Os resultados da atual política brasileira de combate às drogas possuem uma íntima relação com a “Lei Seca” americana: (i) quantidade imensurável do gasto econômico no combate aos entorpecentes; (ii) enriquecimento desigual aos vendedores das drogas (Al Capone para o álcool e Pablo Escobar para a cocaína); (iii) ambas as políticas não prestaram para diminuir o consumo de álcool e cocaína; (iv) superlotação e sucateamento dos presídios. Curiosamente apenas a proibição do álcool foi abolida.
Será mesmo? Quando 12 estados americanos descriminalizaram a maconha nos anos 70, o consumo da cannabisaumentou discretamente, mas o uso de outras drogas caiu (GONÇALVES; GUIMARÃES, 2008. p. 185). Ademais, já demonstramos no nosso primeiro artigo sobre NARCOS que a criminalização do consumo da maconha não ajudou a reduzir o seu uso – pelo contrário, além de aumentar também agravou o consumo de drogas mais pesadas.
E quanto ao álcool? Estimativas indicam que, na Lei Seca, o consumo de bebidas alcoólicas caiu para cerca de um terço do que era assim que a proibição foi implementada em 1917 (GONÇALVES; GUIMARÃES, 2008. p. 184). Sucesso? Não. Desastre. Após algum tempo foram-se gradativamente montando esquemas alternativos de comercialização (tráfico) e o consumo passou a dois terços do que era antes da Lei Seca. É que essa queda brutal no início justificou-se em razão da dificuldade inicial de se comprar bebidas e pelo alto preço do álcool (GONÇALVES; GUIMARÃES, 2008. p. 184).
Mas, afinal, qual seria a melhor solução para combater o tráfico em terras tupiniquins? Seria, então, descriminalizar o uso das drogas tidas como ilícitas e legalizar a venda e o consumo ao menos da maconha? Claro! Esse é o combate sério, realista e verdadeiro ao tráfico. Diminuir-se-ia a expressiva quantidade de detentos presos por posse de drogas, que são confundidos com traficantes – basta ser negro, pobre e ser domiciliado em bairro perto de boca de fumo.
Você deve ter um colega de aula que sempre se atrasa para chegar ao colégio/faculdade e, quando entrega seus trabalhos, passa-os às mãos do professor fora de prazo. Agora pense que o planeta é a sala de aula e que os países são os colegas de turma. Esse aluno, sempre atrasado, é o Brasil em relação à política de drogas. Gol da Alemanha!
Até a China, um dos países mais autoritários do mundo, estuda rever sua atual política de guerra às drogas; lembrando que, atualmente, em solo chinês, é prevista até a pena de morte para traficantes. “Ainda assim, o consumo cresceu, a violência aumentou, o mercado negro ganhou força” (MOURA, Marcelo et al, 2015).
Aliás, de nada adianta apenas descriminalizar o uso da maconha. O consumo de qualquer droga ilícita deve deixar de ser crime para, depois, pensar em legalizá-las. Quem mais precisa de uma reforma no sistema penal não é aquele cidadão de classe média alta que fuma maconha enquanto joga videogame com seus amigos, mas sim o andarilho que consome crack pelas ruas. Esse sim deve ser tratado como enfermo e não como criminoso. Nesse ponto, Gilmar Mendes foi mais feliz em seu voto do que o consagrado Barroso no atual julgamento que visa descriminalizar o porte de drogas – apesar de este Ministro ter tecido pontos muito interessantes sobre o tema, sugerindo, inclusive, a legalização da cannabis.
Com a legalização, qual produto o usuário iria optar? O que possui regulamentação e com controle de qualidade, ou subiria o morro para fumar “cocô de maloqueiro”? Isso é combater o tráfico. Assim reduziria o numerário carcerário; assim teria mais receita para investir em educação com o faturamento proveniente da venda lícita da droga (que troca interessante: cadeia por escola); assim diminuiria o preconceito com a camada pobre; assim não precisaria transferir a responsabilidade de abrigar o apenado, que é pública, para o setor privado – onde se almeja lucro.
