A lei das cotas, sancionada em 2012, obrigou as instituições federais de ensino a oferecerem 50% de suas vagas para estudantes da rede pública de ensino. Destes 50%, metade passou a ser de preenchimento obrigatório por alunos pertencentes a família de baixa renda, de até 1,5 salários mínimos. Além disso, as vagas também passaram a dever ser preenchidas por proporções, no mínimo, iguais de pretos, pardos e indígenas em relação a unidade da Federação na qual a instituição está localizada.
Um questionamento costuma ser comum: e se as famílias de renda mais alta colocarem seus filhos em escolas públicas para que os alunos participem das cotas?
Thiago Cardoso, da Universidade de São Paulo, realizou um estudo que busca quantificar essa possibilidade.
O estudo utilizou dados de dois estados: Minas Gerais, onde as universidades federais são muito importantes e lei de cotas representou uma mudança institucional significativa; e São Paulo, onde as estaduais são mais importantes e a mudança menos significativa.
Thiago encontrou evidências de que a crítica é válida e há mudança dos filhos de família mais rica para a escola pública.
Em Minas Gerais, na comparação entre o ano anterior e o posterior da implementação da Lei de Cotas, aumentou em cerca de 2,2% a probabilidade de um estudante de renda alta mudar para a rede pública na 1º ano do ensino médio, representando uma aumento de 20%.
Já quando comparam-se os dados referentes a 3 anos anteriores e 3 anos posteriores à implementação, o efeito estimado dobra e a probabilidade de mudança do estudante passa para 4,3% .
Em São Paulo, no caso da análise de um ano antes e depois da lei, houve aumento de 1,2% da probabilidade de migração, representando uma variação de 8% em relação à probabilidade antes da lei; já na análise com 3 anos antes e depois, o aumento é de apenas 0,1%, sendo não significativo.
Essa comparação é importante. Em economia, por mais que os pesquisadores usem métodos sofisticados para isolar o impacto da Lei de Cotas, nem sempre é suficiente. Essa comparação, com suas diferenças gritantes, reforça bastante os resultados.
Um ponto interessante foi que, tanto para São Paulo quanto para Minas Gerais, alunos provenientes de escolas privadas cujos professores possuem pós-graduação foram menos impactados pela lei. Isso sugere que o incentivo à mudança foi maior para alunos de escolas com pior qualidade.
A Lei de Cotas foi aprovada após intenso debate e até hoje é fruto de controvérsias e críticas. Algumas delas foram desmentidas – as cotas não parecem diminuir a qualidade dos alunos selecionados, por exemplo. A analisada pelo estudo de Thiago Cardoso, por outro lado, foi confirmada.
Isso é importante para o debate porque uma das principais intenções das cotas é dar acesso à universidade a quem não o teria de outra forma. Foi este, por exemplo, o argumento de Pedro Menezes quando defendeu a Lei neste Mercado.
Se alunos mais ricos usam um caminho reservado a quem não tinha outra opção, o foco das cotas diminui. Isso é ainda mais grave porque, como publicado numa Nota de Política Pública também neste Mercado, o acesso já é extremamente desigual. O gráfico abaixo, calculado a partir da PNAD (IBGE) mostra a probabilidade de um jovem entrar numa universidade federal, dada sua renda.
Existem muitas soluções possíveis para o problema. Uma delas é reforçar o critério de renda e enfraquecer outros, como o estudo em escola pública. Ou cobrar mensalidades de quem pode pagar. A discussão pode e deve existir. O importante é que, seja para criticar ou defender as cotas, é importante observar quais dos seus defeitos são reais.