Por Jeffrey Tucker

Tradução de Pedro Galvão de França Pupo. Revisão de Ivanildo Terceiro. Artigo original.

A reação contra a economia compartilhada começou

Finalmente está acontecendo: a reação contra os aspectos mais impressionantes da economia da era digital começou. Eu estou esperando por isso há anos, tendo noção que não podemos ir do antigo mundo de comando e controle para o novo mundo de soberania pessoal sem nos engajarmos no front intelectual.

O que faltava até recentemente era como exatamente eles iriam reagir a isso tudo. Agora está ficando mais claro. Os adversários dos mercados se recusam a aceitar aquilo que eles supostamente têm defendido por gerações: empoderamento popular.

A revolução tecnológica da última década deu origem a uma reestruturação maravilhosa de alguns aspectos importantes da vida econômica. Os mais importantes se encaixam nos rótulos de “economia compartilhada” ou de “economia peer-to-peer (P2P)”. Eles representam uma forma improvável de igualitarismo, se compreendidos de forma correta: todos podem acessar e controlar os meios de produção. Parece um sonho socialista, mas está sendo feito através da propriedade privada, do empreendedorismo, e da universalização do espírito comercial.

As novas invenções são caracterizadas pelo acesso democrático: qualquer um com uma conexão de Internet pode participar.

Maravilhoso!

Os exemplos mais proeminentes são divisão de caronas, empréstimos peer-to-peer, serviços de táxi urbanos privados,  soluções de alojamento temporários, serviços de limpeza doméstica, serviços técnicos, criptomoedas, impressoras 3D e por aí vai. Eles conectam produtores com consumidores diretamente em uma via de mão dupla usando soluções inteligentes de interfaces digitais, a maior parte delas inventadas por programadores jovens, de fora do establishment, que estão deixando para trás ostatus quo. Toda essa abordagem pode ser considerada uma etapa muito avançada de capitalismo em que mediadores exercem cada vez menos poder sobre quem pode e quem não pode participar.

Contra a inovação

Quem poderia ser contra essas inovações? A resposta é bem óbvia: interesses econômicos estabelecidos que podem perder seus antigos monopólios regulamentados e protegidos pelo governo.  Serviços de táxi municipais, por exemplo, se sentem muito ameaçados por serviços como Uber, Lyft e Sidecar, que permite que qualquer um vire um fornecedor de serviços de transporte. Os monopólios estabelecidos estão pedindo aos governos que tomem alguma atitude e estão tendo um sucesso moderado.

O procurador distrital de São Francisco enviou cartas ameaçadoras para empresas responsáveis por amplas melhorias no setor de transportes, dizendo a elas para mudar seus modelos de negócios. Ele garante que essa reação não ocorreu porque ele é contra inovações e serviços que agradam consumidores. Em vez disso, como um bom funcionário público, ele tem o dever de “garantir que a segurança e o bem-estar dos consumidores estão sendo adequadamente protegidas” – como se devêssemos acreditar que as empresas que oferecem transporte estão menos interessadas do que o governo na segurança dos consumidores.

Na verdade, esses serviços estão ampliando a segurança. Eles permitem que pessoas bêbadas demais para dirigir apertem um botão nos seus celulares e consigam chegar em casa em segurança. Depois de dois anos em que as prisões por embriaguez ao volante aumentaram 10% ao ano, elas caíram 14% esse ano. O LA Weekly especula que essa queda foi causada por esses serviços de transporte, que frequentemente são usados de madrugada em locais com bares e clubes. Todas as minhas conversas com motoristas do Uber parecem confirmar esse palpite. Os monopólios de táxi poderiam ter oferecido serviços igualmente eficientes, mas sem competição, a motivação que gera progresso desaparece.

Rentistas querem o status quo

Também podemos esperar que a indústria de hotéis, que é obrigada a pagar altos impostos e obedecer regulações extensas, reclame sobre serviços de compartilhamento de quartos como o AirBnB, que não tem os mesmos gastos. Indivíduos com um quarto sobrando em sua casa ou apartamento podem cobrar menos – às vezes muito menos – do que empresas estabelecidas da indústria.

