Uma das principais estatísticas utilizadas para se elogiar o sistema de saúde socializado de Cuba, implementado pela ditadura dos irmãos Castro, é o baixo índice de mortalidade infantil. Alega-se que o sistema teria permitido uma redução no número de óbitos de crianças menores de um ano e que, atualmente, a estatística estaria em níveis similares ao do Canadá, ou seja, com números abaixo daqueles dos Estados Unidos.

Com o processo de abertura da Ilha para o mundo — iniciado assim que Raúl Castro sucedeu seu irmão Fidel em 2008 –, no entanto, mais informações sobre as reais condições do país estão vindo à tona. Desse modo, podemos tentar analisar o que realmente são verdades e o que não são, a fim de identificar aquilo que parece manipulação de dados e que é usado para pintar uma imagem melhor do regime ditatorial cubano.

Além disso, vale lembrar que Cuba, antes da imposição da ditadura comunista, era um país com estatísticas sociais em média superiores àquelas da grande maioria dos países latino-americanos. Ter estatísticas melhores do que a maior parte dos outros países latino-americanos no presente, portanto, não seria uma missão tão difícil caso o regime mantivesse as boas estruturas do passado e melhorasse os elementos que estivessem impedindo um progresso maior. Mas antes de entrar em uma análise mais detalhada, é necessário definir a terminologia que será utilizada nesse artigo.

Definições

Para entendermos as estatísticas de mortalidade infantil, é importante entender alguns termos a fim de analisar melhor os dados e se fundamentar o debate:

  1. Taxa de mortalidade infantil (TMI): número de crianças que morrem no intervalo entre o nascimento e o primeiro aniversário dividido pelo número de nascidos vivos (normalmente representada em um valor por mil, ex: 5 por mil).
  2. Natimorto: denominação dada ao feto que morreu no útero ou durante o parto, após completadas 22 semanas de gestação.
  3. Taxa de natimortalidade (TN): número de natimortos dividido pelo número total de bebês nascidos (vivos e mortos).
  4. Taxa de mortalidade neonatal precoce (TMN): número de bebês que morrem na primeira semana de vida (zero e seis dias) divido pelo número de nascidos vivos.
  5. Taxa de mortalidade perinatal: número de natimortos ou bebês que morrem até a primeira semana de vida dividido pelo número de nascidos vivos.

Dessas definições, podemos ver que a taxa de mortalidade neonatal precoce (TMN) é uma fração da taxa de mortalidade infantil (TMI). Outro fator importante a ser ressaltado é que a taxa de natimortalidade e a taxa de mortalidade neonatal precoce, em geral, são estatísticas bem correlacionadas — uma alta taxa de natimortalidade é acompanhada por uma alta taxa de mortalidade neonatal precoce e vice-versa. Isto seria resultado da capacidade do sistema de saúde de um país prover um bom serviço de pré-natal, além de apresentar uma infraestrutura mínima que permita a redução da mortalidade pós-parto. Essa capacidade estaria associada tanto à dimensão hospitalar com a existência de UTIs e serviços neonatais, quanto à infraestrutura urbana ou rural com a presença de tratamento de água e esgoto, e à imunização da população, entre outros. Assim, discordâncias muito grandes entre esses dois indicadores apontam para possíveis fraudes na sua divulgação.

Com isso, a partir das tendências observadas nas taxas de natimortalidade e mortalidade neonatal precoce, é possível se analisar a verossimilhança dos dados associados à mortalidade infantil. Basicamente, se um país apresenta baixas TN e TMN, a tendência é que a TMI seja baixa. Se TN e TMN são altas, a TMI provavelmente será alta.

E o que Cuba tem a ver com essa história?

Na análise da evolução das taxas de mortalidade infantil, sabe-se que Cuba partiu de um patamar um pouco melhor que vários países da América Latina quando se consideram os índices oficiais anteriores à Revolução. A ilha caribenha apresentava a quarta menor mortalidade infantil entre os países latino-americanos, ficando atrás apenas de Argentina, Paraguai e Uruguai (veja na figura abaixo).

Além disso, sabe-se que, no período de 1950 a 2015, todos os países latino-americanos apresentaram melhoria nos números de mortalidade infantil. Isso, por si só, indicaria que a hipótese do sistema de saúde socializado de Cuba ser o grande responsável pela “melhoria das estatísticas” da Ilha Caribenha está errada. Entretanto, a melhora das estatísticas da Ilha seria impressionante se o resultado final fosse uma TMI em níveis comparáveis aos países desenvolvidos.

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O gráfico abaixo, por sua vez, apresenta uma análise mais detalhada da evolução da taxa de mortalidade infantil ao longo do tempo para alguns dos países latino-americanos e aquela da Espanha. O país Ibérico foi aqui utilizado para comparação já que é um país também latino — mas desenvolvido — e de características culturais similares aos países latino-americanos.

Vê-se, assim, que a redução dos índices de mortalidade infantil foi mais significativa em países como Chile, Brasil e Colômbia, passando-se de mais de 100 mortes a cada mil nascidos vivos para menos de 20 em um período de 65 anos. Por outro lado, o Paraguai não apresentou o mesmo comportamento dos seus vizinhos latino-americanos, vendo sua taxa de mortalidade infantil reduzir de forma mais lenta do que todos os outros países presentes no gráfico. O Paraguai, que era o país de terceira menor mortalidade infantil na década de 50, atualmente é o de terceira maior entre os latino-americanos, perdendo apenas para Bolívia e Haiti.

