réplica do Pedro Menezes retrucando o meu “O impeachment não é uma pauta liberal” mostrou-me que necessito fazer um mea culpa. Pelas reações que vi sobre o texto, o debate se encaminhou sobre justamente o que eu não queria: o impeachment. O meu entendimento sobre este tema é bem simples. Não acho que há agora fatos jurídicos e vontade política para validar uma saída de Dilma do Palácio do Planalto. Entendo que o ônus de mais uma saída abrupta de um presidente seria maior que um possível bônus do afastamento da presidenta. E olha que eu não tenho nenhuma dúvida da minha opinião sobre esse governo: é péssimo. Infelizmente, o sistema presidencialista exige que a retirada de governos ruins seja onerosa e com grande esforço jurídico, diferentemente do que acontece com o parlamentarismo. Em suma, a garantia e o fortalecimento das instituições da democracia liberal me são mais importantes do que tirar um governo, por pior que ele seja.

Pedro elenca diversos problemas sérios que, sem dúvida, ocorreram nos últimos anos. Do ponto de vista dos princípios, concordo com sua argumentação. Mas, vejo que as práticas do Movimento Brasil Livre como contrárias ao principio da  impessoalidade na gestão governamental que ele e eu almejamos. O MBL, na sua argumentação de acusações personalistas, nega-se a promover um debate mais profundo e só reforça os sentimentos estatistas que permeiam a nossa sociedade, já que o outro lado da falta da impessoalidade e da igualdade legal anda lado a lado com o populismo e o messianismo na política nacional. O pessoal do MBL tem um foco único em Lula e Dilma, enquanto pessoas, e seus pecados individuais ou partidários. É este problema da falta de capacidade de fazermos um debate verdadeiramente político que quis tratar no meu primeiro texto e vou tentar reforçar aqui.

O foco original do texto era, na verdade, debater o que nós – grupos liberais que buscam participação na arena política – estamos apresentando à sociedade como discurso político. Estes grupos podem ser resumidamente divididos em três: o primeiro, que inclui o Mercado Popular, são os blogues e grupos dos Feicebuque com baixíssima penetração social, em grande parte devido a nossa ainda incipiente atuação no mundo real; o segundo grupo são os tradicionais colunistas, em grande maioria da Veja, que estão em um círculo vicioso de falarem para o mesmo grupo que já concorda a priori com o que vão dizer. Eles estão em uma torre de marfim e parecem não querer sair.

O terceiro é a grande novidade dos grupos de jovens que organizam as recentes manifestações. Há méritos na sua ação política. Estão indo as ruas e dando a cara a tapa. Isso levou a uma capacidade desses grupos de penetrar e pautar uma grande parcela da sociedade que (na melhor das hipóteses) ignora os outros dois grupos. Os três grupos são sem dúvida oposição à Dilma. Mas o problema é como estamos formatando e apresentando o “fora Dilma”.

Como dito, o grupo de Kim Kataguiri centra a sua critica à Dilma e ao Lula. Faz isso pendulando entre um discurso da paranoia anticomunista (“Em 15 de março, ele expressou seu temor de que o PT instale no Brasil “o lixo que implantaram na Venezuela“) ao batido senso-comum do discurso anticorrupção (“O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também foi alvo dos manifestantes. Lula foi chamado de “cachaceiro, ladrão, corrupto” em coro pelos manifestantes”). Isso é muita jabuticaba, mas tem nada de liberalismo. O MBL está sendo incapaz de apresentar e politizar indo além de acusações a indivíduos e apresentar causas básicas e amplamente consensuais no liberalismo de uma forma . É nesse sentido que deveríamos aprender como a esquerda organizou o “fora FHC”.

O “fora FHC” era, obviamente, focado no presidente, mas tinha uma pauta política clara que se tornou mais ampla que a sua figura. Era o “fora FHC e a sua política neoliberal” ou “fora FHC, FMI e Banco Mundial”. Associou-se o ex-presidente a um campo político com práticas reconhecíveis. Isso permitiu uma critica e uma rejeição que foi muito além do FHC, impregnando todo um espectro político com a criação do termo ~neoliberal~ que se imputa diversos estereótipos negativos que mesmo um liberal sem qualquer ligação com o PSDB sofre. Isto levou a uma formatação da polarização brasileira entre os ~neoliberais~ e os ~progressistas~ em que estão os bons, que se preocupam com os pobres e oprimidos em oposição aos elitistas e entreguistas.

O discurso do Kim Kataguiri, por outro lado, não apresenta nada que possa responder a uma pergunta fundamental no segundo momento: “o impeachment aconteceu. E agora?”. A forma como se apresentam só permite o entendimento que é uma situação conjuntural. O problema é a Dilma, o Lula, no máximo do PT. O problema é termos pessoas corruptas no comando. O vácuo no MBL de apresentar um discurso liberal do que fazer em um eventual pós-Dilma permite, por um lado, a vocalização do autoritário e francamente antiliberal discurso dos defensores da volta ditadura militar. Por outro lado, marginaliza-se do debate político, por exemplo, as fracassadas politicas econômicas desenvolvidas nas gestões petistas.

Por isso, o impeachment é o de menos. Eu estou preocupado com o depois. Preocupa-me ver a incapacidade de se inserir uma pauta liberal na política brasileira. Se continuar a oposição se limitando ao já demonstrado discurso fracassado de ‘ameaça comunista’ e da corrupção, nada vai mudar. Com ou sem a Dilma. Estamos caminhando para, mais uma vez, cumprirmos a profecia de Lampedusa de que ‘tudo deve mudar para que tudo fique como está”.

PS: A surpresa e os elogios que se seguiram à simples prática do Mercado Popular de apresentar um debate saudável e respeitoso entre dois colunistas mostra o quão frágil ainda é a imprensa e a democracia brasileira.

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