O presente texto trata do endividamento da Petrobrás e da desmobilização da indústria petrolífera brasileira não sob a ótica da corrupção envolvida na Lava Jato, mas sim da má gestão e das más escolhas de política industrial a partir do 2º Governo Lula. No bom e velho português, como o Estado interferiu de forma equivocada no mercado petrolífero.

Para tanto, vamos esclarecer por que acertou Pedro Parente, atual presidente da Petrobrás, ao afirmar que o pré-sal foi endeusado. Apesar de existirem outros aspectos na indústria que comprometem a sua boa desenvoltura, tal como o baixo valor do barril de petróleo, vamos demonstrar como, ainda no período de alta histórica do barril, o governo tomou medidas equivocadas que se refletem até hoje e que não teriam prejudicado tanto a indústria caso evitadas.

Para isso, o texto dividirá os erros em dois momentos. O primeiro referente à paralisação injustificada de rodadas licitatórias, e o segundo atinente ao novo modelo regulatório instituído, a partilha.

A descoberta do pré-sal

Na época da descoberta do pré-sal, eram recorrentes as frases de cunho ufanista do presidente Lula. Havíamos encontrado o nosso bilhete premiado, o nosso passaporte para o futuro, dentre tantas outras expressões de mesma natureza, e, por isso, precisávamos mudar o nosso regime regulatório implementado pelo governo FHC.

Na época, criou-se um verdadeiro espantalho acerca do regime de concessão previsto na Lei do Petróleo. Alegavam que ela apresentava “características neoliberais de entreguismo e de privatização”. Assim, o maniqueísmo definiu o debate: ou éramos contra o regime de concessão no pré-sal ou éramos contra a soberania brasileira sobre seus recursos naturais.

Entender o momento histórico de transição é crucial porque, até hoje, o brasileiro médio não sabe qual foi a diferenciação trazida com o novo modelo partilha. Inclusive, esse desconhecimento prejudica o debate público já que possivelmente o novo modelo regulatório – e todo o seu trâmite de transição – foram tão responsáveis pela crise vivida pela estatal quanto os escândalos da Lava Jato e o baixo valor do petróleo.

Até a descoberta do pré-sal, a Petrobrás apresentava bons resultados, elevada participação na produção nacional, o país estava produzindo a pleno vapor na indústria e o governo Lula, como foi sua grande marca, estava investindo pesadamente em educação na área de petróleo e gás – tanto em mão de obra de nível técnico, como no âmbito de graduação.

Porém, ainda existia certo desgosto em deixar os louros do pré-sal ao modelo exploratório idealizado e concretizado pelo governo FHC. Iniciaram-se, pois, os erros.

1. Paralisação das rodadas de exploração

Em 2007, foi editada a Resolução nº 6 do CNPE, que determinou:

1) que a Agência Nacional do Petróleo e Biocombustíveis retirasse 41 blocos da 9ª rodada de licitação que já estava em andamento;

2) que o Ministério de Minas e Energia avaliasse, no prazo mais curto possível, as mudanças necessárias para um novo marco legal que contemplasse o paradigma de exploração e produção de petróleo e gás natural aberto pelo pré-sal.

Com essa retirada de blocos, ficamos aguardando o novo modelo regulatório, enquanto a indústria petrolífera brasileira esfriava e não continuava as rodadas. Portanto, de 2007 até 2010 – ano da edição da Lei da Partilha –, não houve novas rodadas na área do pré-sal. Vale salientar que, nesse período, o barril do petróleo encontrava-se em patamares elevadíssimos, de forma que o Brasil perdeu a grande oportunidade de fazer concessões com altas taxas de retorno. Hoje, o barril custa na faixa de $50,00 (cinquenta dólares).

Além disso, o modelo de partilha inseriu tantas obrigações à estatal que, mesmo com a partilha vigendo desde 2010, apenas no ano de 2013 teve seu primeiro e único Leilão sob o novo modelo, o Leilão de Libra.

O vácuo exploratório entre 2007 e 2013 esfriou o setor, causou um sentimento de incerteza regulatória no Brasil, afastou o interesse estrangeiro e desmobilizou a mão de obra da indústria. E os efeitos de todos esses erros já estão sendo refletidos dramaticamente no país. Macaé, por exemplo, a “capital nacional do petróleo”, já é sinônimo de desemprego.

Frequentemente se diz que as dificuldades enfrentadas pela Petrobrás decorrem desse cenário de baixa do valor do barril de petróleo internacionalmente. Mas essa é uma afirmação parcialmente verdadeira que precisa ser esclarecida.

O período de exploração de um campo de  petróleo é de quatro anos ou mais – e ainda há tempo despendido no desenvolvimento do campo[2]. Ou seja, com a mudança do marco regulatório, não foram feitas novas licitações de campos. Então os efeitos dessa paralisação somente serão verificados em cinco anos. Um exemplo disso é o campo de Libra: não fosse a mudança legislativa, provavelmente teria sido concedido antes e já estaria em fase de produção. No entanto, Libra nem mesmo começou a produzir, além de não termos outros campos sendo leiloados recebendo toda a mão de obra.

