O novo Ministro da Saúde, Ricardo Barros, gerou alvoroço ao declarar ser necessário rever o tamanho do SUS. Apesar de direitos positivos serem dogmas para muitas pessoas, programas estatais estão sujeitos a disponibilidade de recursos do governo. Toda e qualquer administração deve operar dentro das limitações orçamentárias ou incorrer em endividamento — que significa sacrifício do bem-estar das futuras gerações — a fim de proporcionar os programas definidos nas legislações.
No caso do Brasil, o problema é ainda mais complicado, pois grande parte dos gastos a nível federal são obrigatórios, muitos deles definidos pela Constituição, o que gera grandes chances de desequilíbrio fiscal e problemas a longo prazo. Por causa de definições legais, mesmo em uma situação de queda orçamentária, muitos gastos do governo podem subir — como é o caso das aposentadorias e do seguro desemprego –, e isso leva a déficits primários e a um aumento contínuo do endividamento do país. Aliás, atualmente, a dívida pública já supera 70% do PIB e pode chegar a 90% caso a trajetória atual se mantenha.
Num cenário como esse, o comentário do novo ministro não deveria ter gerado espanto. Todavia, devido a uma pobreza do debate político no Brasil e à filosofia de “farinha pouca, o meu pirão primeiro”, muitas pessoas se revoltaram com o que foi dito, inclusive organizando atos em protesto contra a proposta.
Entretanto, diferentemente da premissa da maior parte das pessoas que cegamente defende o SUS, é impossível que um sistema de saúde, tanto público quanto privado, seja universal no acesso dos pacientes a cuidados médicos e também no tratamento de doenças. É operacionalmente inviável, como já demonstrado neste artigo.
Além disso, ressalta-se que nenhum sistema de saúde no mundo atende a todas as pessoas e trata todas as doenças ao mesmo tempo, como o SUS propõe. Mesmo o sistema em que o SUS se baseou, o NHS britânico, e o sistema sueco — tido como referência para muitos profissionais de saúde brasileiros, –apresentam grandes restrições de cobertura e exigem o co-pagamento de consultas, procedimentos ou medicamentos. Nesses dois países, também é comum ver notícias de pessoas que passaram meses esperando por atendimento médico e de pessoas que morreram por falta de medicamentos específicos, ambulâncias, leitos, entre outros fatores. Óbvio que, por serem países mais ricos e mais desenvolvidos, os problemas não estão na mesma escala dos brasileiros, mas os problemas observados lá são idênticos aos observados na terra brasilis.
Mas por que é necessário racionar cuidado ou selecionar quais doenças devem ser tratadas?
A resposta simples é escassez. Mas para explicá-la, vamos dar um exemplo simples: digamos que todo dinheiro do orçamento do governo federal seja colocado em saúde. Isso totalizaria aproximadamente 1,5 trilhão de reais destinados a cuidados médico-hospitalares. Como a população brasileira é de aproximadamente 205 milhões de brasileiros, o governo poderia gastar, em média, com cada habitante do Brasil aproximadamente R$ 7.300,00 em cuidados médicos, seguindo o princípio de igualdade mais extrema possível. No entanto, esse valor não é suficiente para pagar nenhum tratamento de câncer e nenhuma internação de longo prazo, estimada como sendo pelo menos dois meses de internação, com diária média de 200 reais.
Sem precisar entrar na questão de número de médicos, distribuição de hospitais, disponibilidade de equipamentos e remédios, já vemos que os recursos não são suficientes para atender todas as pessoas ao mesmo tempo. Então, é preciso começar a pensar em direcionar o dinheiro de alguma forma, o que incorre na não universalidade do sistema. Por exemplo, se o governo decidisse focar em um parcela correspondente aos 20% mais doentes (ou mais pobres, conforme o critério político a ser escolhido), cada pessoa teria direito a algo próximo de 36.500 reais. Já seria possível melhorar muita coisa, mas ainda assim não conseguiríamos garantir o acesso a medicamentos mais modernos, nem a todos os tipos de tratamento para doenças de alto custo.
Todavia, nem se o Brasil investisse todo o seu Produto Interno Bruto (PIB) em saúde seria possível pagar o tratamento de todas as doenças e de todos os pacientes ao mesmo tempo. Faltam recursos não porque o país é pobre ou porque a verba é pequena, mas porque a demanda sempre vai aumentar e sempre surgirão novos tratamentos que aumentarão os custos do sistema. Não é falta de vontade dos médicos, falta de amor aos pacientes, corrupção, conspiração do ministro com planos de saúde, ou “golpe das elites”, é decorrência tão somente da primeira lei da economia: os recursos são escassos.
Mesmo nos EUA, onde o investimento em saúde é próximo a 3 trilhões de dólares, mais do que o PIB inteiro do Brasil, ainda há pessoas que não recebem todo o atendimento médico de que gostariam. Além disso, devido ao fato de que o governo ainda tem de investir em outras áreas, a verba se reduz, sendo que o orçamento de 2016 destinado a saúde é de R$118,5 bilhões ou menos de R$ 600,00 por pessoa. Há, portanto, a natural necessidade de alguma priorização nos gastos médicos. Em outras palavras, ou tratamos só uma parcela da população ou só uma parcela das doenças. Pode ser duro, mas é impossível sair dessa realidade — nenhum país do mundo consegue.
É verdade que o SUS pode melhorar muito em gestão e transparência, otimizar a aplicação de recursos e diminuir a corrupção, mas ainda veremos filas e pessoas morrendo por falta de materiais e médicos, como acontece na Suécia e no Reino Unido. Apesar de desejáveis e virtuosas, essas medidas não são suficientes para otimizar o acesso a cuidados médicos da população, pois o sistema continuaria a apresentar seus problemas estruturais, como já exposto.
Uma solução é a saúde pública ser projetada com duas diretrizes básicas: foco em áreas em que o governo consiga gerar externalidades positivas e em áreas em que seja possível exercer ganhos de escala, como, por exemplo, investimento em saneamento básico e tratamento de água e esgoto, além da recuperação da qualidade do programa de vacinação. Quem mais se beneficiaria, nesse caso, seriam as pessoas mais pobres, pois são mais afetadas pelo atual desenho do sistema de saúde do país — e pessoas ricas não seriam prejudicadas no processo, ou seja, os dois lados sairiam ganhando.
Assim, é necessário focar nos problemas em que o governo realmente pode fazer alguma coisa e que impactam significativamente a vida das pessoas, principalmente as mais pobres, sob pena de continuarmos com um sistema de saúde notadamente falido e ilusório.
Erramos: um link de erro médico foi incorretamente associado ao texto, sem relação direta com seu tema central, e portanto foi apagado pela equipe do Mercado Popular. Agradecemos ao leitor Victor Figueiredo pelo aviso.