Por Anthony Ling
O estudo de cidades – urbanismo – é uma área de crescente interesse pelo fato de sermos uma espécie cada vez mais urbana. A medida que se diminui a necessidade de mão de obra para agricultura e indústria, aumenta a proporção de humanos vivendo em centros urbanos, trabalhando com serviços e ideias nestes “reatores sociais”, uma definição de cidade usada pelo estudioso de complexidade Geoffrey West.
No entanto, muitos livros nos contam histórias de cidades, outros pulam diretamente para receitas específicas de como corrigir um determinado problema urbano. Não são muitos os livros que mostram o que é uma cidade e como ela funciona. Nesta seleção, o leitor não só vai entender e amar as cidades, mas descobrir que elas são organismos tão incríveis e complexos longe de serem controladas por uma entidade, normalmente associada ao papel do urbanista. Essa leitura permite ao urbanista compreender seu papel como coadjuvante, delegando o controle da cidade para seus próprios cidadãos.
Nova York Delirante, Rem Koolhaas
“A disciplina bidimensional da retícula também cria uma liberdade jamais sonhada para a anarquia tridimensional. A retícula define um novo equilíbrio entre controle e descontrole, em que a cidade pode ser ao mesmo tempo ordenada e fluida, uma metrópole de rígido caos.”
Rem Koolhaas, um dos arquitetos e urbanistas mais influentes da atualidade, nos conta a história de Manhattan, uma das cidades mais relevantes do mundo contemporâneo que teve uma forma muito singular de urbanização. Dentro do seu xadrez viário rígido, Manhattan permitiu a “anarquia tridimensional”, usando suas palavras, gerando o que o autor chama de “cultura da congestão”, uma condição da vida metropolitana que Manhattan conseguiu extrair ao máximo.
As regulações urbanas adotadas em Manhattan – além do grid – até a II GM eram ínfimas próximas às da atualidade, hoje uma cidade “comportada”. Mas o que aconteceu durante o século que Manhattan atraiu centenas de milhares de imigrantes buscando os céus para acomodá-los? De que forma se desenvolveu uma cidade livre, onde o urbanista sai da cena para abrir espaço aos arquitetos? “Nova Iorque Delirante” faz o leitor mais cético respeitar o “manhattanismo”, tornando-se mais aberto ao experimental, ao radical e a uma cultura da congestão.
Onde encontrar: Cosac Naify, Livraria Cultura
The Gated City, Ryan Avent (sem tradução para o português)
“The residents of America’s productive cities fear change in their neighborhoods and fight growth. In doing so they make their cities more expensive and less accessible to people with middle incomes.”
Cidadãos urbanos normalmente gostam não só de imóveis mais baratos mas dos atrativos e atributos de que uma cidade é feita: possibilidades de emprego, lazer, educação e serviços de todo tipo. No entanto, sempre que surge a oportunidade de trazer essas características para a cidade – construindo novas unidades para acomodar mais gente – aqueles que moram próximo dessas construções normalmente fazem o possível para impedir sua execução.
A grande contribuição de Ryan Avent para a literatura de urbanismo com este pequeno livro (disponível apenas para Kindle) é mostrar como funciona o mercado imobiliário e quais os efeitos não intencionais de restrições de oferta à moradia. A ideia central é de que impedir a construção de mais unidades (ou “NIMBYism”, “Not in My BackYard”) torna as cidades cada vez mais parecidas com condomínios fechados, exclusiva à população de fora já que é impossível acomodar mais gente, uma “Cidade Cercada”, na tradução literal do título.
Onde encontrar: Amazon
The Voluntary City, edição de David T Beito, Peter Gordon, Alexander Tabarrok (sem tradução para o português)
“Developers were able to tailor the extent of their providing “public goods” via covenant to the nature and scope of local demand, as well as account for other factors such as land and building costs. This is in marked contrast to the rigidity and fixity of state attempts to supply these goods through public planning, zoning laws, and the like. The flexibility also extended to the enforcement of covenants. Landlords and developers would often not enforce the building clause in a lease when demand for land was slack, as long as the rent was paid.”
Este livro serve como um poderoso suporte histórico para a teoria de urbanismo emergente, ausente de um planejamento centralizado. O livro é um compêndio de textos que viajam pelo mundo mostrando diferentes experiências de urbanização emergente ou “voluntária”, explicando os benefícios e os problemas encontrados durante cada um dos processos. Os exemplos são de extrema utilidade para traçar paralelos à urbanização brasileira e, ainda, embasar ideias com exemplos reais.
Um dos meus artigos prediletos é o primeiro, “Laissez-faire Urban Planning”, por Stephen Davies. Ele traça o panorama histórico do crescimento de cidades britânicas e principalmente de Londres, uma das minhas cidades favoritas, que cresceram de forma descentralizada como uma sucessão de loteamentos, bairros privados e projetos arquitetônicos em várias escalas. Londres não só era ausente de um plano geral como muitos dos seus bairros com toda sua infraestrutura eram construídas na ausência do setor público, uma série de projetos privados de tudo quanto é tipo. Quem diria que o West End e Nottingham eram, na verdade, empreendimentos imobiliários?
