Por Stephan Kinsella. Tradução de Vicentte Jalowitzki de Quadros.

 

Como todo mundo, minhas visões políticas e éticas evoluíram ao longo do tempo. De um ambiente um tanto racialista na Louisiana rural, eu conscientemente rejeitei o racismo no início da adolescência. A partir de uma infância de devoção católica, me tornei secularista e livre-pensador ainda relativamente jovem. De um belicoso reaganismo libertário conservador aos 18 anos, rapidamente me tornei um inflexível libertário minarquista e depois um anarquista. Minha exuberância randiana-conservadora e pro-Estados Unidos inicial cedeu espaço para uma visão muito mais crítica do maligno efeito norte-americano na história mundial e minhas ideias simpáticas às suas fundações foram substituídas por ceticismo, desdém, desprezo e arrependimento. Sobre o aborto, inicialmente fui militante pro-escolha no sentido randiano, mas ao longo dos anos minha aversão foi aumentando até o ponto de eu achar que, ao menos em estágio final, aborto é equivalente a assassinato (mesmo assim não sou a favor de ser proibido por estados). Em ações afirmativas, minha visão conservadora e extremada de “meritocracia” cedeu lugar a uma abordagem praticamente contrária. Minha atração inicial a argumentos baseados em direitos e leis naturais lentamente mudou para um entendimento mais realista, focado em uma análise transcendental. A despeito de minha assunção inicial – hesitante e conturbada – da legitimidade da propriedade intelectual, depois de lutar para encontrar uma maneira melhor para sua defesa do que os argumentos randianos e utilitaristas, eu finalmente acabei pro rejeitá-la por perceber não ser compatível com os direitos de propriedade. E ainda que eu tenha inicialmente concordado com ideias centralistas celebradas por alguns libertários, como as [decorrentes] de Lochner [vs. New York, caso julgado pela Suprema Corte dos EUA em 1905 (NT)], eu acabei por desenvolver um ceticismo radical da sabedoria e legitimidade de confiar em um estado central para monitorar ações estatais. Em ainda outro exemplo, apesar de a princípio aceitar os argumentos de Hayek para o problema do conhecimento, fiquei mais cético de sua coerência no nascer do debate sobre a “desomogeinização” austríaca.

 

E assim foi com o casamento gay. Minha visão evoluiu de uma moderada ambivalência e recomendação de uniões civis (ver “Gay Marriage, Feb. 2004; “The Libertarian View on Gay Marriage, June 2006) para uma posição cada vez mais  favorável ao casamento homossexual (“Second Thoughts on Gay Marriage, Nov. 2006). E se tornou ainda mais claro para mim agora: eu não estou mais relutante.

 

Por que eu sou a favor do casamento gay? Primeiramente, eu nunca fui minimamente homofóbico, a despeito das opiniões preconceituosas dos “iluminados” liberais (afinal, eu sou do Sul!). Homofobia, portanto, não teve parte no assunto para mim. Eu era inicialmente um tanto oposto ao casamento gay, não pelas razões usuais de “prejudicar” a “instituição casamento” e toda essa bobagem, mas por temer que a união (a) iria instantaneamente conferir mais direitos positivos aos casais gays e (b) seria posteriormente usada para requerer uma lei antidiscriminação a ser aplicada a gays, ao que, obviamente, eu era e continuo sendo contrário. Eu ainda concordo com essas preocupações, mas elas não são dispositivas.

 

O caso para o casamento gay é o seguinte: em uma ordem privada, o Estado não iria se envolver. Contratos seriam assegurados por um sistema legal privado, incluindo contratos de regimes consensuais como o casamento. O casamento seria um status privado reconhecido socialmente, com efeitos contratuais e legais relacionados: padrões de propriedade compartilhada, presunções de mútua responsabilidade, assunções de guarda, direitos de decisão e visitação médicas, pensão e considerações relacionadas ao término do vínculo contratual. Religiões e grupos sociais iriam primeiramente reconhecer somente uniões heterossexuais como casamento, mas, eventualmente, com a secularização da sociedade, casais gays começariam a ser mais abertos sobre o relacionamento, se referindo a seus companheiros como parceiros, e teriam cerimônias de casamento. A sociedade majoriariamente poderia ser relutante a aceitar uniões homossexuais no conceito ou termo “casamento”, mas eu acredito que polidez, boas maneiras, aumento de exposição e familiaridade com homossexuais assumidos (colegas de trabalho, familiars) e  maior cosmopolização e secularização sociais resultariam emu ma complete inclusão, talvez com algumas reservas pontuais. Ou talvez não, mas acredito que sim. Em qualquer dos casos, os regimes contratuais associados com qualquer tipo de união consensual seriam reconhecidos e protegidos, seja para casais heterossexuais, casais homossexuais, irmãs solteironas, parceiros de fraternidade, grupos, etc. Os casais héteros, e talvez uniões grupais do tipo “um homem com várias mulheres”, seriam referidas como casamento, e os membros como maridos e esposas. Talvez os parceiros em uniões homossexuais seriam denominados cônjuges casados; talvez não. Acredito que sim, eventualmente, mas isso é irrelevante. Não haveria discussões legais; atos capitalistas voluntários entre adultos teriam efeitos legais, independentemente da denominação da união acessória.