Todavia, esses dados não necessariamente refletem a real imagem do sistema cubano. Eles são baseados em estatísticas oficiais dos países disponibilizadas à Organização das Nações Unidas e, claramente, estão sujeitos à manipulação de dados pelas autoridades. E por que isso seria importante nessa análise?

Um estudo de 2015 do economista Robert Gonzalez da Universidade da Carolina do Sul analisa estatísticas de TMI, TN e TMN de diferentes países para verificar como os dados de Cuba se comparam com os de outros países tidos como “confiáveis”. Parte dos resultados pode ser vista no gráfico abaixo, que apresenta no eixo y a Taxa de Natimortalidade e no eixo x a Taxa de Mortalidade Neonatal Precoce.

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Percebe-se que, como mencionado anteriormente, para os países da amostra, os dados são bem correlacionados. A exceção é Cuba. A Ilha apresenta uma taxa de natimortalidade 6.2 vezes maior que a sua taxa de mortalidade neonatal precoce. Disparidades similares às vistas na estatística para o ano de 2004 — gráfico acima — estão presentes também nos dados de outros 13 anos (1997-2010), com o quociente TN/TMN estando acima de 4 em todos eles (a média para países desenvolvidos é de 1.8). Isso seria um indicativo grave de que mortes neonatais precoces estão sendo sistematicamente classificadas como natimortos.

As possíveis explicações para esse resultado, como ressalta Gonzalez, seriam relacionadas à baixa qualidade de treinamento dos profissionais de saúde cubanos ou, mais provavelmente, a erros propositais de classificação a fim de manipular as estatísticas e reduzir a taxa de mortalidade infantil — geralmente utilizada como uma das métricas da qualidade de um sistema de saúde.

Ao subestimar as taxas de mortalidade neonatal precoce, classificando errônea e propositadamente as mortes de recém-nascidos como natimortos, o governo cubano consegue passar uma impressão melhor da qualidade do seu sistema de saúde para o mundo — principalmente para o público leigo, que não busca questionar a veracidade dos dados. Cuba apresentaria taxas de mortalidade infantil comparáveis àquelas de países desenvolvidos — no caso do estudo, países Europeus –, por mais que apresentasse um gasto ínfimo com saúde. Com isso, a Ilha se tornaria alvo de novos aportes financeiros que objetivariam estudar a situação de sucesso e replicar os programas de saúde do país — vide o que foi feito na implementação do Programa Mais Médicos brasileiro.

Vale ressaltar que, ao analisar as estatísticas, Gonzalez acredita que as estatísticas de mortalidade perinatal cubana estejam essencialmente corretas, visto que elas em pouco dependem de se saber se o bebê nasceu com vida ou não. Ele também menciona que elas são pouco utilizadas para análises da qualidade do sistema de saúde, portanto não estariam tão sujeitas a manipulação.

Baseado nisso, o próximo passo de Gonzalez é calcular uma possível “taxa real” de mortalidade infantil para Cuba — assumindo também que outras taxas de mortalidade estão sendo representadas corretamente (mortalidades neonatais e pós-neonatais), algo que ele mesmo admite ser improvável. Dessa maneira, devido às incertezas em relação à parte dos dados e à necessidade de assumir algo sobre sua veracidade, apenas uma “taxa real” mínima de mortalidade infantil pôde ser obtida.

Assim, Gonzalez chega então a uma “taxa real” de mortalidade infantil de Cuba, que teria como limite inferior 7,45 mortes por mil nascidos vivos (podendo esse limite inferior ser 11,16 no caso de maior estimativa) e não o número reportado em 2010 de 5,79 mortes por mil nascidos vivos (ou mesmo o mais recente de 4,5 mortes por mil nascidos vivos). A mediana — número provavelmente mais próximo daquele real — é 9,04 mortes por mil nascidos vivos e colocaria Cuba como o país com a terceira menor mortalidade infantil na América Latina, veja gráfico abaixo.

Ou seja, Cuba continuaria, portanto, melhor que a média da América Latina e dos países de renda mediana, mas se encontraria distante dos países desenvolvidos. Além disso, ter subido no ranking de quarto para terceiro país com menor mortalidade infantil da região não seria um progresso tão significativo como ter subido para o primeiro lugar da América Latina, como alegado, e deixando para trás até mesmo os países desenvolvidos.

Conclusão

A principal conclusão do estudo de Gonzalez diz respeito, portanto, à adulteração de dados relacionados à mortalidade infantil por parte do governo cubano. As falhas — possivelmente propositais — de classificação entre a mortalidade neonatal e natimortalidade, vêm apenas corroborar o hábito de propagar números e informações incorretas de governos ditatoriais, em geral. Por consequência, fica claro que não há interesse nenhum de Castro em corrigi-los, uma vez que fragilizaria a imagem de Cuba e seu legado, defendido por muitos como um ideal a ser alcançado. Assim sendo, mostra-se cada vez mais clara a necessidade de questionar qualquer número apresentado pelas autoridades cubanas, se exercendo o senso crítico. Averiguar todos os dados divulgados pela Ilha caribenha, comparando-os com outras métricas de países similares — visando se dirimir as manipulações que podem estar presentes –, é indispensável.

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