Sabe aquela eterna perseguição do Coiote ao Papa-Léguas? Ou a incansável busca do Frajola pelo Piu-Piu? Melhor ainda: a saga de Tom contra o Jerry. Pois então. A única diferença desses desenhos com a guerra ao tráfico é que, nessa caçada, gasta-se bilhões. Ah, já ia me esquecendo, mata-se muita gente. Muita mesmo.

“Mas espere um pouco. Leio diariamente que diversos traficantes são presos pela polícia. Isso não é sinal de que eles estão enfraquencendo?” Perdoe-me, leitor. Sinto dizer que não. Quem realmente é preso no tráfico são aqueles que correm mais risco. Ou seja, quanto mais risco corre, menos importante e rico o traficante é. Logo, os verdadeiros empresários das drogas estão soltos, escondendo suas fortunas em empreendimentos de fachada, lavando o seu dinheiro astutamente. Narcos deixa isso explícito na medida em que os traficantes mortos e presos pela milícia eram meros capangas dos verdadeiros traficantes de Medellín.

Sem falar que uma organização criminosa minimamente estratégica e planejada prevê, de qualquer sorte, a sucessão da liderança da facção – caso o líder do tráfico venha a ser preso ou assassinado. Troca-se uma peça por outra. Até porque todo o know-how do antigo líder era compartilhado entre colegas. Digamos que trata-se de um curso com bastante cadeiras de prática.

Vamos deixar bem claro que o simples fato de o líder ser preso não significa o fim de sua atuação no mercado do tráfico. Pelo contrário. O nosso sistema carcerário tolera uma sobrevida aos cabeças da traficância, mesmo quando presos – espécie de repescagem do tráfico de drogas.

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Fernandinho Beira-Mar que o diga! Ele foi condenado pela Justiça Federal, pelo até então desconhecido Juiz Sergio Moro, por ter lavado dinheiro e traficado drogas e armas enquanto estava diante das grades. Isso mesmo! Quando preso na Superintendência da Polícia Federal em Brasília continuou a comandar a sua facção por celular.

Ao ser transferido para as penitenciárias de segurança máxima em Catanduva (PR) e de Campo Grande (MS), ele repassava as suas ordens através de seus visitantes. Enquanto cumpria a sua pena, o seu grupo remeteu 462 quilos de cocaína, 27 quilos de maconha, 21,8 quilos de crack, 5,8 quilos de haxixe, duas metralhadoras, dois fuzis, duas pistolas e 1,4 mil cartuchos de munição.

A mandos de Beira-Mar, os seus comandados operavam em duas bases no Paraguai, trazendo as drogas e armas por avião até o solo paranaense. As armas e drogas eram então transportadas para o Rio de Janeiro, onde abastecia os seus traficantes. E assim os turistas podiam aproveitar com mais intensidade e cores a cidade maravilhosa.

Quando o monopólio da venda de drogas pertence ao tráfico prender traficantes é inútil. Para cada traficante preso, o tráfico recruta um novo integrante. Quanto maior o número de presos pelo tráfico, mais comum torna-se a captação de crianças para o comércio ilícito – segundo dados da FASE, o tráfico é o terceiro ato infracional mais cometido por menores de idade no RS.

E o que a maioria dos nossos distintos e intelectuais deputados pensa sobre isso? Qual seria, então, a solução para diminuir a criminalidade juvenil? Ora, que pergunta óbvia caro escritor: reduzir a maioridade penal para 16 anos. Palmas para eles. Os de 15 anos passarão, então, a debutar na traficância. Será que Eduardo Cunha bancará os bailes de debutantes para apresentar oficialmente os jovens à sociedade? Afinal, é a partir dos 15 que se torna homem/mulher. Ou deveria dizer traficante?

Quanto mais pobre o país, maior a tentação pela farta quantia de dinheiro proporcionada pelo tráfico. É por isso que, apesar de a guerra ter sido declarada nos EUA, o centro da taxa de mortalidade é na América Latina – agradeçam aos gringos! A força da demanda por drogas puxa gente em busca de trabalho ilícito. Em lugares com economias menores, o tráfico é mais perigoso dado o poder dos traficantes, que ficam mais ricos do que o próprio governo e gozam com o (des)preparo da polícia (vide o retratado na série Narcos – Escobar comandava a Colômbia).

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A guerra ao tráfico provoca uma explosão carcerária. Nos anos 70, havia pouco mais de 300.000 prisioneiros em todos os EUA; em 98 o número chegou a 1,8 milhão. Uma pessoa é presa nos EUA por causa de maconha a cada 45 segundos; mais da metade dos detidos são condenados por crimes relacionados a drogas (BURGIERMAN, 2011).

Em terra tupiniquim, entre 2006 e 2011, o número de presos por tráfico cresceu 120% (BURGIERMAN, 2011) e contamos, atualmente, com aproximadamente 140 mil enclausurados por tráfico. No RS, segundo dados da SUSEPE, o número de presos por tráfico de drogas aumentou mais de 1.000% desde 2008! O Brasil foi o país que mais criou vagas em seu sistema carcerário no mundo – só SP construiu mais cadeias que qualquer país na década de 2000 (BURGIERMAN, 2011). Alguém se sente seguro por lá?

