Qual modelo de telefonia e banda larga adequado?

Soa melhor termos corporações de telefonia, que prestam serviço de banda larga, gigantes e monopolistas, financiadas pelo governo via BNDES, que são tão gigantes e parecidas que tem pouco incentivo em atender o desejo do consumidor, e ficar torcendo pra Anatel e para o governo enfiarem um monte de regulamentação nelas para atender os nossos desejos ou anseios, ou termos várias empresas de telefonia menores, locais, perto da comunidade, cada uma com seus planos, entre eles planos ilimitados?

Me parece que a segunda opção é melhor para o consumidor, mais eficiente na alocação de recursos privados e mais barata aos cofres públicos. Desse modo, temos de pensar: como chegar nesse patamar? Como alterar uma lógica altamente corporativista, monopolista e controlada pelo Estado por um modelo mais livre, sem que essa liberdade seja uma liberdade da grande corporação ter o direito de agir com poder discricionário para cima do consumidor, e sim uma liberdade em que floresçam novos serviços de telefonia e banda larga que ofereçam uma internet rápida, confiável, neutra e sem limites. É possível?

Minha tese é de que sim, é possível, e vou desenvolver o porquê.

O cenário atual

Antes de falar sobre desregulamentação e operadoras locais, temos de entender como funciona o setor de telefonia e banda larga no Brasil hoje. Existem seis grandes operadoras, Vivo (que recém adquiriu a GVT), Oi, NET, TIM, Algar e SKY. Embora existam essas 6 alternativas nacionalmente, em boa parte das capitais o brasileiro precisa escolher entre apenas três, e no interior, entre duas ou uma só que tem cobertura em seu município. Alguns municípios nem operadora tem, e eles tem de recorrer à internet via rádio (volto em breve nesse tema).

Essa pequena quantidade de operadoras em um país com dimensões continentais e uma população com mais de 200 milhões de habitantes se explica pelo alto custo de entrada para se tornar um competidor nesse mercado. Mas será que esse mercado é um mercado naturalmente monopolista e de alto custo, ou ele se tornou assim devido a políticas estatais de telefonia e banda-larga?

Certamente em qualquer país do mundo, criar uma infra-estrutura de cabear um país inteiro não é simples, nem barata. No entanto, no Brasil, esse custo alto de entrada enfrenta ainda barreiras artificiais: regulamentação e subsídio aos concorrentes.

A regulamentação é pesada, de acordo com a resolução mais recente que lida com o tema (nº 614, 28 de maio de 2013), para obter autorização para prestação de serviços de “Comunicação Multimídia” (entre eles, acesso à internet), a empresa não pode ser optante do Simples Nacional, deve obedecer 74 artigos de regulamentação empresarial (entre eles artigos que obrigam a empresa a guardar por 1 ano registros de conexão dos usuários, e a ter um call center para atendimento e reclamação 24h por dia, que não pode ser terceirizado), deve obter 6 licenças iniciais, mais licenças autorizatórias referentes a cada projeto técnico novo sugerido, que precisa passar pelas esferas municipal, estadual e federal, que possui um custo de autorização que varia entre (R$400 e R$9000).

Essa regulamentação pode soar, na primeira leitura, positiva ao consumidor. A ANATEL e o Ministério das Comunicações, quando coloca regras estritas para que uma prestadora preste os serviços, estaria presando pela qualidade do serviço prestado, do atendimento prestado ao consumidor e pela natureza técnica adequada da prestação do serviço. Na prática, usuários de serviços de telefonia e sobretudo banda larga no Brasil sabem que essas garantias legais não implicam essa qualidade vista na prática. No entanto, é preciso colocar na balança aquilo que talvez não enxergamos ao pensar em políticas públicas: as consequências negativas e aquilo que não é visto. Nesse caso,essas regulamentações colocam uma barreira invisível contra competidores menores.

Apenas as grandes corporações tem a capacidade real de bancar custos de: compreender,  processar e executar todas essas regulamentações. Essa é a primeira barreira de entrada.

