Por Valdenor Júnior

O Estado do Arizona, nos Estados Unidos, é um caso complicado quando se trata da proteção legal aos homossexuais. Na última semana, mais um passo polêmico foi tomado: o legislativo do Arizona aprovou uma lei que permite expressamente que as empresas neguem serviços a homossexuais, invocando a justificativa religiosa. O caso gerou uma grande repercussão. Acabou que a governadora do Arizona vetou a lei.

Curiosamente, o Arizona também é o lar do libertarianismo que defende ampla liberdade individual, incluindo livre mercado,  com uma concepção explícita de justiça social que inclui ampla tolerância social e o empoderamento de homossexuais e transexuais.

Como expliquei em meu dossiê sobre o libertarianismo bleeding heart, a linha principal desta corrente pode ser denominada como “liberalismo da Universidade do Arizona”, uma vez que seus principais expoentes (Matt Zwolinski, Jason Brennan, Kevin Vallier) obtiveram PHd nesta Universidade, e receberam muita influência da geração anterior de liberais clássicos que dão aula ali até hoje, Gerald Gaus e David Schmidtz. Essa Universidade é uma referência de filosofia política nos Estados Unidos, e nela funciona o Center for the Philosophy of Freedom, dirigido pelo já citado David Schmidtz. Eles tem mesmo uma disciplina denominada “A ética e a economia da produção da riqueza“!

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Como um libertário deveria se posicionar diante de uma lei como essa?

É importante perceber que essa lei do Arizona não têm relação de fato com liberdade de associação. Isso foi bem exposto  na revista libertária Reason, na matéria “Arizona’s SB 1062 is a Homophobic Stunt, Not a Blow Against Big Government“, por J. D. Tucille, e recomendada pelo próprio Matt Zwolinski (fundador do blog Bleeding Heart Libertarians) em seu twitter.

Tucille nos mostra que as leis sobre espaços privados/comerciais abertos ao público do Arizona não inclui a orientação sexual como fator proibido de discriminação, e que, portanto, a rigor, já era legalmente possível fazer a discriminação. O objetivo dessa nova lei, portanto, era permitir que um grupo específico de cidadãos pudesse ser tratado ofensivamente, sem que houvesse o perigo de acontecer novamente casos onde homossexuais levaram a recusa de serviço à Justiça e o judiciário entendeu cabível indenização.

Se a questão realmente fosse a liberdade de associação, e protegê-la diante da relativização judicial de seu conceito, a proposta de lei teria que ser muito mais abrangente, incluindo a possibilidade de empresas da propriedade de homossexuais recusarem serviços a conservadores sociais e cristãos tradicionalistas, por exemplo. Por isso que Tucille conclui que a lei visa favorecer interesses específicos contra os de outro grupo, não promover a liberdade de associação e menos governo.

O presidente do Partido Libertário no Arizona, Warren Severin, também criticou a proposta de lei, considerando-a redundante por já existir o direito de se recusar  a fazer negócios com qualquer pessoa, pelo que sua aprovação apenas teria como objetivo incitar discórdia. O Partido Libertário no Arizona fez oposição ao projeto.

Por outro lado, cabe destacar que, de fato, a tendência de um livre mercado funciona contra a discriminação, inclusive no mercado de trabalho.  Aliás, Paul Krugman, que está muito longe mesmo de ser um libertário, concorda:

“A principal percepção que a análise econômica oferece é que a discriminação não é uma consequência natural da competição de mercado. Ao contrário, forças de mercado tendem a funcionar contra a discriminação. (…) Mas, se a competição no mercado funciona contra a discriminação, como é que ocorreu tanta discriminação? A resposta é dupla. Primeiro, quando os mercados de trabalho não funcionam bem, os empregadores podem ter a possibilidade de discriminar sem prejudicar seus lucros. Por exemplo, interferências no mercado (como sindicatos ou leis de salário mínimo) ou falhas de mercado (como salários de eficiência) podem levar a salários que estão acima dos seus níveis de equilíbrio.  (…) Segundo, a discriminação algumas vezes foi institucionalizada em políticas governamentais. A institucionalização da discriminação fez com que fosse mais fácil mantê-la contra a pressão de mercado, e historicamente essa é a forma que a discriminação tem tido.” (KRUGMAN e WELLS, Introdução à Economia, p. 456-457)

Contudo, do fato de que o mercado tende contra a discriminação, isso não nos exime da responsabilidade, enquanto sociedade civil, de promover (ou não impedir) a inclusão dos homossexuais e dos transexuais. (Até porque nem sequer vivemos em um livre mercado) No espírito de um liberalismo inclusivo, iniciativas contrárias ao preconceito contra transexuais e homossexuais, inclusive no mercado de trabalho, devem ser apoiadas. Uma sociedade mais aberta é muito mais favorável ao exercício da liberdade por todas as pessoas.

Um gesto nesse espírito ocorreu no Arizona, em protesto à lei. Uma pizzaria fixou o seguinte cartaz: “Reservamo-nos o direito de não atender parlamentares do Arizona.” De fato, os homossexuais saem ganhando se não derem seu dinheiro para os conservadores que os discriminam, boicotando seus estabelecimentos. Sofrer discriminação é dolorido e frustrante, e devemos, como sociedade civil, nos posicionar contra isso, ainda que sem pretender que as pessoas mudem suas crenças religiosas privadas.

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David Schmidtz e Jason Brennan, dois “liberais do Arizona”, escreveram em seu livro “A Brief History of Freedom” (baixe aqui), que a última fronteira da liberdade é a liberdade psicológica. Mesmo que todos os impedimentos externos à liberdade individual sejam removidos, ainda teremos barreiras internas à nossa autonomia. Estudos psicológicos falam de como tendemos a seguir pressões sociais, por um viés de conformidade ao grupo que inclusive distorce nossa própria percepção da realidade! (p. 215)  A pressão social é um elemento chave na sustentação de culturas discriminatórias, como as racistas,  sexistas e as homofóbicas. (p. 216) Será que esses estudos fecham toda a nossa esperança de uma sociedade menos discriminatória?

Não. A saída desse ciclo vicioso de conformidade e pressão social é a rebeldia. As pessoas, mesmo vendo que uma discriminação é errada, são muito receosas de serem as primeiras  a quebrar a regra socialmente aceita. Mas elas podem, muito rapidamente, seguir o exemplo de um rebelde, criando uma nova tendência social em direção à tolerância. (p. 217) A rebeldia pode ser empreendedora. Seja você também um rebelde libertário.

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Valdenor Júnior é advogado. Desde janeiro de 2013, tem o blog Tabula (não) Rasa & Libertarianismo Bleeding Heart onde discute alguns de seus principais interesses: naturalismo filosófico, ciência evolucionária com foco nas explicações darwinianas ao comportamento e cognição humanas, economia, filosofia política com foco na compatibilidade entre livre mercado e justiça social. Com Darwin aprendeu a valiosa lição de que entender o babuíno é mais importante do que se imagina.

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