E banqueiros podem se irritar com serviços de empréstimos peer-to-peer. Bancos centrais estão nervosos com o surgimento da Bitcoin. Essa é a reação dos interesses econômicos estabelecidos contra inovações que ameaçam a sua vantagem competitiva no status quo atual.

Essa resposta é exatamente o esperado em qualquer período de grande mudança causada por inovações econômicas. Rentistas não gostam de perder suas posições de poder.

Mas e quanto à oposição ideológica? Aqui é onde as coisas ficam estranhas. Os adversários do capitalismo têm reclamado por mais de um século do poder que o capital tem sobre a força de trabalho, tudo baseado na ideia de que os trabalhadores têm direito a uma porção legítima da propriedade dos meios de produção e a parte dos lucros da empresa. Eles têm dito que isso é exploração. Eles têm defendido um sistema em que o poder que pertence ao capital é transferido para os trabalhadores.

Socialistas estão conseguindo o que querem

Bom, essa mudança parece ser exatamente o que está acontecendo – não através da revolução socialista ou de mandatos políticos, mas através da própria evolução dos mercados. A produtividade e interação econômica estão ocorrendo cada vez mais sem a intermediação de grandes empresas, graças às inovações tecnológicas.

Vemos os adversários do capitalismo tradicional comemorando? Longe disso. Não dá para agradar esse pessoal.

Ofereço como prova um artigo muito compartilhado que surgiu no site Jacobinmag.com, a versão digital da revista Jacobin, que se descreve como “uma voz da esquerda americana, oferecendo perspectivas socialistas sobre política, economia e cultura“. O New York Times louvou essa publicação como “um sucesso improvável, impulsionado pela agitação radical do movimento Occupy.”

Resumindo, essa publicação é um baluarte das opiniões anti-mercado. E considerando sua popularidade, ela parece falar em nome de um público que é fortemente contra todo tipo de mercado. Então o que essa publicação tem a dizer sobre a economia compartilhada?

Contra o compartilhamento

O Uber é parte de uma nova onda de empresas que constituem o que é chamado de ‘economia compartilhada’”, escreve Avi Asher-Schapiro no artigo com o estranho título de “Contra o Compartilhamento”.

A premissa é de uma simplicidade sedutora: pessoas tem habilidades, e clientes querem serviços. O Vale do Silício funciona como intermediário, produzindo aplicativos que conectam o trabalhador a seu trabalho. Agora, qualquer um pode alugar um apartamento com o AirBnB, virar um taxista com o Uber, ou limpar casas usando o Homejoy.”

Até aqui tudo bem. Mas aí o autor mergulha fundo na piscina ideológica: “sob o disfarce de inovação e progresso, empresas estão destruindo as proteções trabalhistas, empurrando salários para baixo, e desprezando regulações estatais.”

Espere um pouco. Por “proteções trabalhistas”, o autor provavelmente está se referindo a regras que obrigam que empresas ofereçam diversos benefícios para seus trabalhadores, incluindo planos de saúde. Pode parecer que essas regras ajudam os trabalhadores, mas na verdade elas promovem dependência e aumentam o poder corporativo ao fazer com que trabalhadores fiquem com medo de abandonar seus empregos. Em vez de aumentar a mobilidade do trabalho, essas obrigações a reduzem.

Empurrando salários para baixo

Quanto a empurrar salários para baixo, estamos falando dos salários de quem? Essas inovações realmente podem reduzir salários entre os interesses estabelecidos. É por isso que sindicatos trabalhistas as odeiam. Mas com essa nova tecnologia, produtores são os novos participantes no mercado, e é óbvio que seus salários estão aumentando em relação ao que era, caso contrário eles não estariam trabalhando.

Além disso, existe a questão inescapável de oferta e demanda. Mais motoristas oferecendo o mesmo serviço, sem uma variação na demanda, realmente resulta em taxas mais baixas. O socialista que reclama que a competição do mercado resulta em salários mais baixos para alguns fica irritado quando uma elite estabelecida passa a ganhar um pouco menos. Mas o mesmo socialista é completamente indiferente à realidade cruel dos monopólios coercivos: eles obrigam a massa de consumidores a pagar de maneira injusta. Usar a força do governo para canalizar recursos escassos para um grupo seleto protegido politicamente não é um avanço na ordem social.

