Uma “aspiração”. Foi assim que Armando Monteiro, ministro da pasta de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, definiu a postura do Brasil quanto a um acordo de livre comércio com os Estados Unidos. Infelizmente, sob o governo Dilma, a aspiração não passará disso. A declaração nos remete ao debate sobre a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), que dominou o cenário político brasileiro no começo da década de 2000. E, infelizmente, o PT dificilmente apoiaria uma política de inclusão comercial.
Nas década de 90 e 2000, o diretório do PT se pronunciou contra o acordo e os governos FHC e Lula atrasaram as negociações para obter concessões dos Estados Unidos. Um plebiscito informal chegou a ser realizado sobre a proposta, na semana da pátria, com o apoio de entidades como a CNBB, a CUT, a UNE e o MST – se soa familiar, é porque algo idêntico ocorreu ano passado, num “plebiscito popular” sobre a reforma política.
A ALCA foi um acordo proposto pelos Estados Unidos, na Cúpula das Américas de 1994, para reduzir as barreiras de comércio entre os países capitalistas do continente, da Patagônia ao Alasca. A proposta seguia a implementação do NAFTA, Acordo de Livre comércio da América do Norte, e do Mercosul, do Cone Sul. Para seus críticos, a ALCA representava os malefícios da globalização e uma investida imperialista dos EUA sobre os países latino-americanos.
Com a economia frágil e passando por um recessivo ajuste fiscal, o governo busca, no setor externo, a solução para os problemas econômicos do país. Se, para salvar a popularidade de Dilma, é necessário mudar a retórica histórica do partido, que seja – convenhamos, não seria novidade. O governo quer impulsionar a economia por meio das exportações para a maior economia do mundo – de quebra, a ideia colocaria freios na impopular alta do dólar, já que vender mais para os americanos faz com que mais dólares circulem dentro do Brasil. Ainda assim, nas circunstâncias de 2002 ou de 2015, abrir-se ao comércio internacional segue sendo ótima ideia para qualquer governo que se preocupa com o bem estar dos governados.
O livre comércio aumenta a competição e a eficiência das empresas. Com as fronteiras abertas aos produtos do mundo, mais empresas concorrem em cada setor, disputando por consumidores com preços mais baixos e melhor qualidade. Sob barreiras protecionistas, as empresas nacionais têm o mercado brasileiro reservado para si, e há poucos incentivos para inovar e buscar preço e qualidade competitivos no mercado internacional.
Outro ganho do comércio é a especialização. As empresas em cada país tenderão a produzir nos setores em que têm vantagem comparativa em relação aos demais países. Isso significa que cada país venderá o que produz com menores custos. A “divisão internacional do trabalho”, amplamente criticada pela análise marxista, acaba por elevar a produtividade e aumentar a renda dos países no longo prazo. O economista liberal David Ricardo foi pioneiro nesse achado.
Se os economistas costumam discordar entre si sobre quase tudo, nesse ponto o consenso é surpreendente. Nada menos do que 93% dos economistas pesquisados em survey realizada nos EUA concordam com a afirmação de que “tarifas e cotas de importação geralmente reduzem o bem-estar econômico”. O consenso emergiu porque as críticas ao livre comércio – do protecionismo de Friedrich List aos questionamentos recentes da teoria da dependência, de Raúl Prebisch e Fernando Henrique Cardoso – falharam frente à análise estatística dos dados. Estima-se que uma eliminação de barreiras tarifárias em nível mundial aumentaria a economia de todo o mundo em um valor entre 2% e 5,2%.
Se os benefícios do livre comércio são tão claros, por que tão poucos países comprometem-se com essa medida? A resposta é simples. As empresas de cada país formam grupos de pressão para erguer barreiras – tarifárias ou não – ao livre comércio, porque se beneficiam da reserva de mercado que têm sob proteção. O protecionismo garante uma renda de monopólio à custa dos consumidores e dos contribuintes. Por isso, é difícil avançar politicamente a pauta do livre comércio em setores de “interesse nacional”. Quem define o que é o tal “interesse nacional”, claro, são políticos influenciados por lobistas. Nos EUA, a agricultura é protegida e recebe milhões do governo na forma de subsídios. Essa política recebe grande apoio político, embora 85% dos economistas prefiram o seu fim.
É triste que a liberalização do comércio dependa da negociação de acordos bilaterais entre burocratas. Contudo, não resta dúvida de que um avanço como a “aspiração” do ministro Monteiro é necessário, especialmente para um país tão protecionista quanto o Brasil.