O ex-presidente Lula lançou de forma não oficial a sua campanha para voltar para o Palácio do Planalto em primeiro de janeiro de 2019. Sua boa imagem nas campanhas e título de presidente mais popular da história do Brasil fazem, à primeira vista, que ele seja o candidato favorito a vencer. O presidente, na verdade, está em uma escolha de Sofia que pode prejudicar de maneira significativa a sua chance de ser eleito em uma eleição, que para ele terá um caráter plebiscitário.

O dilema que o presidente Lula tem é como se reatar com o establishment político brasileiro sem perder a identidade de um político de esquerda junto aos filiados do PT e demais segmentos da sociedade (em especial da classe média) que, ao fim e ao cabo, sempre votaram no PT, pelo menos no segundo turno.

O fato é que o discurso de golpe que esta esquerda desenvolveu leva a uma cisão que impossibilita compatibilizar com os partidos que votaram a favor do impeachment, apesar de ter sido uma retórica incapaz de conquistar corações e mentes da sociedade. Exemplo disso foi a pesquisa da CNT/MDA em junho de 2016 em que 62,4% acreditava que a decisão de fazer o impeachment “ (…) foi correta e a presidente precisava ser afastada”.

Assim, para manter o eleitorado e o corpo militante do partido, o presidente Lula deveria se afastar de uma ampla coligação e se focar em aliança tão somente com partidos de esquerda, que no cenário atual, se limitaria a uma aliança PT-PDT-PC do B; o contrário do que foi feito pelo lulo-petismo desde a carta aos brasileiros. O problema dessa escolha é que ela tornaria a sua campanha institucionalmente fraca.

Em primeiro lugar, a fraca presença que a coligação de Lula teria das lideranças municipais, ou seja, prefeitos. Tomando como referência a clássica obra de Victor Nunes Leal[1] e os dados apresentados por Meira & Góes[2], há uma correlação entre o poder local e o poder nacional. Como afirma Leal:

[A]specto importantíssimo do “coronelismo”, que é o sistema de reciprocidade: de um lado, os chefes municipais e os “coronéis”, que conduzem magotes de eleitores como quem toca tropa de burros; de outro lado, a situação política dominante no Estado, que dispõe do erário, dos empregos, dos favores e da força policial, que possui, em suma, o cofre das graças e o poder da desgraça. (LEAL, p. 43)

Ou seja, há uma relação de codependência entre o sucesso eleitoral local e nacional, coisa que os dados indicam ser verdade até os dias de hoje. Dito isso, percebe-se que Lula iniciaria a campanha com um baixo acesso as principais lideranças locais: os prefeitos, como mostra os dados:


Além desse baixo acesso as lideranças locais, o ex-presidente Lula sofreria com o baixo tempo de Rádio e TV que a sua campanha teria para promovê-lo e defender o seu nome das prováveis críticas que sofreria dos seus adversários. Dos seis partidos que mais terão tempo de rádio e TV para o candidato que apoiarem, Lula deverá só ter o apoio do próprio PT.

De fato, o que se configura com a força de Temer na Câmara e a aliança entre o PSDB e o PMDB que o candidato desse bloco político, possivelmente um tucano tenha a ampla maioria do tempo de rádio e TV.

Tomando como base a última eleição, em que as ações do marqueteiro João Santana foram fundamentais para a vitória de Dilma; Lula e o PT estariam em uma situação muito mais frágil em que não só veria seu tempo de propaganda menor como teria os principais candidatos tendo aumentado o seu tempo de rádio e TV e o seu principal oponente – o PSDB – aumentando exponencialmente o seu tempo:

Se a campanha de Lula se recusasse a receber algum apoio por parte do establishment, portanto, o desempenho eleitoral do ex-presidente seria impactado de forma negativa. A combinação de força política local e de tempo de rádio e TV são mais significativas justamente nas parcelas mais marginalizadas da população que são, historicamente, a base eleitoral do petismo. Ou seja, os seus adversários vão ter significativamente mais poder para acessar a sua base eleitoral do que o presidente Lula.

Se, por outro lado, Lula decidir abraçar o establishment político brasileiro e renegar toda a retórica que a esquerda brasileira fez do processo de impeachment, isso levará a resultados que são difíceis de quantificar, mas é razoável supor que uma parcela significativa da esquerda ideológica deixaria de votar em Lula em um possível segundo turno, diminuindo o número de votos válidos. Tomando como base a última eleição, fez-se duas projeções em que 25%, 50%, 75% e 100% de uma quantificação dessa esquerda deixando de votar no PT, anulando o seu voto. Na primeira projeção, tomou-se como esquerda todos os votos somados que Luciana Genro (PSOL) e Eduardo Jorge (PV) tiveram no primeiro turno:

Essa projeção é bastante pessimista no número da esquerda ideológica já que apresenta que nenhum eleitor da Marina faça parte desse grupo. Mesmo assim, as projeções mostram que a eleição seria ainda mais apertada do que já foi. Na segunda projeção, considerou-se que somete 10% dos eleitores da Marina fazem parte desse grupo:

As duas projeções mostram fundamentalmente a mesma coisa. Apesar da força eleitoral do petismo ser derivada das camadas mais populares, é essa esquerda ideológica – em sua maioria de classe média – o fator explicativo para a incapacidade dos tucanos de serem vitoriosos, já que estes não conseguem ter todos os votos das classes médias e altas do país. O afastamento dessa parcela da sociedade do lulismo poderá ser crucial em uma reta final de campanha, levando a sua derrota.

Assim, Lula se encontra nesse dilema em que é incapaz de consolidar a ampla coalizão que caracterizou todos os processos eleitorais petistas desde de 2002. Lula, mais do que qualquer outro, teve a capacidade de se mostrar ao mesmo tempo uma opção de esquerda e completamente inserido dentro do establishment, ou seja, conseguindo todos os bônus que foram discutidos aqui anteriormente. Lula – agora – terá que decidir se é o candidato dessa esquerda ou um acordado com o establishment. A menos, é claro, que se polarize entre Lula e outro candidato que seja anti-esquerda e anti-establishment, que é Jair Bolsonaro.

 

Referências:

[1] LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. São Paulo: Alfa-Omega, 1975.

[2] Meira, R.; Góes, C. (2016). “Para além das manchetes: fatos e dados sobre as eleições municipais brasileiras (1996-2016)”. Nota de Política Pública n. 02/2016. São Paulo: Instituto Mercado Popular.

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