Quem nunca ouviu péssimas opiniões de um músico, ator ou escritor? É comum a cada nova polêmica. No passado, esse hábito também existia e não poupava sequer os artistas mais geniais que habitaram a Terra.

O cidadão comum é influenciado pelos valores dos seus ídolos, que servem inclusive como uma forma de validar seus próprios. Sabedores da sua influência, e interessados tanto na maior exposição midiática quanto no engajamento dos fãs, artistas se aproveitam de turbulências política para opinar.

Seja qual for sua posição política, há certamente alguns artistas cujas opiniões você não tolera, e o contrário também acontece: muitos tendem a desvalorizar a obra de quem discorda. Portanto, vale a pena lembrar de alguns casos na história nos quais gênios da arte adotaram péssimos posicionamentos políticos.

Jorge Amado atribuiu os crimes da União Soviética à “difamação da imprensa reacionária” e fez um elogio a Stalin que vai te surpreender

Em 1951, Jorge Amado publicou O Mundo da Paz, livro pouco conhecido porque o próprio proibiria novas edições. Trata-se de um relato de viagens pelo Leste Europeu, no início da Guerra Fria. A ditadura soviética, uma das mais violentas da história humana, é associada diversas vezes à palavra “paz”, inclusive no título.

A matança de Josef Stalin sob o comando da URSS já era discutida, mas também negada. Os aparatos de propaganda stalinista tratavam tudo como mentiras burguesas, promovidas pelos EUA. E Amado não pensou duas vezes ao endossar o discurso oficial, como ele deixa claro na introdução do livro:

“Escrevi estas páginas pensando no meu povo brasileiro, sobre o qual uma imprensa reacionária e vendida ao imperialismo ianque vomita, quotidianamente, infâmias e calúnias sobre a URSS e as democracias populares. (…) Pretendi [com este livro] colaborar para o re-estabelecimento da verdade e para mostrar como o trabalho construtivo da URSS e das democracias populares interessa ao mundo inteiro. (…) Como uma contribuição à luta pela paz eu o escrevi e como homenagem de um escritor brasileiro ao camarada Stálin, no seu 70º aniversário, sábio dirigente dos povos do mundo na luta pela felicidade do homem sobre a terra.”

Caso você tenha assustado com o trecho final, sobre Stalin, saiba que não é o mais elogioso do livro. Sobre um dos maiores genocidas que habitaram a Terra, Amado escreveu:

“Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu. Sim, eles caluniam, insultam e rangem os dentes. Mas até Stalin se eleva o amor de milhões, de dezenas e centenas de milhões de seres humanos. Não há muito ele completou 70 anos. Foi uma festa mundial, seu nome foi saudado na China e no Líbano, na Romênia e no Equador, em Nicarágua e na África do Sul. Para o rumo do leste se voltaram nesse dia de dezembro os olhos e as esperanças de centenas de milhões de homens. E os operários brasileiros escreveram sobre a montanha o seu nome luminoso.”

Futuramente, o próprio reconheceria o erro. Em entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto, disse que o aprendizado foi “longo, sofrido e cruel”, além de frases marcantes como “o coletivo não é o oposto do indivíduo. Sem considerar o indivíduo como ser humano, não se pode pensar em socialismo”.

Não seria, porém, o fim dos elogios a políticos controversos. Antonio Carlos Magalhães, o ACM, foi um clássico coronel nordestino e grande amigo de Jorge Amado. Eis o que ele escreveu sobre um dos maiores apoiadores da ditadura militar brasileira:

“Fala-se a seu respeito mestre Antonio. Mestre antológico na voz do povo, a transformar a cidade, a coloca-la no seu tempo, a prepara-la para o futuro. Uma obra que só um cego ou um cretino tentaria negar ou silenciar. (…) Você fez de sua administração um ato de amor, mestre Antonio.”

Vale ressaltar que a citação acima não foi retirada de um livro, mas de uma propaganda política. A campanha de ACM para governador, em 1990, contou com esse belo texto de um dos maiores escritores da história da língua portuguesa. A carta ao “mestre Antônio” foi assinada por “seu velho amigo, Jorge Amado”. Está disponível no YouTube.

Pablo Neruda escreveu uma “ode a Stalin” e apoiou a política cultural soviética

Jorge Amado e Pablo Neruda não tem apenas em comum o fato de serem escritores latino americanos muito respeitados pela crítica, tinham também uma participação bastante ativa na política. Os dois partilhavam da admiração pelo comunismo soviético e venceram o curioso Prêmio Stalin da Paz. Eram amigos próximos, inclusive. 