A segunda barreira de entrada diz respeito ao subsídio dado pelo BNDES às grandes corporações de telefonia no Brasil hoje, em um corporativismo nefasto, por muitas vezes confundido com o próprio capitalismo, como na definição de Noam Chomsky de que o capitalismo é a “socialização do risco e do custo e a privatização do lucro”. O Estado hoje, através de empréstimos subsidiados pelo BNDES e de isenções fiscais focalizadas, transfere renda dos pagadores de impostos para as grandes corporações de telefonia, para que expandam suas redes de fibra-ótica. Em 2013, liberou 100 bilhões de reais para que as teles melhorassem a infra-estrutura tecnológica do país. Emulou, inclusive, um incentivo às pequenas operadoras, no entanto, exigia delas as mesmas regulamentações das grandes, o que na prática resultou na participação massiva apenas das gigantes. Uma vez pronta a obra, essa infra-estrutura se transforma em patrimônio da empresa, agindo assim as grandes corporações de telefonia brasileiras como empresas para-estatais, a regulamentação é pública e o custo também. Só o lucro é privado.

Como o competidor pequeno poderia pensar em entrar em um mercado em que o Estado: cria dezenas de regulamentações restritivas, técnicas e fiscais, e doa infra-estrutura e permite que o seu concorrente fique com todo o lucro?

O caminho da descentralização

Com um cenário atual altamente controlado, monopolizado, com conchavos entre agência reguladora, governo e operadoras de telefonia, fica difícil imaginar um cenário de decentralização. Mas é possível, e essa possibilidade passa por entender como funciona o serviço de internet na Romênia e no Japão.

Romênia e Japão

A Romênia tem a maior velocidade média de acesso à internet da Europa e supera também os Estados Unidos. Como um país que estava na esfera de influência da união soviética, que até o começo da década de 90 sequer tinha infra-estrutura de telefonia chegou em 2016 com a melhor internet da Europa?

A resposta passa pela descentralização e pela não-regulamentação. Quando o Romênia deixou de ser uma das repúblicas socialistas soviéticas e passou a ser um Estado soberano, não possuía tanto gás e outros recursos naturais como seus vizinhos, portanto, precisou de uma sólida fundação e reestruturação de toda sua economia. Nesse sentido, o Estado durante toda a década de 90, esteve relativamente ausente do processo de regulamentação de redes de telefonia e sobretudo internet. Mas isso não impediu os Romenos de quererem acessar a grande rede. No fim da década de 90, milhares de associações de moradores e bairros de dezenas de cidade da Romênia, criaram redes locais ou intranets entre seus moradores. Aqueles poucos que tinham acesso à grande rede, eram responsáveis por buscar nela dados e informações e depois fazer upload destas na intranet local de seu bairro.

Quando a banda-larga chegou para disponibilidade na Romênia, a infra-estrutura local já estava dada. Portanto, não havia tanto estímulo para empresas de telefonia que oferecessem o serviço “final” aos moradores atuarem, no lugar delas, surgiram provedores que ofereciam o serviço de puxar os cabos e as conexões da grande rede até uma central nas cidades, e cobrar o aluguel dessas associações de moradores e de bairros que proviam esse serviço de intranet, que assim conectaram-se à grande rede e se tornaram provedores locais de internet. Mais tarde surgiram operadoras de telefonia mais parecidas com o que vamos hoje no Brasil e na maior parte do mundo, mas os pequenos provedores locais que alugam infra-estrutura dessas outras empresas coexistem.

O Japão tem um funcionamento similar, as operadoras que oferecem conexões de linha não são as mesmas que são provedores de internet. Essa dissociação lá cria, na prática, o mesmo efeito que foi criado naturalmente na Romênia: uma empresa provê a tecnologia de puxar os cabos de internet até o local, e outras alugam esses servidores e tecnologias e prestam o serviço de oferecer planos, modelos e velocidades para os clientes.

E no Brasil?

