Serviços modulares que oferecem tudo que negócios ou consumidores precisam – fontes renováveis de energia, armazenamento, software para controlar o consumo máximo, serviços de automação – estão se tornando, ou podem se tornar, cada vez mais comuns.
E se o impacto vai ser grande na América do Norte e na Europa, vai ser ainda maior em países emergentes. A maior parte da população mundial convive com insegurança energética. Veja a Índia.
Mais de 300 milhões de pessoas, ou aproximadamente 25% da população, não tem acesso regular à rede elétrica. E mesmo aqueles que estão ligados à rede precisam lidar com blecautes crônicos: em 2012 uma falha crítica deixou 640 milhões de pessoas no escuro.
Estimativas indicam que esses blecautes causam um prejuízo de 1.5% no PIB indiano. Na África, a empresa ESKOM, a maior produtora de energia do continente, sofre com blecautes tão frequentes que operações de mineração estão sendo reduzidas, resultando em prejuízos de aproximadamente 2% no PIB – e está piorando.
Muitas nações emergentes tem condições ideais para a implementação de energia solar: micro-redes distribuídas fazem sentido dos pontos de vista ambiental, econômico e técnico.
Além disso, micro-redes vão atacar um dos maiores problemas no Brasil e na Índia: roubo de energia. O Banco Mundial estima que mais de 202 bilhões de dólares em energia elétrica são perdidos todo ano por erros técnicos ou roubo.
Em alguns lugares, metade da energia é roubada, e cada vez mais isso é feito por gangues criminosas sofisticadas, não por eletricistas amadores. Energia é o terceiro bem mais roubado nos EUA, logo atrás de carros e joias.
Com uma micro-rede, moradores locais podem ser donos dos recursos produtores de energia: o incentivo para reduzir o roubo é forte. No mínimo, eles conseguem detectar e monitorar roubos com mais facilidade.
Depois que um abastecimento estável de energia for estabelecido, você verá o mesmo tipo de mudanças drásticas em áreas rurais de países emergentes que nós vimos nos EUA. Em vez de tentar ler à luz de lampiões ou de fogueiras, crianças serão capazes de ficar acordadas até tarde e estudar: pessoas em países emergentes consomem aproximadamente 11% da luz elétrica consumida por cidadãos da América do Norte ou do Japão. Por que você iria construir uma rede no estilo ocidental quando micro-redes independentes podem oferecer serviços melhores e mais baratos?
Na verdade, é difícil não pensar em modos em que micro-redes ajudariam. O armazenamento de energia é uma ambição antiga da indústria. Eletricidade provavelmente é o recurso mais consumido no mundo depois de água, mas seu armazenamento tem sido economicamente e tecnicamente inviável – até agora.
Com baterias de fluxo, a energia solar gerada pela manhã pode ser consumida à noite. Carros elétricos e motos podem ser carregados com energia que de outro modo seria simplesmente descartada. Você pode ligar o armazenamento à rede – a empresa Imergy já está ligando suas baterias à rede – mas uma micro-rede opera em uma escala mais humana e fácil de gerenciar.
Nós vamos reduzir o consumo de pico e emissões e ser capazes de servir uma população mais ampla sem gastar centenas de milhões em novas usinas geradoras. Não precisamos passar por anos de burocracia antes.
Adversários e críticos, naturalmente, vão exigir prudência. A rede elétrica é um dos aspectos mais vitais de nossa infraestrutura, eles vão dizer. A desregulamentação pode atrasar investimentos importantes ou aumentar os custos para as pessoas que menos podem pagar.
Esses são argumentos válidos, mas eles não devem impedir o progresso. Nós sobrevivemos à Enron. Nós vimos a desregulamentação crescer no Texas e no Reino Unido. Nós também vimos como ela obteve sucesso. Nós podemos elaborar políticas que lidam com essas preocupações e ainda permitem que as pessoas tenham liberdade para competir.
Também é necessário dizer que tanto a macro-rede quanto o modelo atual de monopólio legalizado são baseados em tecnologia da década de 20. Países e cidades davam monopólios para empresas de energia porque era a solução mais sensata e econômica para garantir que um público amplo pudesse ter acesso aos benefícios da energia elétrica.
Mas a tecnologia muda. Energia solar, software e armazenamento (N.T.: em inglês, Solar, Software e Storage) – os três ‘S’ que marcam o fim dos monopólios – estão acabando com a necessidade de controle centralizado. Assim como a invenção do asfalto possibilitou viagens de carro, micro-redes nos dão os benefícios das macro-redes sem os desperdícios associados.
A desregulamentação não é perfeita. Claramente, a desregulamentação do setor bancário e hipotecário deveria ter sido feita com mais cuidado. Mas olhem para os serviços de telefonia. Por décadas, a AT&T tinha um monopólio legalizado sobre o setor nos EUA. A empresa inventou a célula solar, o UNIX e os transistores.
Mas na hora de inovar o serviço, a empresa falhou. A AT&T não estava tentando inventar telefones sem fio. Não estava pensando em popularizar a Internet.
Em vez disso, ela nos deu o Princess Telephone.
Bill Watkins é o CEO da Imergy Power Systems, uma empresa de Fremont, Califórnia que oferece armazenamento fixo de energia com uma tecnologia de baterias de fluxo.