Neruda via a política cultural conduzida União Soviética como um instrumento para transformar a arte em algo mais acessível para os trabalhadores. O poeta tinha dificuldade de enxergar a política cultural soviética como ela era de fato: um mecanismo de doutrinação ideológica.

Chegou a dizer, inclusive, que a cortina de ferro se tratava de uma criação norte-americana para dissimular seus preparativos para a guerra. Numa conferência na cidade chilena de Temuco, após retornar de viagem da URSS, ficou evidente que seus sentimentos pelo ideal revolucionário soviético eram mais fortes que a vontade de reconhecer os problemas do regime.

“a lenda da cortina de ferro nos assegura que desde Praga até Vladivostok há trevas desconhecidas. Pois bem, eu vi somente claridade, fiz uma viagem através da luz.”

O ponto mais polêmico de sua carreira, porém, foi um poema em ode a Stalin, chamado “Em sua morte”. Nele, Neruda não poupa elogios ao ditador:

Camarada Stalin, eu estava junto ao mar na Ilha Negra,
descansando de lutas e de viagens,
quando a notícia de tua morte chegou como um choque de oceano.

(…)
Mais tarde o pescador de ouriços, o velho búzio
e poeta,
Gonzalito, acercou-se para acompanhar-me sob a bandeira.
“Era mais sábio que todos os homens juntos”, me disse
olhando o mar com seus velhos olhos, com velhos 
olhos do povo.
E logo por longo instante não nos falamos nada.
Uma onda 
estremeceu as pedras da margem.
“Porém Malenkov agora continuará sua obra”, prosseguiu
levantando-se o pobre pescador de jaqueta surrada.
Eu o fitei surpreendido pensando: como, como o sabe?
De onde, nesta costa solitária?
E compreendi que o mar lhe havia ensinado.
E ali velamos juntos, um poeta
um pescador e o mar
ao Capitão remoto que ao entrar na morte
deixou a todos os povos, como herança, a vida.
Como será comum neste texto, Neruda se arrependeu. Num poema chamado O Episódio, condenou o culto à personalidade de Stalin e compôs a imagem de uma URSS rodeada pelo medo.

Nelson Rodrigues foi um dos maiores defensores públicos da ditadura militar brasileira

O comunismo não foi a única ideologia a ter defensores nas artes. Houve quem defendesse regimes ditatoriais de direita. O dramaturgo pernambucano Nelson Rodrigues gostava de se rotular como “reacionário”, e foi defensor do Golpe de 64 e da ditadura que o seguiu.

Recorrentemente, utilizava seu espaço como cronista de O Globo para criticar os opositores da ditadura. Dom Helder Câmara, em suas palavras, era um “falsário” e “arcebispo vermelho”. Contudo, o que mais ilustra seu apoio aos militares, era a admiração explícita pelo General Emílio Garrastazu Médici, como demonstrou na crônica Aplausos a Médici, de 1970:

“É preciso não esquecer o que houve nas ruas de São Paulo e dentro do Morumbi. No Estádio Mário Filho, ex-Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio, e, como dizia o outro, vaia-se até mulher nua. Vi o Morumbi lotado, aplaudindo o presidente Garrastazu. Antes do jogo e depois do jogo, o aplauso das ruas. Eu queria ouvir um assobio, sentir um foco de vaia. Só palmas.”

No mesmo texto, Nelson compara o general – de quem foi amigo – a Gengis Khan, Napoleão Bonaparte e John Kennedy. E escreve mais:

De mais a mais, o Brasil vive o seu grande momento. Eis o nosso dilema: ou o Brasil, ou o caos. O diabo é que temos a vocação e a nostalgia do caos. É o momento de fazer o Brasil ou perdê-lo. Esse Garastazu Médici é, neste instante, uma das figuras vitais do país. Eu ia vê-lo, ia ouvi-lo. Sim, ouvir os ruídos da sua alma profunda. Todo o mundo tem, no bolso do colete, o seu projecto de Brasil. Garrastazu tem o seu e pode realizá-lo. Ao passo que nós não temos força para tapar um cano furado.

Já sobre a “Passeata dos Cem Mil”, um dos maiores protestos contra a ditadura militar, que precedeu o AI-5, Nelson debochou:

“Os 100 Mil eram filhos da alta burguesia. E, com efeito, não havia, entre os manifestantes, um preto, um favelado, um torcedor do Flamengo e sequer um desdentado. Os 100 Mil tinham uma saúde dentária de artista de cinema. Um turista, que por aqui passasse e os visse, havia de perguntar: “Mas a alta burguesia quer tomar o poder que já tem?”