 

NO ENTANTO, o Estado está envolvido. Mesmo agora eu entendo que o Estado não deveria se envolver com o casamento, apesar de ele insistir em monopolizar o sistema legal. Idealmente, o Estado deveria parar de controlar o casamento e somente fazer cumprir quaisquer arranjos contratuais subordinados a uniões voluntárias, a despeito de como os membros ou a sociedade chamam essas variadas uniões.

 

Mas por enquanto, o Estado monopoliza as leis e regulamentos referentes a propriedade compartilhada, guarda de menores, decisões médicas e relacionadas à morte e visitações, e demais assuntos relacionados. E o Estado insiste em selecionar as relações às quais ele vai garantir os efeitos contratuais completos da categoria “casamento” (o que significa somente que o Estado usa a palavra “casamento” nas legislações dando efeito ao arranjo consensual de indivíduos). Que seja. Se o Estado irá monopolizar o sistema de leis e cortes de justiça, se vai insistir em rotular como “casamento” qualquer relacionamento a cujos incidentes contratuais ele vai permitir reconhecimento legal, então obviamente ele não tem o direito de negar o mesmo a casais gays que desejem ter os aspectos civis de seus relacionamentos reconhecidos.

 

Sim, é verdade, isso provavelmente vai acabar com gays sendo incluídos em leis antidiscriminação. E daí? Que as leis antidiscriminação que sejam abolidas, então.

 

E para os cristãos fundamentalistas que estão tão preocupados com isso: quem se importa com qual palavra o Estado usa na redação de uma lei que dá efeitos a contratos entre privados? Se você é oposto a isso, pare de suportar o Estado e leis positivas. (E se você odeia que evolucionismo seja ensinado em escolas públicas, pare de matricular seus filhos lá; pare de suportar impostos, democracia, o Estado e as escolas públicas.)

 

E para os que argumentam que o casamento gay vai “prejudicar o casamento”: não faz sentido. Como o casamento de qualquer pessoa vai ser prejudicado pela escolha de palavra usada na redação de uma lei artificial feita por um Estado criminoso? Ainda: mesmo que de fato prejudique a “instituição” casamento, esse é o resultado do monopólio estatal sobre essa área, ou de sua incapacidade de fazer cumprir na totalidade regimes contratuais de relações voluntárias que estejam fora dos “padrões”, uma vez que as mesmas não correspondem à definição tradicional de casamento – isso não é desculpa!

 

E aos libertários “puristas” que dizem que nós não deveríamos aumentar o tamanho do Estado dessa maneira: bem, o Estado também não deveria ter estradas, mas nós não nos oporíamos a leis que banissem gays dessas estradas? Nós nos esconderíamos em argumentos como “- Bem, é verdade que não é legal o Estado proibir gays de usarem as estradas, mas a solução não é permitir que gays usem as estradas: é abolir estradas públicas!”? Não.

 

O casamento gay viola os direitos de alguém? Não. Não é um ato de agressão. Os direitos de gays são violados ao ter seus relacionamentos privados de efeitos legais em razão do monopólio estatal do sistema judiciário? Sim. (Toda essa bagunça e outras considerações (ver  State Monopolization of Marriage Eviscerates Private Contract) deveriam também realçar aos gays por que eles deveriam também se opor ao Estado e seu envolvimento em toda essa área).

 

Resumindo: o Estado deveria deixar de controlar o casamento. Mas se ele existe e monopoliza o sistema legal, ele deve assegurar o cumprimento de quaisquer aspectos contratuais de regimes acordados consensualmente entre dois adultos. Como eles chamam isso é irrelevante. Idealmente, não haveria um rótulo e a sociedade decidiria suas convenções nominais. Mas não se deve permitir que o Estado dificulte os direitos de quaisquer casais somente por insistir em decretar  o que é e o que não é “casamento”. Se o Estado insiste em regular uniões e rotulá-las “casamento”, então os gays devem ter o direito de legalmente proteger seus relacionamentos e regimes associados. O Estado infringe seus direitos a isso ao monopolizar esse campo e negar-lhes entrada.

 

Os libertários não deveriam somente ser a favor do casamento gay: eles deveriam obviamente ser a favor do casamento gay.

 

 

 

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