Em hebraico e árabe: “Judeus e árabes se recusam a ser inimigos”. A placa fica na entrada de Neve Shalom/Wahat as-Salaam, um vilarejo fundado por ativistas da paz judeus e árabes.

Durante o atual conflito entre Israel e Hamas, pude ver inúmeras demonstrações de como o discurso político é um prato cheio para generalizações, essencialismos e preconceitos. As diatribes antissemitas, muitas vezes misturadas com críticas legítimas ao Estado de Israel e seu presente governo, e os preconceitos anti-árabes e anti-islâmicos, reforçados pelas imagens produzidas pela mídia ocidental pós-11 de setembro, se avolumam no Facebook e em jornais de grande circulação.

Transformado o conflito em jogo de futebol, o lado israelense se torna o bastião da civilização ocidental contra o barbarismo e o lado palestino se torna a figura do mártir na revolução sempre vindoura, contra o imperialismo, o capitalismo e seja qual for o inimigo do momento. O lado israelense também pode tomar a forma de um regime sanguinário e cruel, semelhante ao nazi-fascismo e o lado palestino se torna a ponta de lança do islamo-fascismo totalitário. No jogo de ideias, acabamos por esquecer que Estados, sociedades e governos são abstrações analíticas para tentar classificar grupos complexos de indivíduos. Cada um destes indivíduos têm uma visão de mundo, posições políticas, opções afetivas e uma história pessoal que não é apagada nem pelo flagelo da guerra.

Reproduzimos aqui no Mercado Popular um texto veiculado pela Associação Scholem Aleichem – ASA, uma organização sionista de esquerda do Rio de Janeiro, juntamente com outras instituições de comunidades judaicas. Esta tradição sionista tem pouco a ver com o atual governo de Israel, ligado à direita do sionismo e alinhado ideologicamente com posições neoconservadoras.

O sionismo como ideia política é um movimento plural e descentralizado e os indivíduos que se identificam com suas propostas também são: uns são laicos, outros religiosos, estes podem ser da ortodoxia judaica, das correntes reformistas ou liberais, podem ser pacifistas ou militaristas.

O texto que trago é só um pequeno fragmento de como a diáspora judaica, assim como a diáspora árabe e palestina, é plural em suas opiniões e tentar reduzi-la a uma opinião única é moralmente inaceitável. O mesmo serve para a história do conflito árabe-israelense, para as sociedades ali envolvidas e para as soluções propostas para a utopia de paz que todos desejamos para a região.

Shalom, salaam.

 

COMUNICADO DA ASA

Pelo cessar-fogo imediato no Oriente Médio

Pela retomada das negociações

Nós, judeus brasileiros e argentinos, não podemos ficar calados frente aos últimos acontecimentos em Israel e na Faixa de Gaza. A escalada bélica está transformando Gaza, uma das regiões mais pobres e densamente povoadas do planeta, em gigantesca pilha de escombros e cadáveres. Não são poupados mercados, escolas, mesquitas, residências de todos os tipos. Do outro lado da fronteira, israelenses vivem sobressaltados com o lançamento maciço de foguetes vindos da Faixa de Gaza, que visam, principalmente, a população civil.
Entendemos que, na origem do atual conflito, existe uma rede complexa de causas. No terreno político imediato, há uma clara tentativa israelense de inviabilizar, manu militari, o governo de unidade nacional palestino, anunciado em junho passado. É importante lembrar que este governo seria formado por tecnocratas e o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, declarou que haveria um reconhecimento imediato do Estado de Israel, base para negociações de paz. Aos extremistas abrigados no atual governo de Israel não interessa o caminho que leve a um Estado palestino independente. O campo militar completa o terreno político. As armas traduzem a indisposição ao diálogo que os fundamentalistas de ambos os lados alimentam há muito tempo.
A ocupação de territórios palestinos por colonos israelenses, condenada inúmeras vezes pela comunidade internacional, nunca parou desde 1967 e é a grande causa estrutural do conflito israelense-palestino. Há uma ampliação permanente dos assentamentos ilegais, com chancela estatal e recursos portentosos dos aliados de Israel. A ocupação oprime a população palestina de diversas formas, que vão do terror militar às crescentes dificuldades de locomoção. Os israelenses acabam sendo, também, vítimas desta política colonial. Sua sociedade canaliza para os assentamentos recursos essenciais para o desenvolvimento do país. Os colonos, fanatizados por miragens messiânicas, têm peso relevante na política do país e envenenam a alma nacional com posturas racistas e excludentes. As consequências da brutalidade dos militares em território palestino são devastadoras para a psique dos jovens, muitos dos quais têm se recusado a servir nestas áreas.
Existe uma falácia perigosa por trás de bombas, mísseis e morteiros. Com a sofisticação da tecnologia bélica, criou-se a ilusão de que há uma solução militar para o conflito israelense-palestino. Ela perpassa casernas, bunkers e formadores de opinião. É preciso dar um basta muito firme a essa tendência, que só adia, com enorme sofrimento, a indispensável negociação entre as partes. Enquanto falam as armas, silencia o Homem.
Tendo em vista estas observações, reivindicamos:

 

1. Um imediato, incondicional e permanente cessar-fogo entre Israel e a Faixa de Gaza, com a retirada das tropas israelenses. Que o cessar-fogo seja supervisionado pelos capacetes azuis da ONU.

2. Desocupação dos territórios palestinos, estabelecendo-se novas fronteiras com base nas linhas existentes antes da guerra de junho de 1967 e respeitando-se a resolução número 242, da ONU, aprovada em 22 de novembro de 1967.

 

3. A implementação da fórmula dois povos para dois Estados, com reconhecimento mútuo e garantias para a segurança de ambos. Que o Estado palestino, sem descontinuidade territorial, tenha direito a manter todas as instituições definidoras de um estado moderno.

 

4. O combate a todas as manifestações de antissemitismo originadas no conflito entre os dois povos. Repudiamos energicamente as tentativas de criminalizar todo o povo judeu por conta de atitudes dos governos israelenses.

 

3 de agosto de 2014

ASA – Associação Scholem Aleichem de Cultura e Recreação (Rio de Janeiro – Brasil)
ADAF – Associação David Frischman de Cultura e Recreação (Niterói – Brasil)
Casa de Cultura (Porto Alegre – Brasil)
Casa do Povo/ICIB (São Paulo – Brasil)
ICUF – Ídisher Cultur Farband (Argentina)querda judaica do Rio de Janeiro

 

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