por Roberto Xicó

[dropcaps]R[/dropcaps]ecentemente, houve uma ampla divulgação e campanha para se votar ‘sim’ no autoconvocado “plebiscito popular” de “Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político”. Acho que pode se considerar que é ponto pacifíco a necessidade de mudanças no sistema político brasileiro.

O atual sistema ainda é uma das heranças da ditadura que, dentre outros problemas, colocou pisos e tetos na quantidade de deputados por Estado. Os militares fizeram isso porque sabiam que a maioria da oposição ao regime estava nos Estados mais populosos (RJ e SP, particularmente) e a maioria da sua bancada de apoio se encontrava nas elites de estados menos populosos. O resultado disso é, atualmente, um deputado federal por SP representar 591.200 habitantes, enquanto em Roraima um deputado representa, somente, 52.687. O voto de alguns brasileiros tem dez vezes mais peso do que o de outros.

Uma mudança na lei que alterasse isso e o coeficiente eleitoral seriam um imenso ganho para o regime democrático se tornar, bem, mais democrático. No entanto, o projeto de uma constituinte se baseia em outras razões. Seus proponentes apresentam 7 razões que, resumidamente podem ser apresentadas como:

1 . Há um desejo por mudança na sociedade brasileira.

2. Os resultados eleitorais são definido pelas elites econômicas e suas ‘doações’ para as campanhas.

3. A composição no legislativo não representa a diversidade social, étnica e de gênero da sociedade.

4. Necessita-se de uma constituinte exclusiva, porque os atuais legisladores se favorecem do atual sistema político e desejam a manutenção do status quo.

5. As ‘incestuosas’ relações entre as elites políticas e econômicas privam a sociedade de ter as suas necessidades atendidas pelo Estado.

6. É uma forma de mostrar a necessidade de aprofundar os mecanismos de consulta popular.

7. A reforma política é condição imprescindível para o desenvolvimento político.

De modo geral, esses pontos são uma boa observação de reais problemas políticos existentes no Brasil. Mas eles se esquecem de um ponto, cuja explicação necessita de uma breve digressão.

Mudanças legais podem gerar importantes mudanças pontuais na sociedade. Um exemplo é a Lei Áurea que foi sancionada no 13 de maio de 1888 pela Princesa Isabel. Essa data nos coloca na vergonhosa posição de última nação das Américas a abolir a escravidão, mas foi um passo fundamental para se gerar uma sociedade brasileira mais igual e livre.

No entanto, em muitos casos, mudanças legais não são efetivas – em especial em questões comportamentais mais difusas impregnadas na sociedade. Um século depois do fim da escravidão, foi promulgada a lei que tipifica o racismo como crime. Mas a simples promulgação de uma lei não acabou, nem vai acabar com o racismo ainda marcante em nossa sociedade (e os recentes casos nos campos de futebol deixam bem claro).

A proposta de uma constituinte exclusiva para a reforma política peca por essa ingenuidade. Achar que uma constituinte vai resolver os problemas do sistema político é análogo a achar que uma lei poderia acabar com o racismo. Não vai ser uma lei que, magicamente, vai deixar a sociedade brasileira satisfeita com a situação política do país. Do mesmo modo, uma lei não vai, magicamente, fazer com que as elites econômicas deixem de interferir no processo.

Da mesma forma que o racismo continua existindo, mesmo sendo ilegal, não há letra no papel que faça os partidos e os eleitores elejerem representantes das minorias sociais do país. De fato, o que se observa é, justamente, o fracasso de leis nesse sentido como a lei que estabelece 30% de candidaturas de mulheres, mas uma sub-representação no legislativo. Além disso, eleição de mulheres, por si só, não indica avanço em uma maior representação feminina na política e no legislativo.

É também ilusório achar que uma eleição para uma constituinte seria marcadamente diferente da atual realidade política porque os atuais legisladores não poderiam se candidatar. Na verdade teríamos uma constituinte dominada justamente pelos grupos que se beneficiam desse atual sistema político que beneficia as suas carreiras políticas. Afinal, todos os grupos de interesse que são hoje representados no congresso continuariam tendo interesse em influenciar o novo sistema político, visto que eles atualmente são beneficiários de tal sistema.  Ou seja, continuaríamos vendo, na constituinte exclusiva, uma bancada evangélica, outra do agronegócio, uma terceira bancada da bola, e todo o resto que já existe no legislativo brasileiro.

Qual é a solução, então? É necessário deixar de acreditar em soluções impostas de cima para baixo e promover soluções criadas de baixo para cima. Os problemas citados para justificar a constituinte são problemas políticos, não são legais.

A resolução desses problemas só é realmente viável através de mudanças políticas, mudanças que são feitas pela vontade dos eleitores que, democraticamente,  levem à transformação do atual status quo da política brasileira. Portanto, devemos prover um maior interesse e participação de diferentes segmentos da sociedade no processo político, abrangindo inclusive o surgimento de partidos com uma mais clara definição ideológica (como, por exemplo, o Novo e o Liber).

Afinal, como se diz por aí: “de onde se menos espera, daí é que nada sai”. Não tem porquê acharmos que, magicamente, os mesmos grupos políticos vão levar a resultados novos. Esses políticos querem que as coisas fiquem do jeito que está.

Devemos, por isso, parar de se acreditar que as mesmas instituições e as mesmas elites políticas vão gerar resultados diferentes. Devemos começar a acreditar nos indivíduos e nas mudanças por fora do governo que  podemos fazer, inclusive no sistema político. Afinal, como disse Margaret Mead: “nunca acredite que um pequeno grupo de pessoas que se importam não pode mudar o mundo. Porque na verdade, foi isso o que nós sempre tivemos”.

O mais importante é perceber que, enquanto políticos tiverem poder discricionário para decidir quem vai se beneficiar das decisões do governo, as elites econômicas terão interesse em usar seu dinheiro para influenciá-los. Sem que isso mude, não adianta plebiscito ou constituinte.

Roberto Xicó

Roberto Xicó é um cientista político que era marxista e se tornou liberal na universidade. Ele não sabe como. Só sabe que foi assim. Seus interesses são política, história, MPB e tecnobrega. Ele não vai falar de economia porque acha isso um saco.

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