Por Lorena Barros
No meio de abril fui realocada para o setor de migração da Agência do Trabalhador de Curitiba. Praticamente, só atendi haitianos (com as devidas lembranças pro pessoal do Congo, Senegal, Peru, Chile, Síria e Nigéria).
Os haitianos têm preferência por trabalhar na indústria e na construção civil. Eu lia pra eles o salário: “- é 915,00” (se na indústria) ou “- é 979,00” (se na construção civil). Aí se seguem duas perguntas “tem carton bis?” e “tem carton alimantaçon?”.
Bom, na maioria, tem o vale transporte (carton bis). E aí vem a terceira pergunta: “tem desconto?”.
Me acostumei a falar pros haitianos que, no Brasil, tudo desconta. O carton bis vai descontar do salário, tem desconto de PIS, FGTS, INSS, que deixam um de salário de R$ 900,00 só um valor de R$ 700,00.
E foi repetindo isso todo dia pros haitianos que eu percebi o quanto nós estamos acostumados com desconto que não tem retorno nenhum. Quando se atende um brasileiro, nenhum de nós se revolta com os descontos, nós já incorporamos isso.
O haitiano, não: “eu pago aluguel muito caro, eu mando dinheiro pro Haiti, eu trabalho em dois empregos, o Brasil é tudo caro, eu não quero desconto!”
Atendimento aos haitianos é muito difícil pelo choque cultural. Tem a diferença de língua, claro. Além disso, eles muito raramente aceitam trabalhos com salário baixo, porque dizem que o salário precisa ser alto pra, no mínimo, compensar os descontos, e também precisa ter algum benefício, como vale transporte e ticket alimentação. Meus colegas falam que eles querem ganhar mais que os brasileiros. Mas eu já entendi, eles estão certos; nós é que estamos malucos.
A classe média consegue conviver relativamente bem com um pacote de descontos que leva embora parte da qualidade de vida. Mas, ok, nós já temos uma vida boa. Agora o migrante, a classe C, D e E do Brasil, como banca esses descontos?
A lição que eu tiro é que, sim, a classe média tem que se revoltar com a quantidade de impostos que recai sobre ela. Mas, acima de todas as classes, quem ganha pouco é quem sofre mais.
Se houver alguma mudança com relação à redução de impostos no Brasil, acho que ela só vai vir quando as pessoas pobres se revoltarem.
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Lorena Barros é graduada em Relações Internacionais. Atualmente, é atendente de intermediação de mão de obra para o migrante na Agência do Trabalhador de Curitiba, Paraná.