“Uma noite que mudou a Argentina”, assim muitos pensaram após o surpreendente resultado das eleições nacionais do último domingo. Tal como o Brasil no ano passado, nossos hermanos caminham para a criação de uma polarização política entre o candidato do Peronismo/Kirchnerismo, Daniel Scioli, e o da oposição liderada por Mauricio Macri. Os dois vão para um segundo turno imprevisível em que o futuro do país pode mudar dramaticamente. Mais importante do que isso, é o sinal claro que os argentinos mandaram nas urnas: desejam mudança. Mudança que significou em uma expressiva derrota do oficialismo de Cristina.
Isso é significativo porque a oposição a atual hegemonia do Kirchnerismo é significativamente maior do que qualquer momento do lulo-petismo aqui no Brasil. A crise econômica no final dos anos noventa foi muito mais expressiva nos nosso vizinhos graças a manutenção de uma insustentável política de paridade do peso com o dólar. Desse modo, o suposto ‘neoliberalismo’ de Memen foi sempre mais rejeitado pelos nossos hermanos do que a nossa rejeição ao suposto ‘neoliberalismo’ de FHC. Além disso, houve uma forte crise institucional no início dos anos 2000 que só foi resolvida com a surpreendente ascensão de Nestór Kirchner que conseguiu estabilizar a esfera econômica e a política. E, ao mesmo tempo, criando uma hegemonia e ao melhor estilo peronista passou o poder para a sua Evita, Cristina.
Os governos de Nestór (2003-2007) permitiram uma volta ao crescimento, apesar de continuidade da pressão inflacionária (veja o gráfico). A partir da entrada de Cristina e a crise de 2008, porém, a situação do país começa a deteriorar novamente. Apesar disso, ela consegue se reeleger e manter a força Peronismo/Kirchnerismo graças, em grande medida, ao apelo emocional da morte do seu marido em 2010.
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A capacidade da situação de se manter no poder também se dá graças ao sistema eleitoral argentino. Diferentemente do Brasil, conseguir vencer o pleito presidencial em primeiro turno na Argentina é razoavelmente fácil: basta ter mais de 40% dos votos ou uma diferença de mais de 10% para o segundo colocado. Por conseguinte, o país nunca passou por um processo de segundo turno, tendo a própria Cristina ganhou com uma vitória folgada tendo 54% dos votos e tendo aproximadamente 28% a mais de votos que o segundo colocado. Nesta, porém, Scioli conseguiu somente menos de 36% e com uma diferença de um pouco mais de 2% para o segundo colocado, forçando um segundo turno e mostrando a fraqueza do atual governo de se manter no poder. Somando os votos dos principais candidatos de oposição, Macri e Massa, ter-se-ia mais de 55% dos votos. A batalha para manter o Peronismo/Kirchnerismo na Casa Rosada se mostra árdua.
Mas não foi só na eleição presidencial que a esquerda argentina mostra sinais de degaste. Nas eleições para os governos de províncias (equivalentes aos Estados) houve uma derrota importante ao oficialismo. Nas eleições para a província de Buenos Aires se teve um outro feito histórico: o Peronismo deixará o poder após 28 anos. Pela primeira vez o governador (no caso vai ser ter uma nova governadora) será da oposição da que é a maior província do país. Mudança importante também ocorreu no congresso em que a oposição conseguiu ter a maioria da câmara e a situação perdendo 26 deputados.
Esses mostram um fortalecimento ou quase renascimento da disputa política democrática, freando os desejos hegemônicos do Kirchnerismo. Fato que Cristina não tem a ninguém a quem culpar. As políticas suas cada vez mais extremadas de ameaças veladas e diretas a imprensa, a estranha morte do procurador Nisman e os mistérios que ainda rondam os ataques terroristas a sede da AMIA. Mais do que isso, o crescente desejo do Kirchnerismo de enfraquecer as instituições argentinas com a intenção de se instaurar um sistema de reeleições eternas, como já ocorrer na Venezuela e Evo busca implantar na Bolívia. A derrota na Argentina e as dificuldades no Brasil dão sinais cada vez mais claros de esgotamento do ciclo de governos de esquerda que ascenderam ao poder após a crise econômica dos anos noventa, com apelo crítico a uma suposta política ‘neoliberal’ com projetos intervencionistas e populistas. Em muitos casos, como a Venezuela e Argentina, o avanço social final do que antes da entrada desses governos de esquerda devido a impressionante deterioração econômica que esses país sofreram com a forte expansão dos gastos governamentais e o fim do ciclo de alto valor das commodities no mercado internacional.
A reação institucional e a entrada de uma nova pessoa a frente da Casa Rosada é um avanço positivo, mas não é o bastante, a deterioração dos dados econômicos nos últimos anos, como possível ser visto no gráfico, é significativa e o próximo presidente, seja quem for, vai ser ver forçado aos mesmo ajustes que o atual governo brasileiro, sem sucesso, vem tentando fazer. Anos complicados aparentam estar chegando para os argentinos, o nosso principal parceiro político e um dos principais parceiros econômicos. Ou seja, estão a nosso caminho mais dificuldades para a já complicada situação política e econômica que nós brasileiros nos encontramos.