Explicar políticas públicas é difícil, chato e trabalhoso. Difícil porque envolve a leitura de diversos documentos técnicos em áreas que muitas vezes a pessoa não tem domínio. Chato porque é um processo que envolve fazer analogia, contextualizar muita coisa e ser alvo de críticas infundadas de pessoas que não fazem a idéia do que estão falando. E trabalhoso porque a maior parte do público não tem o mesmo nível de conhecimento no tópico e/ou interesse que aqueles que dão a explicação. Nesse sentido, é entendível e até razoável que repórteres não saibam explicar políticas públicas, principalmente quando são políticas públicas implementadas em um outro país.

Por isso, a mídia brasileira, à direita e à esquerda está cheia de mentiras ou meias verdades sobre o sistema de saúde americano e, principalmente, sobre as reformas de saúde propostas pelo presidente Barack Obama no programa que ficou conhecido como Obamacare. Há pessoas que assumem que todas as críticas às 2500 páginas de legislação assinada pelo presidente são apenas motivadas por racismo. Por outro lado, há pessoas que acham que nessas 2500 não há nenhum parágrafo que se salva. E no meio, há a população brasileira que fica sem saber a verdade e acaba achando que os americanos são um povo sem coração porque eles não têm um sistema como o SUS — e esses mesmos brasileiros nunca foram informados que o governo dos EUA gasta per capita mais em saúde do que praticamente todos os outros países desenvolvidos do mundo.

Com o objetivo de melhorar esse debate, eu comecei a escrever a minha série de textos sobre a saúde na América. Primeiramente foi feita uma introdução aos temas e terminologias associados a essa conversa. Em segundo lugar, apresentei uma evolução histórica do sistema de saúde quando comparado com os fenômenos culturais, políticos e sociais pelo que o país passava. Agora, vou finalmente explicar aquela que foi a maior restruturação do sistema de saúde americano desde a década de 60, o Obamacare. Para fazê-lo, é necessário dividir a discussão em três etapas distintas (ou atos):

  1. A crise do sistema de saúde americano;
  2. A reforma proposta por Obama: o que ela propôs e o que ela não propôs;
  3. As conseqüências do Obamacare: quais são os elementos positivos e os negativos.

Nesse primeiro texto, vou tentar explicar o que seria a suposta crise do sistema de saúde que levou ambos candidatos à presidência em 2008 proporem um redesenho das regulamentações associadas ao setor de cuidados médico-hospitalares do país. Ela envolve parcialmente duas coisas que levam a uma presença cada vez maior do governo na vida dos cidadãos: um sistema de incentivos perverso desenhado através de políticas públicas ruins — muitas delas apoiadas e puxadas a diante pela mídia — e uma falta de entendimento ou respeito por escolhas individuais.

O que foi a crise do sistema de saúde americano nos anos 2000?

 

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