Por Leonardo W. de Melo

Ainda hoje há uma grande insistência, movida pela paixão ideológica, em se pensar que ainda existe uma dualidade ”capitalista x socialista”, ”direitista x esquerdista”, ou a que está na moda, ”neoliberal x bolivariana”, dominante no cenário político-econômico-social atual, mesmo que fatos desmintam em partes tal observação, como constantes intervenções estatais nos EUA, responsabilidade fiscal na Bolívia, modelos híbridos como os escandinavos.

A verdade é que a lógica econômica existente, ao contrário, é bem mais simples: ”pensar a longo prazo” x ”pensar no momento”. Não sabe qual a diferença?

Imagine que você, em sua vida comum, com altos e baixos econômicos, com meses em que o dinheiro aparece e meses em que ele some antes que você perceba, esteja no mês em que as dificuldades financeiras se apresentam. 

É aí que aparecem seus amigos lhe chamando pra sair, parentes pedindo dinheiro emprestado, aquela pessoa popular afim de sair com você, as crianças carentes vendendo uma rifa pra ajudar a comunidade, sua tia doente precisando de ajuda financeira, aquela promoção de roupas imperdível, aquela promoção de livros da Saraiva, a cerveja mais barata do que nunca no hipermercado, o curso de inglês sem taxa de inscrição e você também precisa pagar as contas da casa, do carro, do plano de saúde, do empréstimo do banco e ainda encher o tanque do carango.

Há dois pontos de vista principais possíveis pra resolver tudo isso:

1) Fazer tudo o que der e pagar como puder;

2) Pensar primeiro em como vai pagar e fazer apenas o essencial.

Dá pra simplificar ainda mais: é um tal ”viver o agora, os problemas a gente resolve depois” contra um ”vamos analisar primeiro, depois a gente faz”. Parece idiotice observar tão irresponsavelmente assim, como se estivesse tratando da própria rotina e não da economia de um país, mas a analogia é bem pertinente.

Sobre o ponto de vista 1):

Recentemente o governo brasileiro aumentou o teto de abatimento da meta fiscal para não correr o risco de não cumprir a meta prevista. Fazendo uma analogia como a anterior, seria como se você fosse até seu banco e pedisse para o gerente aumentar seu limite do cartão, para que você se sentisse mais seguro para pagar todas as suas contas.

Os discursos populistas, em geral, são todos baseados na mesma ideia, de que o mais importante é atender os fins e depois analisar o preço a pagar, mesmo que para isso seja preciso dar uma subida no limite da conta ou dar uma calote em alguém que não esteja precisando da grana.

A Argentina, por exemplo, grande expoente deste ponto de vista, vive um imbróglio para pagar suas contas – se é que ela o fará – que interfere tanto na vida de sua população quanto no mercado internacional, que deverá ser mais cético ao adquirir contas e realizar investimentos, fato que pode até rever o número de negócios realizados entre países e até mesmo aguçar outros caloteiros ao redor do mundo. Mas podem acontecer coisas boas: os resultados podem aparecer imediatamente, no curto prazo. Você, com certeza, vai ficar mais feliz enchendo o tanque do carro e comprando a rifa da criançada do que se tivesse apenas comprado a rifa. Entretanto, isso pode fazer efeito no próximo mês?

Sobre o ponto de vista 2):

Será mesmo tão importante pensar a longo prazo? Os Governos Itamar/FHC, por exemplo, que receberam dos anos de ditadura militar e plano Collor uma hiperinflação absurda, tiveram que cortar boa parte dos investimentos do Estado na época, como medida de responsabilidade fiscal e de controle inflacionário.

Seria como você, na analogia realizada anteriormente, deixasse de sair com a galera, de comprar aquela bera barata, de comprar aquele livro em promoção, encher só meio tanque e atrasar o plano de saúde, para que as outras contas prioritárias pudessem ser pagas.

Mas se a dívida for mesmo grande e você resolver emprestar grana de alguém, existe o risco de você se endividar ainda mais. Foi o que aconteceu na época de FHC, em que, devido a crises mundiais e a diminuição do fluxo de capital externo no país, se fez necessário recorrer algumas vezes ao FMI para organização e controle das contas. Como resultado, a dívida pública da época teve grande alta, muito é verdade também devido a absorção das dívidas dos estados pela união com a nova lei fiscal. Mas é fato que todo empréstimo, por mais necessário que seja, tem um preço.

Medidas de responsabilidade fiscal são normalmente impopulares. Pense na analogia: deixar de pagar o plano de saúde, de ajudar seus parentes e de comprar a cerveja em promoção não são as mais populares das ações da tua rotina. Mas deve-se analisar se os benefícios a longo prazo valem a pena. 

Será que é correto diminuir a ação do Governo em alguma área em detrimento de outra? Será que é viável cortar um pouco da grana de um mandato para que ela esteja mais seguramente disponível lá na frente? Ou será que é melhor não correr o risco de as oportunidades não aparecerem no futuro e fazer tudo agora, para só depois analisar quais serão consequências?

A história evolui, mas, infelizmente, os argumentos demoram um pouquinho a andar. As pessoas, movidas pelas emoções que não fazem questão de controlar (e nem de perceber), esquecem de atualizar sua página e ainda insistem em fatos atrasados ou esquecidos, que não condizem com a realidade atual. Seria no mínimo mais honesto que a gente parasse com esse clubismo político e passasse a observar tudo com uma olhar menos indutivo, como se o que aconteceu há 20 anos atrás necessariamente acontecerá novamente, da mesma forma.

Em meio a eleições com campanhas políticas tão parecidas, mas discursos tão diferentes, tanto de candidatos quanto de eleitores, só resta pensar que o problema está no fundamentalismo e não nas pessoas. Porque é incrível como qualquer fundamentalismo, seja político, esportivo, religioso, econômico, social, tem a gigantesca capacidade de transformar pessoas brilhantes, com uma capacidade intelectual grandiosa, em imbecis da mais baixa estirpe, que parecem sentir orgulho da sua tão valiosa ignorância.

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Leonardo W. de Melo é um licenciado e entusiasta liberal que acredita que tanto conhecimento quanto desenvolvimento socioeconômico devem ser construídos pelo próprio indivíduo. Assim como em um jogo de cartas, o papel do Estado na sociedade e de educadores na educação deve ser análogo ao de um mero carteador, para que o jogo da construção do desenvolvimento e do conhecimento seja jogado pelos verdadeiros protagonistas.

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