Por Valdenor Júnior

O modelo de Estado de Bem-Estar Social dos países nórdicos (Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia) continua a chamar a atenção e encantar pessoas ao redor do mundo. No Brasil, não é diferente. Nossa Constituição tem por objetivo conduzir o país em direção ao modelo nórdico.

Recentemente, o grau de desenvolvimento da Noruega tem atraído muita atenção. Na reportagem “Noruega, o país mais próspero do mundo”, publicada no Estadão, Jamil Chade foca nas garantias sociais providas pelo Estado norueguês:

“segundo a ONU, jamais uma sociedade atingiu nível de desenvolvimento humano igual ao de Oslo. (…) O imposto de renda é elevado, atingindo 42%. Mas existe um consenso de que o valor é justo para manter o sistema e que, de uma certa forma, tudo é devolvido em serviços. O Estado paga do berçário ao enterro, financia estudantes e até banca férias.”

Isso reproduz uma concepção de que o Estado de Bem-Estar Social extensamente generoso é a forma mais elevada de solidarismo que a humanidade já criou. Será esta conclusão verdadeira?

Há um paradoxo envolvido em dizer que os nórdicos expressam sua solidariedade por meio de um Welfare State generosíssimo. Esse paradoxo é evidenciado quando você analisa o papel que as associações de assistência mútua tinham antes da emergência dos Estados de Bem-Estar Social.

Como David Schmidtz coloca, os trabalhadores pobre no século XIX, que não podiam pagar sozinhos seus atendimentos médicos, não ficaram passivamente esperando o Welfare State; eles se organizaram em sociedades de ajuda mútua ou sociedades “amigáveis”, que conseguiram tornar o atendimento médico tão barato que chegou a ser visto como ultrajante pela classe médica organizada: conforme David Beito, em 1900, nos Estados Unidos, em alguns lugares foi possível obter acesso a um médico por 2 dólares ao ano, aproximadamente a diária de um trabalhador típico! (você pode ler mais sobre isso, em português, aqui)

Então, podemos anunciar o paradoxo da seguinte maneira:

“se o elevado grau de solidariedade dos nórdicos explica sua aceitação de alta tributação para o financiamento de um Estado de Bem-Estar Social generosíssimo, por que esse elevado grau de solidariedade não levou apenas à existência de redes de assistência mútua onde as pessoas devotassem parcelas altas de sua renda para a ajuda comum?”

Ou:

“se as pessoas são extremamente solidárias e desejam entregar dinheiro de bom grado para o bem-estar coletivo, porque são forçadas a entregar esse dinheiro?”

Existem muitos motivos pelos quais pensamos ser improvável que alguém devotasse 42% de sua renda para uma rede de assistência mútua. Não só “egoísmo”.

O Welfare State, ao monopolizar a prestação de saúde para grandes números de pessoas, permite que a classe médica organizada e grandes corporações do setor barganhem, por meios políticos, com esse provedor, prevenindo o barateamento; o contrário da dinâmica que o trabalho de David Beito evidenciou para as redes de ajuda mútua. Até porque, conforme a Lei de Director, o Estado de Bem-Estar geralmente beneficia mais as classes médias do que os mais pobres.

Portanto, se a solidariedade voluntária e a necessidade de assistência mútua não dirigiriam as pessoas rumo a um “Welfare State” nórdico por meios estritamente voluntários, como explicar o aparente solidarismo desse modelo de Estado?

Os próprios países nórdicos apresentaram, no Fórum Econômico Mundial de 2011, a chave que soluciona o paradoxo. É o documento “Nordic Way”, especialmente o texto “Social Trust and Radical Individualism”.

Seus autores, Henrik Berggren e Lars Trägårdh, defendem que não é a solidariedade, mas sim um robusto individualismo, que está por trás das instituições políticas nórdicas. A expansão do Welfare State foi acompanhada pela abolição das obrigações das pessoas umas com as outras, como a de sustentar os pais na velhice. A ideia é que ninguém deveria precisar de outra pessoa, e nem precisar ajudar ninguém mais além de si mesmo – salvo financiar e depender do Estado como burocracia impessoal.

Por isso mesmo alguns rotulam tais países como “experimentos sociais extremos”, uma vez que é possível uma pessoa viver sem interagir com nenhum de seus semelhantes, desde que seus laços com o Estado Social não sejam rompidos.

Perceba a ironia: o libertarianismo já foi muito criticado por pressupor indivíduos atomizados, por supostamente ignorar os laços sociais humanos, mas a ausência de um Estado de Bem-Estar Social no passado não os atomizou, ao contrário, criou um incentivo para organizar-se com base em preceitos de ajuda mútua. Enquanto isso, o modelo nórdico de Estado de Bem-Estar Social tem o objetivo explícito de atomizar as pessoas!

Além disso, do ponto de vista da desigualdade global, esses países são verdadeiros “condomínios de luxo” . Como seu Welfare State generosíssimo para uma população demograficamente reduzida não é compatível com livre imigração, especialmente imigração de trabalhadores desqualificados, a tendência natural de seu jogo político é tender para mais restrições à imigração de pessoas pobres , conforme textos do sueco David Grobgeld denunciam. A própria Noruega atualmente é governada por uma coalizão que inclui o Partido do Progresso, fortemente anti-imigração.

Enquanto o Welfare State ajuda as populações já prósperas desses países (no total, cerca de 25 milhões de pessoas), a abertura das fronteiras poderia ajudar centenas de milhões e mesmo bilhões de pessoas muito pobres ao redor do mundo.

Assim, o paradoxo resta resolvido. O modelo não está pautado em solidariedade no sentido mais robusto da palavra. Ao contrário, o alvo é não precisar ajudar alguém ou entrar em compromissos de assistência mútua. O Welfare State nórdico não é a maior expressão de solidarismo, tendo em vista a atomização que propicia. A “redistribuição impessoal” do Estado de Bem-Estar, é tão automática como um robô e tão fria quanto o inverno rigoroso dos países nórdicos. Por isso, não surgiu e não se manteve por meios voluntários.

Em contraponto, redes de assistência mútua desenvolvidas antes e fora do Estado são expressões ímpares de como fazer florescer ajuda mútua autêntica entre as pessoas, robustecendo a interação humana, sem precisar de coerção ou de comando centralizado.

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