Em tempos de grave crise política, não faltam disputas de narrativas sobre os atuais caminhos para os quais seguem a democracia brasileira, com muitas notícias e matérias que mais confundem do que esclarecem. É possível se debruçar sobre muitas delas, no entanto esse mercado vai se concentrar em apenas uma: os deputados e seus votos na Câmara Federal.

Há pouco tempo, circulou nas redes sociais um texto do site da Câmara dos Deputados afirmando que apenas 36 dos 513 deputados eleitos conquistaram seus cargos com votos próprios. Logo mais, no entanto, a notícia foi corrigida, e outra matéria, de pesquisadores da USP, mostrou que, de fato, apenas 45 deputados foram “puxados” pelos votos dos outros. O que isso tudo significa, no entanto?

Sistema Proporcional de Lista Aberta

Para compreender o sistema eleitoral brasileiro na Câmara dos Deputados, é preciso defini-lo: temos um sistema proporcional de lista aberta. O nome pode ser grande, mas significa apenas que os eleitores, mesmo que votem nos seus candidatos, estão dando votos para eles e para as coligações das quais fazem parte. No final das contas, será a proporção de votos que sua coligação obteve na eleição que dirá se será possível, dada a sua colocação de votos entre seus candidatos coligados, ele ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados.

Portanto, o candidato X da coligação partidária Y pode ter sido muito bem votado, estando no primeiro lugar de votos entre seus coligados, porém, sua coligação não obteve votos suficientes para ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados, excluindo-o do posto. No entanto, outro candidato de outra coligação pode ter pessoalmente obtido menos votos que o primeiro, porém, se sua coligação conseguiu 3 cadeiras, e ele está entre os três mais votados, assumirá um lugar na Câmara, apesar do menor número de votos em relação ao candidato X.

Esse sistema é uma jabuticaba?

Seria esse aparente confuso sistema, tal qual a jabuticaba, uma invenção exclusivamente brasileira? Não, de fato é possível ver sistemas extremamente semelhantes também na Bélgica, no Chile e também na Grécia. A principal diferença entre esses sistema é se a coligação entre os partidos se dá anterior ou posteriormente à eleição. No Brasil, os partidos se coligam antes do pleito, o que gera críticas de que as alianças tornam-se majoritariamente eleitoreiras, aumentando o fisiologismo delas. Outra divergência que pode ocorrer é se as coligações legislativas têm que ser as mesmas das executivas ou não – no caso brasileiro, há independência entre coligações na Câmara e nas eleições para cargos executivos, o que também sucinta críticas de incentivar o fisiologismo.

No entanto, há pontos positivos a se destacar nesse sistema. Ao mesmo tempo em que consegue evitar o poder excessivo dos caciques partidários, permitindo certa independência dos candidatos, também impede o personalismo excessivo das eleições tipicamente majoritárias, como para prefeitos, senadores e governadores. O candidato se legitima dentro da coligação pelo voto pessoal, porém depende do sucesso também de seus coligados para conseguir ocupar uma cadeira.

Como funciona na prática?

Vamos adotar um exemplo de 2014 para ilustrar o funcionamento do nosso sistema. O estado do Rio de Janeiro, naquele ano, teve direito a 45 cadeiras na Câmara dos Deputados (8,8% do total, frente a 8,1% da população desse estado frente ao Brasil, segundo a PNAD de 2014), de modo que as coligações desse estado dividiriam esse número de postos de acordo com suas votações no próprio estado.

O Gráfico abaixo apresenta o percentual de votos obtido por cada coligação nas eleições de 2014. Note quem nem todos os partidos se coligam, como o PSOL e o PRB, de modo que disputam cadeiras apenas com os votos de seus próprios deputados. Isso costuma ocorrer ou quando o partido é muito radical e rejeita alianças, mas pode ocorrer por diversas razões, como por exemplo a garantia de um ou dois candidatos campeão de votos.

Segundo os dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral, a coligação de maior sucesso no Rio de Janeiro de 2014 foi a dos partidos PMDB-PP-PSC-PSD-PTB. Juntos, esses partidos conseguiram 37% dos votos do estado, ganhando direito a 16 vagas pelo quociente eleitoral. No primeiro lugar, está Jair Bolsonaro, que sozinho conquistou 6% do eleitorado fluminense, garantindo sozinho quase 3 cadeiras para sua coligação. Ele foi, portanto, o que ficou cunhado no país como “puxa votos”.

Graf 1

O que é possível mudar?

Não faltam críticos para o sistema eleitoral no Brasil, no entanto não há algo definido sobre o que poderia melhorar. Entre as reformas mais tímidas, que se orientam pelo consenso, está o fim das coligações legislativas separadas das executivas, de modo que os partidos que se coligam para ocupar cadeiras na Câmara dos Deputados também terão que se coligar pelo candidato à Presidente (e o mesmo deve ocorrer a nível estadual e municipal).  

Outras reformas mais ambiciosas são defendidas por diferentes setores da sociedade. Muitos líderes do Partido dos Trabalhadores, por exemplo, defendem o sistema de voto em lista fechada, no qual o eleitor vota apenas na coligação ou no partido, que definirá por ele mesmo quem serão os candidatos que terão prioridade nas cadeiras obtidas. Esse modelo, apesar de fortalecer as identidades partidárias, piora o descolamento entre os eleitores e os deputados, além de fortalecer excessivamente os caciques partidários.  

Em contraponto à proposta de líderes petistas, muitos quadros do PMDB defendem o que se chama de “Distritão”, que nada mais é do que uma eleição majoritária por ordem de votação em cada Estado. Desse modo, no Rio de Janeiro, os 45 deputados mais votados assumiriam as vagas da Câmara dos Deputados às quais o estado tem direito, independentemente de suas coligações ou partidos. Esse sistema, apesar de acabar com o fenômeno dos “puxa voto” (e sua contrapartida, os deputados sem voto), também pode trazer o problema – ou solução, na visão de alguns – do enfraquecimento excessivo das identidades partidárias.

Independentemente das distorções, críticas e propostas de mudanças, o sistema eleitoral brasileiro foi escolhido democraticamente na Constituição de 1988 e, desse modo, dificilmente pode se duvidar da legitimidade dos deputados que ocupam a Câmara Federal, apesar de que, também legitimamente, muitos brasileiros não se sintam representados por seus representantes. Pensar em novos modelos é sempre um imperativo democrático, de modo que a população possa se sentir, de fato, representada pelo seu Congresso.

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