A proximidade entre o anjo pornográfico e a ditadura militar se enfraqueceu quando seu filho foi preso. Nelson usou sua influência para garantir o exílio, ao invés de algum porão de tortura do DOPS. Antes de falecer em 1980, ele reviu suas posições e apoiou a anistia “ampla, geral e irrestrita” aos presos políticos.

Vale lembrar que Médici não foi o primeiro presidente a contar com a simpatia do mais importante dramaturgo e cronista brasileiro. Juscelino Kubitschek, o JK, também contava com grande simpatia do anjo pornográfico.

Jorge Luís Borges era amigo e jantava frequentemente com Videla, ditador argentino, e apoiou Pinochet, ditador chileno

A ditadura militar brasileira matou e torturou, mas foi muito menos violenta do que regimes vizinhos. Enquanto nossos generais assassinaram pouco menos de 500 pessoas, estima-se que o chileno Augusto Pinochet matou ou torturou mais de 40 mil durante sua ditadura, enquanto o argentino Rafael Videla ultrapassou os 30 mil mortos.

Jorge Luís Borges, um dos maiores escritores da história argentina, defendeu ambos, além do ditador espanhol Francisco Franco. Ao chegar em Madri, durante a ditadura de Franco, Borges disse:

“A democracia é uma superstição. Nem toda a gente entende a política, assim como não podemos todos entender retórica, álgebra ou psicologia.”

No que dizia respeito a Guerra Civil Espanhola, também declarou:

“Eu estava no lado republicano, mas então percebi, em paz, que Franco era digno de elogios”.

Em 1976, a fim de ver derrotado o peronismo que ainda persistia na Argentina, Borges apoiou o golpe do general Videla com grande entusiasmo. Chegou a jantar com o presidente no palácio presidencial, num encontro que ficou registrado na seguinte foto:

Do mesmo modo, Jorge Luís Borges apoiou Pinochet. Durante um discurso na presença do ditador chileno, quando recebeu um título de Doutor Honoris Causa, Borges disse:

“Agradeço ao Chile haver mostrado à Argentina como se luta contra o comunismo, porque elegeu a branca espada antes do que a furtiva dinamite”.( In Filosofia política del poder mediático – Ed. Planeta 2013)

Borges mudaria de opinião posteriormente, alegando que não sabia da matança política promovida por ambos. No fim da vida, foi um apoiador do movimento das Mães de Maio, composto por familiares das vítimas do seu antigo companheiro de jantar.

Richard Wagner é tido como o anti-semita que inspirou Hitler

Cretinas opiniões de artistas não são um fenômeno  exclusivo do século XX. Em 1850, o compositor romântico Richard Wagner escreveu um ensaio intitulado O Judaísmo na Música, no qual ele criticava a influência dos judeus na sociedade alemã. Nesse mesmo texto, defendeu ainda que estariam corrompendo a língua alemã e que seu caráter os impossibilitava de se conectar com a verdadeira essência das coisas.

Décadas mais tarde, o anti-semitismo nacionalista de Wagner foi usado pelos nazistas como símbolo da superioridade alemã na música e no intelecto. Um dos maiores gênios da música clássica europeia é considerado por muitos como um inspirador de Hitler. Sua música chegou a ser tocada em ao menos um campo de concentração. Seus seguidores mais jovens, do “Círculo Bayreuth”, seriam apoiadores de Hitler mais tarde.

A extensão da associação entre os dois é controversa. Não há dúvidas de que Wagner era um anti-semita e racista, crente na superioridade do arianismo alemão. O Partido Nazista também incentivou pesquisas acadêmicas para reforçar o elo com o músico.

Muitos, porém, questionam essa associação como forçada por Hitler, para compor sua imagem. Alguns afirmam que o comandante nazi jamais leu os ensaios anti-semitas de Wagner.

Seja qual for a interpretação adotada, um fato – infelizmente – é indiscutível: Richard Wagner era racista e anti-semita, acreditava na superioridade alemã e fazia disso o centro da sua posição política.

O gênio de artistas não deve ser usado para validar seus discursos

Como artistas de tamanha genialidade foram capazes de apoiar ditaduras, valores antissemitas, doutrinação ideológica e outras coisas igualmente perversas? A resposta é simples: nenhum era menos humano do que os admiradores de suas obras.

Felizmente, vários deles viveram o bastante para mudar de ideia e reconhecer seus erros.  

Não se deve colocar ninguém, por mais talentoso e admirável que seja, na posição de arauto da moral e da verdade. Se nem os mais brilhantes estiveram livres da cretinice política, faz sentido esperar algo diferente de Gregório Duvivier ou Lobão?

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