Mas devemos deixar claro que a legalização ao menos da maconha não será um mar de rosas. Haverá, sim, dificuldades iniciais. Economistas estimam que, no curto prazo, “uma abrupta liberação das drogas levaria a um aumento na violência, mas, no longo prazo, o fim do narcotráfico levaria a uma redução da criminalidade”. É que, num primeiro momento, os “desempregados” do tráfico iriam ter de escolher entre o mundo legal (faxineiro, gari etc.) ou seguir na vida criminosa (com atrativos financeiros mais sedutores). Teriam, então, muito mais incentivo para praticar assaltos do que atualmente – até para (re)utilizar seus conhecimentos adquiridos pelo tráfico de fugir da polícia, esconder-se, mexer com armas e trabalhar em um mundo de violência (GONÇALVES; GUIMARÃES, 2008. p. 186).
Também não devemos liberar as drogas irresponsavelmente. Creio que as quantias estipuladas pela Espanha para mero consumo são, de certa forma, exageradas. Igualmente, a partir da descriminalização e antes da legalização, o Governo deve fazer “uma reflexão desapaixonada sobre as consequências dessa medida” (SEGATTO, Cristiane, 2015).
Deve-se pensar seriamente sobre a (im)possibilidade de permitir ampla criatividade em inovações de produtos ligados à erva como praticado nas lojas de maconha em Washington – onde se vendem, inclusive, itens comestíveis da planta. Para se ter noção, “a quantidade de tetra-hidrocanabinol (substância que causa dependência) em alguns desses doces supera em quatro vezes o limite do que pode ser considerado seguro” (SEGATTO, Cristiane, 2015). As crianças são alvos fáceis quando cigarros são substituídos por doces atrativos e com ilustrações de marketing divertidas.
E, sobre crianças, a preocupação deve ser redobrada. “Antes dos 21 anos, o cérebro é altamente vulnerável a agressões ambientais, como a exposição ao THC”. A substância pode provocar falhas de memória que dificultam o aprendizado” e a capacidade de reter informações (SEGATTO, Cristiane, 2015).
Para manter ao máximo o consumo da maconha legalizada longe das crianças e, aliás, da maioria dos usuários (pois ela, assim como qualquer droga, não é inofensiva), deve-se repetir a estratégia utilizada contra o tabaco – fruto de uma política pública inteligente de conscientização dos usuários (que não recebeu contribuição alguma do Direito Penal!). Sobre esse ponto, a redução do consumo do cigarro, mediante campanhas preventivas, “foi maior do que a de qualquer droga ilícita com os trilhões gastos na repressão” (ABRAMOVAY, Pedro, 2015).
Alô Dilma! Chame-me para um cafezinho! Deixe a CPMF de lado e abra seus olhos para o Estado do Colorado, que, de receita, auferiu R$ 144,5 milhões de impostos com a venda da maconha. Se me pagar, além do café, um croissant, te sugiro, também, acabar com a imunidade tributária de algumas igrejas. Prometo que não fará mal a ninguém – pelo contrário, tornaria desnecessário o corte de investimentos a alguns programas sociais que o teu povo tanto precisa. Se bem que, aí sim, o Eduardo Cunha não largará do seu pé.
Defender a legalização da venda e consumo das drogas atualmente ilícitas não é insanidade. Insanidade é, segundo concepção einsteiniana, fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes. Pare com esse prejulgamento e comece a tratar esse tema de forma séria. Ou, se fores mais pragmático, puxe um fumo de uma vez e termine com todo o seu preconceito (mas faça isso caso o STF descriminalize o consumo da planta – se não causará problemas ao escritor). As tele entregas de pizza agradecem!
Publicado originalmente no Canal Ciências Criminais.