Muitas pessoas associam o preço pago por um serviço — quando ofertado em um mercado privado — à qualidade daquilo que se contrata. Entretanto há pesquisas de diversos especialistas demonstrando que o alto preço não necessariamente reflete a qualidade do cuidado recebido pelo paciente. Em grande parte, esse descolamento está relacionado às regulamentações impostas pelo governo, que geram restrições artificiais de oferta e diminuem a competição entre os profissionais. Além disso, é importante lembrar que, como qualquer variável relacionada a políticas públicas, a qualidade dos tratamentos é várias vezes estudada segundo perspectivas erradas, principalmente por interpretações equivocadas dos dados, o que dificulta a análise do sistema como um todo.
Por exemplo, algumas métricas comuns para medir a qualidade de um sistema de saúde são a expectativa de vida de uma pessoa ao nascer e a mortalidade infantil. Entretanto, esses dois índices estão sujeitos a variações devido a fatores que não se encontram no campo dos sistemas de saúde, como estilo de vida e escolhas individuais, taxas de criminalidade, acidentes de trânsito, e mesmo fatores educacionais. Esses outros determinantes de saúde são sempre lembrados para elogiar um sistema, mas normalmente são esquecidos quando o objetivo é criticar seus resultados. O economista Angus Deaton, ganhador do Prêmio Nobel desse ano, é um dos famosos estudiosos de como os determinantes sociais de saúde são importantes — muito mais do que elementos como desigualdade de renda — para entendermos a condição de um sistema de saúde.
Existem diversos fatores que podem levara problemas das análises, mas o principal deles é se trabalhar com números que não estão relacionados a uma só variável. Quando pessoas usam dados relacionados a múltiplos elementos e não corrigem para fatores externos, elas tendem a superestimar ou subestimar a contribuição de uma dada variável no cômputo geral da estatística. Como Carlos Góes demonstrou no seu artigo sobre o desarmamento, muitas vezes se consideramos só um dos fatores na análise, acabamos enviesando nossos dados e, principalmente, nossas conclusões.
Estudando o caso da expectativa de vida ao nascer, nós somos ensinados na escola que ela é o número médio de anos que um grupo populacional nascido numa mesma data pode esperar viver, caso se mantenham as mesmas taxas de mortalidade e natalidade da época do nascimento. Ou seja, ela envolve diversas fatores que afetam tanto a natalidade quanto a mortalidade e que não necessariamente são relacionados ao sistema de saúde.
Um exemplo de como essas distorções estão presentes pode ser visto na análise do sistema de saúde dos EUA, em que se critica o valor pago devido a resultados abaixo do esperado segundo a ótica da expectativa de vida. Entretanto, caso corrijamos o cálculo da expectativa de vida para pessoas que não morrem em acidentes de carro e suicídios — fatores não relacionados a cuidados médicos –, por exemplo, a população americana vive mais do que qualquer outra dos países ocidentais. O mesmo valeria para o Brasil em que, caso corrigíssemos os dados de mortalidade para assassinatos, quando da análise das políticas públicas de saúde veríamos alguns resultados um pouco melhores do que os divulgados nos noticiários.
Isso acontece porque normalmente as pessoas que morrem tanto em acidentes de carro como aquelas que são assassinadas são jovens em relação a idade média de mortes por causas naturais da população. Desse modo, os dados da expectativa de vida ficam “contaminados” com informações que não dizem respeito a qualidade do sistema de saúde de um país e, portanto, se torna essencial analisar se as métricas consideradas são realmente bons indicadores da qualidade do sistema de saúde de um país.