E quanto a “desprezar regulações estatais”, isso deveria ser uma coisa boa visto que essas regulações impedem o progresso, roubam os consumidores e reduzem a competitividade. Desprezar o Estado é algo que socialistas costumavam ter orgulho de fazer. Como eles decaíram desde o New Deal, quando a esquerda fez as pazes com o Estado corporativo regimentado.

Até aqui, é um artigo genérico de esquerda. Mas o autor introduz um argumento muito interessante.

Com a propriedade, vem o risco

Essencialmente,” ele escreve “a economia compartilhada é um esquema para transferir o risco das empresas para os trabalhadores.”

Aqui está uma afirmação notável. Finalmente, um socialista achou um motivo que justifica a existência de uma corporação: suportar os riscos especulativos de investir em um futuro incerto. A pergunta que não é respondida é por que corporações existiriam se elas não pudessem também obter lucros e assim sobreviver economicamente. Todo tipo de negócio surge por um motivo; e não é para suportar todo o risco e então morrer.

É verdade que sob a economia compartilhada, trabalhadores são donos de seus próprios empreendimentos. Em vez de depender da “burguesia” para decidir salários independente da produtividade, os trabalhadores ganham dinheiro como resultado direto dos serviços que oferecem.

Então é claro que com a propriedade dos meios de produção, vem o risco. Um sistema em que corporações suportam todo o risco mas não recebem nenhuma recompensa não pode funcionar. Igualmente, um sistema em que trabalhadores são donos do capital e recebem todos os ganhos sem nenhum risco envolvido é insustentável. É como dar boas notas para pessoas que não fizeram a prova, ou fazer a prova sem a perspectiva de ganhar boas notas. Os dados resultantes não vão significar nada. Seria um caos total.

O que esse argumento indica é uma falha central na ideologia socialista. Por séculos, socialistas tem falado sobre o empoderamento dos trabalhadores e a propriedade coletiva dos meios de produção. Mas eles nunca lidaram com um problema que deveria ser evidente: quem ou o que deve suportar o risco e a recompensa da especulação? Afinal de contas,  ”todo investimento de capital é especulativo“, escreveu Ludwig Von Mises, ”Seu sucesso não pode ser previsto com certeza absoluta.” E é assim com todo motorista na economia compartilhada, cada hospedeiro no mercado de compartilhamento de quartos, cada dono de BitCoin, cada mutuante no LendingTree.

Planejadores não conseguem alocar risco

Bem-vindo ao mundo real. É um lugar maravilhoso. A alocação exata do risco associado ao investimento não pode ser prevista por nenhum agente planejador. A alocação de riscos deve ser descoberta pelo mercado. Com serviços P2P, que estão descentralizando o ethos capitalista de forma radical, nós estamos descobrindo que trabalhadores na verdade querem suportar mais risco – com a esperança de ganhar mais do que ganhariam em trabalhos assalariados.

Portanto, a conclusão Asher-Schapiro está mais ou menos correta: “Não existe nada de novo ou inovador nesse modelo de negócios. O Uber é somente capitalismo em sua forma mais pura.” E é exatamente por isso que ele é maravilhoso, comparado com os sistemas econômicos corporativistas, monopolistas e mercantilistas gerenciados pelo Estado que tem sido a norma nos últimos 100 anos.

O que é estranho é porque o idealismo de esquerda condena essa transformação, em vez de aceitá-la. Isso é muito confuso, tão bizarro quanto a oposição da esquerda socialista ao Walmart, que trouxe produtos notáveis para os “trabalhadores e camponeses” a preços ridiculamente baixos, e a redes defast food, que tornaram dietas gloriosas disponíveis instantaneamente a preços que são absurdamente baixos e que estão caindo diariamente.

Não importa o quanto o capitalismo evolua na direção do controle direto dos trabalhadores e da soberania individual, reduzindo o papel das grandes empresas e dos monopólios, os socialistas ainda usam o velho argumento da exploração e pedem para que o governo faça alguma coisa a respeito. Lá se vai a revolução. São os capitalistas da era digital que recapturaram o idealismo revolucionário que os socialistas abandonaram há tempos.

Publicado também no Portal Libertarianismo.

 

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