Apesar de toda burocracia, dificuldade, inúmeros custos e barreiras de entrada, o Brasil é um dos países que mais empreendedores no mundo, inclusive em serviços de descentralização de internet banda larga. Geralmente em cidades menores ou em locais em que o “cabeamento” de internet não chega, as prestadoras via rádio adquirem um link dedicado (uma espécie de acesso à internet muito rápido e ilimitado) de alguma das grandes operadoras de telefonia e dividem esse link dedicado em faixas que são revendidas via rádio para os consumidores. Como o custo é elevado, sobretudo por conta das regulamentações e por alugar das operadoras já existentes, a maioria desses serviços de internet via rádio, prestados em locais em que cabos de telefonia ou fibra-ótica não chegam, geralmente com falta de concorrência, tem preços lá pra cima e qualidade do serviço muitas vezes abaixo do limite do tolerável.

No entanto, esse modelo Romeno e Japonês ganha cada vez mais adeptos no Brasil. A startup “Reabra” chega aqui com esse exato propósito: descentralização do serviço de operadora de internet no Brasil. A ideia deles é a de instalar backbones (o cabeamento por trás da banda larga) de fibra-ótica, e então alugar o serviço para dezenas ou centenas de provedores de internet que queiram competir entre eles e prestar esse serviço ao consumidor. A própria Reabra tem regras que impedem que esses provedores quebrem a neutralidade da rede e estabeleçam limites em franquias. Por enquanto, eles operam na grande São Paulo, onde conseguiram superar todas as barreiras burocráticas da ANATEL, do Ministério das Comunicações e da prefeitura, e conseguiram instalar redes que permitem um funcionamento parecido com o da infra-estrutura japonesa.

A dissociação da operadora do serviço de infra-estrutura com a prestação do serviço de prestadora de internet (ISP) e planos tem tudo para descentralizar a natureza dos dois processos, melhorar a rede instalada de internet no país, beneficiar as operadoras e o empreendedorismo local, reduzir o poder discricionário do Estado e das grandes corporações sobre as decisões dos indivíduos e, por fim, beneficiar o consumidor com mais liberdade de escolha.

Para estimular um cenário assim no Brasil, parece fazer sentido uma desregulamentação do setor de telefonia e internet que vem de baixo para cima (desregulamentando primeiro pequenos e médios provedores de internet e de infra-estrutura), com um corte de subsídios que vem de cima para baixo (cortando primeiro o subsídio de grandes corporações de telefonia).

As regulamentações sobre infra-estrutura e gestão do solo para passar os cabos poderiam ser simplificadas e unificadas em todos os estados. Já o modelo de gestão tecnológica do setor — para protocolos de rede e de conexão — parece fazer mais sentido se for gerido de forma descentralizada por entidades da sociedade civil. Já temos uma experiência assim bem sucedida na internet brasileira, a gestão do universo “.br” é feito de forma autogestionada e descentralizada.

Dessa forma, mais prestadoras locais poderiam surgir para alugar o serviço do Reabra, mais serviços de operadora equivalentes ao Reabra poderiam surgir nacionalmente, seja em cidades em que o Reabra não conseguiu estar, seja em cidades em que ele está, para concorrer com ele. Mais serviços, mais qualidade e menores preços poderiam vir nas operadoras via rádio. Além disso, as 6 grandes corporações da telefonia teriam uma concorrência real e de alto nível, perderiam benefícios estatais e precisariam melhorar sua qualidade de serviço, preços e planos para convencer parte da base de usuários a não migrar para esse novo cenário. O consumidor só sai ganhando.

Resumo

  1.  Será que é melhor a gente ter grandes corporações de telefonia e ficar torcendo pra Anatel enfiar um monte de regulamentação nelas ou a gente ter várias empresas de telefonia menores, locais, perto da comunidade, cada uma com seus planos?
  2. A tese é que a segunda opção é a melhor, sendo isso, vou tentar pensar em qual melhor jeito de chegar lá? A experiência de descentralização Romena e a legislação japonesa pareceram dar resultado, criando concorrência entre dois tipos de prestação de serviço: a infra-estrutura e a operadora de internet. Essa dissociação entre os serviços nesses países gerou alta concorrência, baixos preços e ótima qualidade.
  3. No Brasil, há iniciativas semelhantes como a Reabra, que permite oferecer a infra-estrutura de fibra ótica para aluguel de operadoras e prestadoras de serviço locais. Iniciativas assim seriam beneficiadas com uma desregulamentação que vem de baixo pra cima e um corte de subsídios que vem de cima pra baixo.
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