Onde encontrar: Amazon e Livraria Cultura
Os Centros Urbanos: A maior invenção da humanidade, Edward Glaeser
“A força que advém da colaboração humana é a verdade central por trás do sucesso da civilização e o principal motivo da existência de cidades. Para entender melhor as cidades e o que fazer com elas, precisamos nos apegar a essas verdades e nos desfazer de mitos prejudiciais. Precisamos descartar a visão de que o ambientalismo significa viver ao redor de árvores e que os urbanistas devem sempre lutar para preservar o passado físico da cidade. Precisamos parar de idealizar a casa própria que favorece loteamentos de casas nos subúrbios, em detrimento dos edifícios de apartamentos, e parar de romantizar as vilas rurais. Devemos evitar a visão simplistas de que a melhor comunicação a longa distância reduzirá nosso desejo e nossa necessidade de estar perto uns dos outros. Acima de tudo, devemos nos libertar de nossa tendência de ver as cidades como sendo suas edificações e lembrar que a cidade real é constituída de gente e não de concreto.”
Best-seller do New York Times, com este livro Ed Glaeser se tornou uma das maiores referências vivas do urbanismo contemporâneo e um dos meus urbanistas prediletos. Através de uma viagem pelas principais cidades do planeta, Glaeser quebra lendas urbanas que normalmente impedem a urbanização, respondendo questões controversas como “O que há de tão bom sobre os arranha-céus?” e “Não há nada mais ecológico que o asfalto?” com respostas embasadas, elegantes e, no fim, mais pragmáticas que controversas.
Com este livro aprendemos que grande parte do sucesso da humanidade está nas grandes cidades, que nos tornam “mais ricos, inteligentes, saudáveis e felizes”, e não o contrário como muitos imaginam. No entanto, para que isso aconteça é necessário perder nossos medos irracionais relacionados ao adensamento, à verticalização e à urbanização propriamente dita para, enfim, permitir que a cidade aconteça. A clareza, eloquência e embasamento acadêmico de Glaeser torna “Triumph of the City” (seu título em inglês) uma leitura obrigatória para aqueles que estudam as cidades, e não tenho dúvidas de que ele se tornará um clássico no futuro.
Onde encontrar: Elsevier, Casas Bahia
Morte e Vida das Grandes Cidades, Jane Jacobs
“Tratar de uma cidade, ou mesmo de um bairro, como se fosse um grande problema arquitetônico, capaz de ser resolvido através de um trabalho disciplinado de arte, é cometer o erro de tentar substituir a vida pela arte. Os resultados de tão profunda confusão entre arte e vida não são nem arte, nem vida. Eles são taxidermia.”
Este livro é, sem dúvida, um dos livros mais influentes da história do urbanismo e o mais influente no pensamento contemporâneo sobre cidades. Jane Jacobs, uma jornalista canadense morando em Nova Iorque, mostra seu entendimento sobre grandes cidades através das suas próprias observações e vivências urbanas, tornando-se a maior crítica do planejamento urbano modernista do início do século XX, de representantes como Lúcio Costa, Le Corbusier ou Robert Moses.
Através dessas observações, Jacobs denuncia em linguagem direta e auto-didata como as grandes interferências autoritárias dos urbanistas nas cidades construindo viadutos, destruindo patrimônio histórico e bairros inteiros para construir guetos de habitação pública eram as principais causas dos problemas que as cidades estavam enfrentando. Jacobs era uma defensora de uma cidade mais espontânea, admirando no seu texto o crescimento orgânico das cidades antigas, a vida nas ruas, o “balé complexo”. Nesse sentido, o ponto focal de suas ideias se assemelha às do economista Friedrich Hayek, evidenciando a impossibilidade da compreensão e do controle de uma construção coletiva, descentralizada e complexa.
Vale apontar que ela não se considerava uma “liberal”, mas entendia e valorizava o funcionamento do mercado em quase todos aspectos da cidade, um processo emergente assim como uma cidade. Em entrevista à revista Reason ela colocou objetivamente que gostaria de ver maior liberdade no setor de transportes, restritos pelos monopólios de grandes ônibus, e na revitalização de bairros históricos, que muitas vezes ficam congelados por legislações nada relacionadas à preservação propriamente dita.No entanto, a sua convicção pela participação popular, sua luta pela preservação de bairros contra arranha-céus e suas críticas aos grandes projetos que se beneficiavam com subsídios públicos e desapropriações a tornou um símbolo de arquitetos, urbanistas e ativistas de ideologias de esquerda. Paradoxalmente sua obra incentivou novos movimentos que pregam o regramento e a autoridade na cidade – desde que ela seja a autoridade “certa”, como defende todo planejador. Muitos dos leitores de “Morte e Vida” interpretam as qualidades urbanas que ela descreve como normas para a elaboração de planos – incorporadas em grande parte no desenvolvimento do novo Plano Diretor de São Paulo, por exemplo. Ou seja, ao invés de abraçar a questão central das ideias de Jacobs de um urbanismo mais espontâneo e descentralizado, muitos hoje citam as qualidades urbanas evidenciadas por Jacobs para justificar diretrizes rígidas de planejamento que supostamente gerariam aquele resultado: taxidermia.
Onde encontrar: Martins Fontes, Livraria da Folha
Publicado também no Estudantes Pela Liberdade e no Rendering Freedom