Se o Brasil não tivesse paralisado a indústria enquanto editava um novo modelo regulatório, hoje, ainda com o baixo valor do barril, os efeitos não estariam sendo tão dramáticos internamento. Mas, dado todo o desenrolar da elaboração da partilha, estamos pagando o preço da paralisia das rodadas. Assim, a Petrobrás encontra-se endividada e com encargos que não tem condições de suportar: primeiro porque o valor do barril é limítrofe à viabilidade produtiva, e depois porque suas condições financeiras e logísticas não comportam novos investimentos.

2.  Obrigações da Petrobrás: operadora única e participação mínima de 30% nos consórcios

Os motivos referentes às obrigações impostas à Petrobrás também são os causadores das dificuldades vividas pela estatal. Na época da descoberta do pré-sal, o valor do barril do petróleo estava em sua alta histórica e a Petrobrás em um bom período financeiro e de produção. Aliados à suposta inexistência de risco exploratório do pré-sal,  motivou-se a instauração do modelo de partilha com várias nuances que engessaram a exploração petrolífera brasileira.

O modelo de partilha tornou-se uma colcha de retalhos tupiniquim da exploração petrolífera. Baseando-se no modelo norueguês, exemplo de eficiência e sucesso, ainda que lá a estatal Statoil esteja sujeita ao “neoliberal” modelo de concessão, o Brasil copiou e instituiu a empresa brasileira PPSA, à tentativa de semelhança da norueguesa PETRORO.

Conquanto a PPSA apresente grandes embaraços à produção brasileira, o ponto que mais engessa a produção atual é a instituição da Petrobrás como operadora única, somando-se à necessidade de ingressar com a presença de 30% nos consórcios formados para exploração de blocos.

Tal situação prevista na lei do pré-sal, criada num momento de vislumbre, não considerou a possível inviabilidade operacional da Petrobrás por questões de toda sorte, como problemas financeiros, bem como a ausência de interesse de investidores no pré-sal numa possível queda do valor da commodity.

O Leilão de Libra em 2013 é um bom exemplo para o desestímulo e desinteresse do setor privado na exploração do petróleo nas áreas sujeitas ao novo regime. Mesmo com o valor do barril em preços elevados, o modelo de partilha não foi atrativo, já que houve a formação de tão somente um consórcio. Assim, o maior campo do pré-sal foi vendido pelo valor do lance, ou seja, O MENOR VALOR QUE PODERÍAMOS TER ATINGIDO! Se fosse um modelo regulatório interessante, haveria maior procura, lances maiores e, por consequência, maior arrecadação para a União.

Conclusão

Houve endeusamento do pré-sal! O momento de alta do valor do barril do petróleo na época da descoberta do pré-sal cegou o governo a ponto de desconsiderar que o petróleo só é riqueza depois de extraído. E diante de situações de desvalorização internacional, os investidores preferem explorar nos locais de menores custos e menores entraves.

Além disso, o mundo está avançando para novas matrizes energéticas que, de fato, não enxergam mais o pré-sal como estratégia. Vivemos atualmente a expansão de fontes não convencionais – shale gas e do tight oil – além da expansão de outras regiões ofertantes – Ártico, Groenlândia e Alasca.

As barreiras impostas aos investidores estrangeiros e a capitalização mal sucedida da Petrobrás inviabilizaram a exploração do pré-sal e mantiveram o dinamismo produtivo apenas nas áreas do pré-sal ainda sujeitas ao demonizado modelo de concessão.

Portanto, é real que a produtividade brasileira bata recordes nos campos do pré-sal. Mas a verdade que não contam dessa realidade é que nessas áreas a Petrobrás não é operadora única, não ingressou obrigatoriamente com 30% nos consórcios e pode, caso não seja de seu interesse, nem mesmo participar das operações.

Tanto é que a estatal norueguesa Statoil comprou o bloco BM-S-8 do pré-sal na bacia de Santos por haver a possibilidade no modelo de concessão. Enquanto isso, o campo de Libra, única experiência do modelo de partilha até agora, nem mesmo começou a produzir.

Ao esquecer que as reservas se tornam riqueza de verdade apenas após a sua extração e comercialização, o fetiche mercantilista do Governo brasileiro resultou em um verdadeiro fracasso para a indústria petrolífera em um momento de auge no valor das commodities. Assim, são bem-vindas as alterações trazidas pela Câmara dos Deputados.

Se o governo petista quis deixar sua marca com a exploração do pré-sal, é possível dizer que deixou. Mas isso não é motivo de orgulho. Não podemos continuar confundindo a indústria petrolífera no Brasil com a Petrobrás.

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