Por João Pedro Lang

Em meio a uma crise econômica, estourou um mega-mega-escândalo de corrupção numa empresa estatal e milhões saíram às ruas. Diversos entendidos de política declaram-se igualmente indignados com os fatos correntes, mas se dizem “céticos ao movimento” e pedem distanciamento das pautas levadas à rua no dia 15. Dizem que os manifestantes não focam na raiz do problema. Proclamam: “A corrupção é um problema estrutural, não conjuntural. Não vai ser resolvida com uma simples mudança na presidência. Não é obra exclusiva de um partido ou pessoa. Com um impeachment, mudariam os jogadores, mas o jogo permaneceria. É cortina de fumaça. Se querem acabar com a corrupção, é preciso lutar por…”

E aí as soluções divergem. Alguns diagnosticam o problema como cultural: Do que adianta protestar contra a corrupção quando se continua subornando o policial, furando fila, burlando a lei? A raiz estaria no jeitinho brasileiro, e a corrupção seria um traço cultural do país que deve ser alterado – com mais investimento em educação, é claro. Já outros declaram que a corrupção é intrínseca ao sistema capitalista. Só uma reforma política profunda seria capaz de livrar-nos de nossos males, instituindo o financiamento público de campanha.

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Imagem de perfil divulgada pelo PT nas redes sociais

 

Esse último discurso, capitaneado pela esquerda e adotado pelo centro, tem sido evocado pelo menos desde o segundo governo Lula, mas ganhou força após as manifestações de junho de 2013. Naquele momento, com a aprovação despencando, Dilma anunciou que queria “propor […] um plebiscito popular que autorize o funcionamento de um processo constituinte específico para fazer a reforma política”. Desde então a ideia da reforma política tem sido a resposta automática às reivindicações dissonantes das ruas. Uma buzzword que promete, ao reformular as instituições, atender ao clamor popular e solucionar a aparente crise de representatividade.

Fora a aberração jurídica da proposta de “constituinte exclusiva e soberana” (já abandonada por Dilma), é também aberrante a ideia de que a reforma política, em si mesma, seja um antídoto automático contra a corrupção. O sistema político brasileiro certamente tem espaço para reformas importantes, e certamente a corrupção é uma questão estrutural. (Nada disso, contudo, significa que protestar contra governos corruptos seja contraproducente. Pelo contrário: protestos maciços sinalizam que futuros casos de corrupção não serão recebidos com indiferença pelo eleitorado).

Mas as medidas propostas pelos “reformistas” não atingem, como alegam, os problemas estruturais que originam a corrupção. Proibir o financiamento privado não impede que empresas subornem candidatos – apenas as veda de fazê-lo pelas vias oficiais. Mesmo hoje as campanhas eleitorais são repletas de esquemas de caixa-dois, em que as contribuições não são declaradas. Vale citar uma publicação da consultoria legislativa da Câmara: “a simples vedação da participação das empresas nas campanhas […] poderia se tornar letra morta, como aliás já foi no Brasil. As doações de pessoas jurídicas eram proibidas [até] 1993.”

Para controlar a corrupção, é preciso diminuir os incentivos para as empresas corromperem políticos. Parece óbvio, mas há que se entender o que isso significa. Uma opção é tornar a fiscalização mais rigorosa, aumentando a probabilidade que esquemas sejam descobertos e, portanto, os custos de burlar a lei. Para isso, no entanto, não há vontade política. É mais conveniente vender o discurso do financiamento público como solução que de fato cortar a “fonte alternativa” de renda.

A outra opção é reduzir os benefícios que uma empresa tem ao recorrer à corrupção. Por que empresas preferem subornar um político, incorrendo com os riscos de uma atividade ilegal, a enriquecer investindo em tecnologia e produtividade? Porque têm mais a ganhar fazendo lobby junto a políticos corruptos, fraudando licitações e superfaturando obras. Ou, dentro da lei, aprovando restrições à concorrência e garantindo poder de oligopólio às empresas com capital político.

Quanto maior a capacidade de alterar as regras do jogo e beneficiar grupos sociais de forma arbitrária – isto é, o poder discricionário –, mais as empresas têm a ganhar com corrupção. Reduzir o poder discricionário do Estado é chave para minar os incentivos à corrupção e, portanto, combatê-la estruturalmente.

Isso se faz tornando a política econômica mais baseada em regras objetivas e livre de influências políticas. Limitando a quantidade de licitações, concessões e permissões. Aumentando os sistemas de controle interno e externo dos gastos públicos. Diminuindo a capacidade do governo de oferecer empréstimos com juros subsidiados a seus companheiros no empresariado. Restringindo a burocracia de abrir um negócio e a complexidade de pagar os impostos e cumprir as obrigações trabalhistas, evitando que se tenha de recorrer a suborno, sonegação ou subcontratação de informais. Fortalecendo os direitos de propriedade contra a usurpação do governo e os contratos contra a arbitrariedade de burocratas.

Aqueles que identificam a corrupção com o “jeitinho”, o fura-fila e a propina para o guarda não estão, afinal, de todo errados. O excesso de poder discricionário do governo sinaliza às pessoas que a forma mais fácil se dar bem no mercado é através de contatos poderosos. Se na Rússia soviética, muitos recorriam a conhecidos no Partido para não ter de enfrentar filas quilométricas, não é porque o povo russo tem noções distorcidas de ética. É porque era a maneira mais eficiente de ter acesso a produtos elementares.

O mesmo fenômeno, embora obviamente em menor escala, ocorre no Brasil. O jeitinho e as pequenas corrupções do cotidiano, assim como os desvios em larga escala, têm, afinal, a mesma causa geradora: muito poder discricionário nas mãos de burocratas, ou, alternativamente, pouca liberdade econômica. A evidência empírica para essa afirmação está abaixo: quanto mais livre a economia de um país, menor tende a ser a percepção de corrupção por lá.

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Ou, parafraseando o satirista americano P. J. O’Rourke, quando diretores de estatais e ministros passam a ter poder para interferir na compra e venda de produtos no mercado, o primeiro produto a ser vendido e comprado será o poder dos diretores de estatais e ministros.

Corruptos de todo e qualquer governos serão os primeiros prejudicados quando já não existirem os lucrativos favores do poder a serem vendidos e comprados.

 

 

 

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