Ocorre que as prisões são baratas para o tráfico, mas caras para o Estado. Vamos com mais dados para entristecer você um pouco mais – ou deixá-lo no clímax se for da turminha dos sádicos. Os EUA são hoje os que mais gastam nesse combate inútil. Se há 18 anos atrás o Governo despendia 2 bilhões de dólares, em 2000, somente o governo federal, torrou 20 bilhões de dólares nessa guerra – 13,6 bilhões para o combate ao tráfico e 6,4 bilhões destinados à redução da demanda. Fora os 19 bilhões de dólares desperdiçados, para o mesmo fim, pelos Estados e prefeituras.

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Segundo estudo do Instituto de Economia e Paz (IEP), O México utiliza 10% de seu PIB somente para conter a violência relacionada aos cartéis de drogas, chegando ao montante de US$ 173 bilhões em 2013. Cuida-se do dobro do montante destinado à educação ou saúde, superando ainda os valores de países em guerra como o Iraque e a Síria. E pasmem: a violência mexicana intensifica-se desde 2008. Arriba cholos!

 E o Brasil? Bem, segundo levantamento do International Institute for Strategic Studies, o Brasil, em 2014, desembolsou US$ 31,9 bilhões somente no orçamento militar. Estava em guerra e não sabia? Antes tarde do que nunca, meu caro leitor. Estamos na frente de Israel e Iraque. Como se tivéssemos tanta plata em caixa ultimamente…

Enquanto nossas forças políticas se esforçam como Coiote, Frajola e Tom combatendo o tráfico, sujeitos mais experientes vão propositalmente para a cadeia para recrutar novos talentos para a traficância. Diferentemente do mercado da bola, no tráfico as janelas de contratação estão sempre abertas.

E devemos assumir que o mercado da traficância possui mais rotatividade do que o futebolístico. A demanda por uma chance no tráfico chega a superar a oferta de “oportunidades”, na medida em que as condições da “vaga”, ao menos financeiras, são incomparável e até risivelmente melhores em relação à realidade do mercado lícito – ainda mais para jovens pobres e carentes de uma educação pública de qualidade, que, dadas as circunstâncias, os impossibilitam de empreender.

Mas não pensem que os traficantes são empresários limitados e sem ambição. Eles faturam nas próprias prisões. Se você for um presidiário com bala na agulha você terá comida diferenciada, assistirá TV e, quem sabe, terá direito à uma hora de wifi na sua galeria. E para se divertir? Fique tranqulio. Bebida (recomendam a caipirinha de limão), cigarro, maconha, cocaína e crack estão disponíveis, também, no menu.

Por sinal, droga e cadeia sempre se deram muito bem. É um casal que combina. Eu diria que seja o casal 20 do Brasil. Vende-se, planta-se e consome-se drogas nas penitenciárias brasileiras como nos coffee shops de Amsterdã. Essa quantidade de drogas circulando nos presídios justifica-se em virtude da estrutura desumana dos presídios pátrios (o cheiro de estrume, a comida intragável para quem não paga a mesada aos líderes das galerias, ameaças de estupros constantes etc.) a droga acaba se tornando uma necessidade física; um refúgio psicoativo do inferno astral.

Situações de estresse extremo criam um desejo por substâncias que ativam as áreas de prazer do cérebro para reduzir o sofrimento. Essa sensação de abandono estatal, que é sentida tanto dentro quanto fora das penitenciárias, é um dos grandes motivos de usuários consumirem compulsivamente drogas.

Sobre esse ponto, há estudos recentes demonstrando que o oposto de vício não é a sobriedade, senão a conexão humana. Cuida-se de um rompimento total do atual paradigma do vício. E comprova que a nossa sociedade é propensa a usar drogas.

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Confirma, também, que a “moderna” política de guerra às drogas e o nosso sistema carcerário apenas problematizam ainda mais a fenomenologia da drogadição. As autoridades focam muito na droga por si e se esquecem do viciado. Aliás, seria ele mesmo um drogadito ou um desconectado (de laços humanos e da sociedade)?

O tráfico não tem limites. Sempre achará e usufruirá de um nicho favorável aos seus negócios, independentemente do rigor usado para enfrentá-lo. O que o tráfico de drogas mais quer, assim como Al Capone desejava, é justamente a manutenção desse rigor, pois dele tira proveito. O tráfico age parasitalmente nas regras do sistema e por ali se aloja até que haja uma mudança cultural e sistêmica sobre o assunto. Até isso não acontencer vige a regra do plata o plomo (dinheiro ou chumbo).

Você segue não convencido de que a política de guerra às drogas é ineficiente? Ok. Ainda há tempo para mudar de ideia. Na próxima terça-feira fecharemos o último artigo sobre Narcos. Hasta luego!


REFERÊNCIAS

BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra: a maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as drogas. Rio de Janeiro: Leya Brasil, 2011.

Publicado originalmente no Canal Ciências Criminais.

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